Derecho y Cambio Social

 
 

 

NOTAS SOBRE A TEORIA GERAL DOS RECURSOS CÍVEIS

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira *

 


 

 

1. FINALIDADE, CONCEITO E NATUREZA DE UM RECURSO

Qual a finalidade de um recurso? Eis a primeira questão que pode vir a surgir quando se inicia o estudo de tal matéria. E, para a correta resposta a tal questionamento, é preciso ter em mente, pelo menos por alto, a concepção do que vem a ser processo. Uma boa definição é aquela que considera o processo como “o procedimento em contraditório animado pela relação jurídica processual” (CÂMARA, 2006a, p. 148). Outra boa definição é de que “o processo é o encadeamento necessário e ordenado de atos e fatos destinado à formação ou execução de atos jurídicos cujos fins são juridicamente regulados” (SUNDFELD, 2005, p. 94). A partir de tais conceitos, é possível estabelecer que: o processo é o encadeamento necessário e ordenado de atos e fatos, interligados entre si, a formar um procedimento, o qual deve ser desenvolvido em contraditório e que se destina à formação ou à execução de atos jurídicos que tenham por finalidade relações sociais juridicamente reguladas.

Assim, é necessário, em regra, para que um processo inicie o chamado impulso oficial, o qual se dá mediante o exercício do direito de ação pelo sujeito interessado em obter do Estado uma tutela jurisdicional favorável. Para que se possa efetivamente exercer o direito de ação são necessárias algumas condições (as condições da ação, todas apresentadas in statu assertionis) e, também, alguns pressupostos processuais (presença dos pressupostos positivos e ausência daqueles chamados negativos). O instrumento que faz com que o Estado-juiz atue oficiosamente é a petição inicial. Recebida esta e citado o demandado, tem início o procedimento em contraditório de conhecimento do litígio, apresentação de peças processuais, produção de provas, audiências, despachos, decisões interlocutórias e, por fim, nessa fase de cognição, a sentença, ato máximo do juiz singular, decidindo o feito a priori, com ou sem a resolução do mérito.

Têm-se, pois, três atos do juiz em fase de conhecimento que merecem destaque: despacho, decisão interlocutória e sentença. O primeiro é irrecorrível e os outros dois, via de regra, desafiam recursos. A recorribilidade de uma decisão significa a possibilidade de uma revisão da mesma pelo Poder Judiciário, consubstanciando o que se convencionou chamar de duplo grau de jurisdição, princípio constitucional previsto na já recepcionada Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 8º, 2, h). Luiz Guilherme Marinoni entende que “o duplo grau de jurisdição quer dizer, em princípio, que o juízo sobre o mérito deve ser realizado por dois órgãos do Poder Judiciário”, isto é, o chamado “duplo grau” consiste, em verdade, numa re-análise da decisão proferida pelo juiz da causa, o qual pode ser, inclusive, o mesmo que vai reexaminar a decisão recorrida. Aliás, Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 238) sinaliza no sentido de que “as razões invocadas a suporte desse princípio e as normas constitucionais relacionadas com os recursos acabam por conduzir a uma pluralidade de graus jurisdicionais, não apenas duplicidade”. Ora, caso se parta da premissa de que o duplo grau consiste na apreciação da matéria por juízo hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão, estar-se-á a afirmar que o juízo que primeiro decidiu não possui crédito algum para rever a sua decisão e, porventura, a reformar. E mais: se ficar afirmado que o duplo grau é sempre necessário, restará a confirmação de que o juízo a quo sempre estará errado, de forma que sempre será necessária a chancela do juízo ad quem para confirmar, ou não, a sentença. Pelo contrário, o duplo grau é facultativo, de modo o recurso consiste, como deixa bem claro Nelson Nery Júnior (2000, p. 184) em “meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada”.

Assim, destrinchando o conceito fornecido: recurso é meio processual estabelecido por lei federal que dá às partes, ao órgão do Ministério Público e ao terceiro prejudicado a faculdade de, no seio da mesma relação processual já iniciada, obter: a reforma da decisão quando houver error in iudicando (vício no conteúdo da decisão); a anulação ou invalidação da decisão quando houver error in procedendo (vício no procedimento); a integração da decisão quando esta for omissa; o esclarecimento da decisão quando esta for ambígua ou obscura.

As hipóteses mais freqüentes em relação à grande maioria dos recursos são as de reforma e de anulação da decisão, enquanto que as de integração do julgado e de esclarecimento da sentença são específicas para o recurso de embargos de declaração. Cumpre, nesse iter, estabelecer a natureza jurídica do instituto estudado: o recurso.

Nesta alheta, é possível repetir a lição dada por Alexandre Freitas Câmara (2006a, p. 477), adequando-a: proferida a decisão interlocutória ou a sentença, seja esta terminativa ou definitiva, é possível, em regra, “a interposição de recurso, para que outro órgão jurisdicional reexamine o que foi objeto de decisão. [...] Assim é que, num determinado momento, torna-se irrecorrível a decisão judicial, pelo fato de se terem esgotado os recursos previstos no ordenamento. Há ainda que se considerar que há um prazo para a interposição dos recursos previstos e, em não sendo interposto o recurso no prazo previsto, este não poderá, após esgotado aquele lapso de tempo, ser interposto. Nesta hipótese, também se torna irrecorrível a decisão, pelo fato de não se ter interposto o recurso cabível”.

Portanto, a irrecorribilidade de uma decisão ou é congênita, haja vista que a decisão é irrecorrível por expressa previsão legal, ou é situacional, haja vista que não mais há como recorrer, seja porque todos os recursos possíveis foram utilizados, seja porque foi perdido o prazo de interposição.

Desta forma, são três as principais finalidades de um recurso: evitar o arbítrio do magistrado, sanar possíveis erros nas decisões judiciárias e procurar produzir um mínimo de conformação em relação à sentença desfavorável produzida em relação ao indivíduo. A primeira tem fortes laços com o princípio da segurança jurídica, uma vez que o interesse do Estado é proporcionar a paz e o equilíbrio social, de modo a fornecer respostas condizentes com o direito material e processual do indivíduo: a faculdade de recorrer impede, assim, que se promova o acomodamento do juízo e consequente arbítrio para resolver lides. A segunda sinaliza no sentido de que os juízes, como seres humanos que são, cometem erros: a faculdade de recorrer impede, assim, que eventual erro judiciário seja mantido. A terceira visa buscar a produção de um mínimo de conformação da parte que obteve decisão desfavorável. Com isso, pode-se dizer que “os recursos correspondem e traduzem uma tendência inata do homem de se rebelar contra uma decisão que lhe foi desfavorável” (ORIONE NETO, 2006, p. 2).

Com a utilização da via recursal o recorrente ter, pois, por objetivo obstar o trânsito em julgado da decisão, e devolver ao Judiciário a análise da questão impugnada. Portanto, o ato de recorrer é não é impositivo (não é um dever ou uma obrigação), haja vista não ser aplicada sanção à não interposição de um recurso; é, sim, pelo contrário, uma faculdade, e, por conseqüência, um ônus: o legitimado ativo tem a faculdade de, se quiser, recorrer, de forma que, caso não recorra, arcará com o ônus de não o ter feito.

Assim, o conceito de recurso: meio processual voluntário que a lei federal coloca à disposição das partes, do membro do Ministério Público e do terceiro prejudicado de, dentro da mesma relação jurídica processual, obstar o trânsito em julgado da decisão e devolver a matéria impugnada ao Poder Judiciário, para que este a anule, reformule, integre ou esclareça.

De tal modo, cumpre dizer que, há meios processuais que visam atar decisões judiciais, só que, ao contrário dos recursos, iniciam nova relação jurídica processual, sendo, por isso, denominados sucedâneos recursais (por fazerem às vezes dos recursos). São exemplos: ação rescisória, querella nulitatis, mandado de segurança, habeas corpus, ação anulatória de sentença, correição parcial.

2. LEI PROCESSUAL NO TEMPO E RECURSOS

Como sói dizer, as normas processuais encontram-se limitadas no tempo (tempus regit actum), de modo que, de acordo com o caput do artigo 1º da Lei 4.657/1942 (Lei de Introdução ao Código Civil): “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada”. Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco (1998, p. 99) apontam que é “particularmente difícil e delicada a solução do conflito temporal de leis processuais”. É sabido que sobre os processos findos não incide a lei nova; contudo, a dúvida que paira se refere à vigência de lei nova nos processos em curso.

A doutrina majoritária tem adotado a regra prevista no art. 2º do CPP: “a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. Ora, infere-se daí que “a lei nova não atinge os atos processuais já praticados, nem seus efeitos, mas se aplica aos atos processuais a praticar, sem limitações relativas às chamadas fases processuais” (ARAÚJO CINTRA, GRINOVER, DINARMACO, 1998, p. 99). Ademais, o CPC prevê em seu art. 1.211, caput, que, ao entrar em vigor, as disposições do CPC aplicar-se-ão desde logo aos processos pendentes.

Conforme escreve Tourinho Filho (2006, p. 37), a lei processual penal não apresenta efeito retroativo, e, tem-se entendido que, a lei processual civil também não o tem. A regra é de que a lei processual seja aplicada tão logo entre em vigor, ou seja, tempus regit actum (o tempo rege o ato). No que se refere aos recursos, deve-se considerar que a lei vigente no dia em que foi proferido o julgamento é a que determinará o cabimento e o procedimento do recurso.

3. CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS

Os recursos, de uma forma geral, podem ser classificados: quanto ao âmbito de sua abrangência; quanto à sua fundamentação; quanto à sua finalidade; quanto ao órgão jurisdicional que os decide; quanto ao objetivo imediato tutelado pelo recurso.

Os recursos quanto ao âmbito de sua abrangência podem ser totais (integrais) ou parciais. Os recursos totais são aqueles que estão a abranger todo o conteúdo passível de impugnação da decisão recorrida (e não todo o conteúdo da decisão recorrida); enquanto que os recursos parciais são aqueles que por opção do recorrente não compreendem a totalidade do conteúdo impugnável da decisão recorrida (e não a totalidade da decisão recorrida). Exemplifica Câmara (2006, p. 60): “numa demanda ajuizada por A em face de B, em que aquele cobra deste quantia de mil reais, tendo sido o pedido julgado improcedente, um recurso em que A peça ao tribunal a reforma da sentença, a fim de condenar o demandado ao pagamento dos mil reais, será um recurso total, enquanto um recurso em que se pleiteasse a condenação do réu ao pagamento de oitocentos reais seria parcial”. Assim, quando não se impugna uma parte da decisão, a parte não recorrida transita em julgado e o órgão julgador fica atrelado ao pedido recursal. Destaca Dinamarco (2006, p. 99) que “quando um recurso interposto é integral, abrangendo todos os capítulos de que se compõe o ato recorrido, não se opera preclusão alguma, notadamente a coisa julgada; quando ele é parcial, os capítulos de sentença não-impugnados recebem a coisa julgada e tornam-se, a partir daí, inatacáveis”.

Os recursos quanto à sua fundamentação podem ser de fundamentação livre ou de fundamentação vinculada. Os recursos de fundamentação livre são aqueles em que o recorrente pode atacar a decisão impugnada, com o uso de qualquer tipo de argumentação; os recursos de fundamentação vinculada são aqueles em que a lei cuida de discriminar quais as críticas que podem ser ventiladas contra a decisão recorrida. Com isso, infere-se que nos recursos de fundamentação livre, o cabimento do recurso é independente do tipo de crítica que o recorrente dirige à decisão; nos recursos de fundamentação vinculada, o cabimento do recurso depende da tipicidade do erro que o recorrente diz ter a decisão. Podemos citar como exemplos de recursos de fundamentação vinculada o recurso especial – previsto na Constituição, artigo 105, III –, o recurso extraordinário – previsto na Constituição, artigo 102, III – e o recurso de embargos de declaração – previsto no CPC, artigo 535.

Os recursos quanto à sua finalidade podem ser de reforma, de invalidação (ou de anulação) e de integração (ou de esclarecimento). Recursos de reforma são aqueles que guardam pertinência com questões proferidas com error in iudicando, de forma que buscam a modificação do conteúdo do julgado, a fim de dar um julgamento mais favorável ao recorrente. Recursos de invalidação (ou de anulação) constituem-se como aqueles proferidos diante de error in procedendo e têm por escopo cassar a decisão proferida para que outra seja proferida em seu lugar. Por fim, os recursos de integração (ou de esclarecimento), cujo caso único é o dos embargos de declaração – busca-se afastar a falta de clareza ou de precisão do julgamento, ou então suprir alguma omissão do julgador.

Quanto ao órgão jurisdicional que os decide, os recursos podem ser reiterativos (ou devolutivos), iterativos (ou não-devolutivos) e mistos. Os recursos reiterativos serão sempre julgados por órgão jurisdicional diferente daquele que prolatou a decisão atacada – por exemplo: alguns agravos, algumas apelações, recurso especial e recurso extraordinário, embargos infringentes. Os recursos iterativos serão julgados pelo mesmo órgão que prolatou a sentença – exemplo único: embargos de declaração. Os recursos mistos são aqueles que têm o chamado juízo de retratação, isto é, a decisão atacada pode ser revista tanto pelo mesmo órgão jurisdicional que a prolatou como por outro de instância mais elevada – por exemplo: agravo de instrumento, agravo retido, apelação do artigo 285-A (do CPC), apelação do artigo 296 (do CPC) e apelação dos procedimentos do Estatuto da Criança e do Adolescente (artigo 198, VII, Lei 8.069/90).

A doutrina também fala em recursos ordinários e extraordinários. Flávio Cheim Jorge (2007, p. 33) traz que o critério utilizado nesse caso é o objetivo imediato que recebe a tutela do recurso, de modo que “enquanto os recursos extraordinários tutelam o direito objetivo, os recursos ordinários visam a proteger imediatamente o direito subjetivo dos recorrentes”. Os recursos extraordinários: não permitem o simples reexame de matéria fática (STF, súmula 279, STJ, súmula 7); só são cabíveis quando as vias ordinárias tiverem sido esgotadas; existência de prequestionamento (prévio tratamento do tema de Direito constitucional ou federal) explícito. Os recursos extraordinários são de duas espécies: recurso extraordinário (em sentido estrito), dirigido ao STF; recurso especial, dirigido ao STJ.

4. ALGUNS PRINCÍPIOS RECURSAIS

Apresentada a classificação dos recursos, cabe apresentar alguns princípios referentes à matéria recursal: voluntariedade, singularidade, vedação à reformatio in peius, dialeticidade recursal, taxatividade, fungibilidade e complementariedade.

Como já visto quando da conceituação de recurso, todo recurso qualifica-se por ser voluntário, facultativo, de modo que é ônus da parte recorrer ou não de uma determinada decisão.

Outro princípio é o da singularidade ou da unicidade ou, ainda, da unirrecorribilidade. Em regra, cada decisão judicial só é atacável por uma determinada espécie de recurso. Excepcionalmente, será cabível mais de uma espécie de recurso nas seguintes hipóteses permitidas pela lei federal: interposição de embargos de declaração e, posteriormente, de recurso próprio, quando a decisão contiver obscuridade, contradição ou omissão – em relação a uma sentença, por exemplo, “a boa técnica recomenda que o autor primeiro utilize os declaratórios para sanar a omissão; se o juiz, corrigindo a omissão, julga improcedente o pedido, aí sim, poderá o autor interpor o recurso de apelação” (ORIONE NETO, 2006, p. 187); interposição de recurso especial e recurso extraordinário, quando o acórdão possuir em seu conteúdo violação de lei federal e também da Carta Magna (artigo 541, do CPC). De se observar que as exceções devem estar previstas expressamente na lei.

É vedada a reformatio in peius, uma vez que, em regra, o julgamento de um recurso somente poderá proporcionar uma vantagem àquele que está recorrendo, ou, no mínimo, a manutenção da posição jurídica por ele já alcançada. A vedação à reformatio in peius decorre do princípio da adstrição. Bruno Lopes (2005, p. 36) ensina que “para haver reformatio in peius é necessário que a decisão proferida em sede recursal seja mais desfavorável que a recorrida sob o ponto de vista prático”. Deve-se ter em mente, contudo, que a reformatio in peius só ocorrerá se a parte dispositiva da decisão recorrida for alterada. No ordenamento jurídico brasileiro há a previsão de exceções a tal vedação, como se pode observar no parágrafo terceiro do artigo 515 (CPC).

O recurso deve, necessariamente, vir acompanhado de razões, as quais possam ser utilizadas para rebater os fundamentos da decisão atacada e produzir nova conclusão; por isso que é comum dizer-se que o recurso é ato de desconstrução da sentença proferida. A dialeticidade consiste, portanto, em haver uma tese (a decisão atacada, apoiada pelas contra-razões recursais), uma antítese (as razões recursais) e uma síntese (a nova decisão proferida, que pode ser igual, parcialmente igual ou diferente daquela atacada).

Em conformidade com o artigo 22, I, da CF, o recurso é instituto processual cuja criação e supressão só podem ser feitas por lei federal; os procedimentos é que podem ser estipulados pelos Regimentos Internos, Estados e Municípios. Assim, pelo princípio da taxatividade, os recursos só podem vir previstos em leis federais, sendo inconstitucionais aqueles previstos por leis estaduais ou por regimentos internos de tribunais, por exemplo.

A fungibilidade é um princípio orientado por um outro, o da instrumentalidade das formas (artigo 244, do CPC). Teresa Arruda Alvim Wambier (2005, p. 740) afirma que a fungibilidade incide nas hipóteses em que se devem privilegiar os valores fundamentais do sistema processual, dentre eles o da operatividade do sistema. Ora, “o processo foi concebido para ‘dar’ direitos a quem os tem: não para ‘inventar’ direitos e atribuí-los a quem não os tenha, ou para subtrair direitos de seus titulares”, por isso que podemos dizer que a forma às vezes é necessária para a preservação de direito, mas, de regra, não é tão importante. Deve-se ter em mente que, hodiernamente, o processo está a serviço do direito material, ou seja, deve-se procurar a melhor solução possível para a questão material.

Para que o princípio da fungibilidade opere em um processo é preciso que o recorrente reclame-o para si, no recurso interposto. Ademais, são requeridos alguns requisitos para a aplicação do mesmo: existência de dúvida fundada objetiva na doutrina e/ou na jurisprudência quanto à utilização do recurso; ausência de erro grosseiro quanto à interposição do recurso e quanto ao prazo para interposição do recurso correto – deve-se interpor, na dúvida, o recurso de acordo com o menor prazo.

Tal princípio é fundamental, precipuamente em razão da nova conceituação de sentença. E, como bem afirma Teresa Arruda Alvim Wambier (2006, p. 135): “não pode a parte ser prejudicada pela circunstância de doutrina e jurisprudência não terem chegado a um acordo quanto a qual seja o meio adequado para se atingir, no processo, determinado fim”.

É mister listarmos alguns casos em que pelo menos na doutrina há dúvida fundada objetiva acerca de qual recurso utilizar-se:

ü      Qual o recurso cabível contra a antecipação de tutela concedida na sentença, agravo ou apelação?

ü      Qual o recurso cabível contra decisão do juiz que exclui um dos co-litisconsortes passivos do processo por ilegitimidade de partes, apelação ou agravo?

ü      A decisão liminar concedida em mandado de segurança é agravável ou impugnável por outro mandado de segurança?

ü      Do indeferimento de petição inicial da reconvenção (art. 267, I) é cabível qual recurso, apelação ou agravo?

ü      Da homologação do reconhecimento pelo réu de um dos pedidos formulados pelo autor ou de parcela deles (art. 269, II c/c art. 273, parágrafo 6º) é cabível agravo ou apelação?

ü      A decisão que resolver o incidente de falsidade documental (art. 395) é apelável ou agravável?

ü      A decisão que resolver impugnação ao pedido de assistência judiciária (art. 17, Lei 1.060/50) é apelável ou agravável?

Pelo princípio da complementariedade, que decorre dos princípios da ampla defesa e do contraditório, permite-se que, excepcionalmente, o recurso seja alterado ou acrescido. A regra do sistema processual é pela não complementaridade do recurso já interposto. Ocorre, todavia, que há situações que a decisão recorrida é modificada ou completada, em razão do julgamento de embargos declaratórios; situações estas de sucumbência recíproca, em que uma parte apela e a outra embarga.

5. REEXAME NECESSÁRIO NÃO É RECURSO

O reexame necessário de sentença é também chamado de remessa obrigatória ou de duplo grau de jurisdição obrigatório, e vem consagrado pelo artigo 475 do CPC. Trata-se de um dos institutos mais criticados do Direito processual. Há duas correntes quanto à natureza jurídica da remessa obrigatória. A corrente minoritária argúi que se trata de uma espécie de recurso. A doutrina majoritária entende que se trata de apenas uma condição de eficácia da sentença, para determinados casos.

Ora, não se trata de recurso porque todo recurso é voluntário, e se o juiz não sujeitar sua sentença ao reexame necessário, quando preciso, ela jamais transitará em julgado. Mas os motivos não param por aí. Há o princípio da taxatividade: a remessa obrigatória é tratada apenas pelo CPC e não se encontra prevista como recurso; o princípio da singularidade: contra um tipo de decisão só cabe uma espécie de recurso, salvo as duas exceções já listadas linhas atrás (embargos de declaração e apelação; recurso especial e recurso extraordinário); o princípio da dialeticidade: o reexame necessário nunca será fundamentado; o interesse de recorrer: é óbvio que o juiz não tem interesse em recorrer da própria decisão, não há a figura do recurso de ofício; o reexame necessário não se submete aos prazos, como ocorre com os recursos, e também não se submete aos preparos, como ocorre para a maioria dos recursos.

Escrevem Fredie Didier Júnior e Leonardo José Carneiro da Cunha (2007, p. 393) que “o reexame necessário condiciona a eficácia da sentença à sua reapreciação pelo tribunal ao qual está vinculado o juiz que a proferiu. Enquanto não for procedida à reanálise da sentença, esta não transita em julgado, não contendo plena eficácia. Desse modo, não havendo o reexame e, conseqüentemente, não transitando em julgado a sentença, será incabível a ação rescisória. Eis mais uma razão pela qual o reexame necessário não pode ser tido como um recurso. Não interposto o recurso contra a sentença, esta irá transitar em julgado, cabendo ação rescisória pelo prazo de 02 (dois) anos. No caso do reexame, caso não venha a ser determinado na sentença, esta não irá transitar em julgado, sendo despropositado o manejo de ação rescisória, à míngua de pressuposto específico”.

Dentre as hipóteses de cabimento de remessa necessária, podemos citar as principais, a saber:

ü      O artigo 475, I, do CPC, prevê que sentença proferida contra Fazenda Pública (União, Estado, Distrito Federal, Município, autarquias e fundações de direito público) está sujeita ao reexame necessário, de modo que importa lembrar que a exigência do reexame não alcança as decisões interlocutórias proferidas contra a Fazenda Pública. Didier Júnior e Carneiro da Cunha (2007, p. 395) observam que “se a decisão interlocutória resolver definitivamente parte do mérito da causa, o que é possível em face da nova redação do art. 269 do CPC, sendo apta a fica imune pela coisa julgada material, é possível defender a necessidade do reexame compulsório pelo tribunal”. Deve-se ter em mente que se a sentença proferida for terminativa, não haverá exigência de duplo grau obrigatório porque a Fazenda Pública não teve contra si proferida sentença, uma vez que não restou sucumbente. O STJ editou a Súmula 325 que traz o seguinte entendimento: “a remessa oficial devolve ao Tribunal o reexame de todas as parcelas da condenação suportadas pela Fazenda Pública, inclusive dos honorários de advogado”, desde que o valor seja maior que o de 60 (sessenta) salários mínimos. Entendem, ainda, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (2001, p. 918) que quando a Fazenda Pública figurar como parte autora no processo, a sentença que lhe seja desfavorável não exige remessa necessária.

ü      O artigo 475, II, do CPC, prevê que sentença que julga procedente, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública requer reexame necessário.

ü      O artigo 19 da Lei 4.717/1965 prevê que sentenças que julgam extinto o processo sem resolução de mérito ou quando o pedido for julgado improcedente na ação popular exige remessa necessária.

ü      O artigo 12, parágrafo único, da Lei 1.533/1951, prevê que sentenças que concederem segurança na ação mandamental requerem duplo grau obrigatório.

ü      O artigo 13, parágrafo primeiro, da Lei Complementar 76/1993, prevê que sentenças proferidas nas ações de desapropriação para fins de reforma agrária que condenam o expropriante ao pagamento de indenização em valor 50% superior àquele oferecido na petição inicial, exigem remessa necessária.

ü      O artigo 213 da Lei 6.739/1979 prevê que a sentença de procedência de ação anulatória de retificação de registro realizado por pessoa jurídica de direito público requer duplo grau obrigatório.

Todavia, não se sujeitam ao reexame necessário:

ü      Acórdãos, decisões interlocutórias e sentenças terminativas;

ü      Sentenças dos juizados especiais cíveis federais (artigo 13, Lei 10.259/2001), qualquer que seja a sentença;

ü      Sentenças que versarem sobre determinadas matérias na lei que trata do cadastro informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais (artigo 19, parágrafo 2º, Lei 10.522/2002);

ü      Quando a condenação for de valor certo não excedente a 60 salários mínimos (artigo 475, parágrafo 2º, do CPC);

ü      Quando a sentença se fundar em jurisprudência do plenário do STF ou em Súmula deste ou do tribunal superior competente (artigo 475, parágrafo 3º, do CPC).

Luiz Orione Neto (2006, p. 163) afirma que “questão prenhe de conseqüências práticas consiste em saber se o tribunal ad quem, ao tomar conhecimento da remessa obrigatória, pode piorar a situação da entidade estatal, que já tivera contra si sentença desfavorável”. A questão é sumulada pelo STJ (Súmula 45): “no reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”. Portanto, veda-se a reformatio in peius em desfavor da Fazenda Pública[1].

6. PRESSUPOSTOS RECURSAIS

Os pressupostos recursais são projeções dos pressupostos processuais, e, a exemplo destes, não se encontram enumerados pela lei, o que permite, em relação à doutrina, a formulação de várias classificações sobre os pressupostos dos recursos. Assim, escolheu-se dividir os pressupostos recursais em subjetivos e objetivos. Os pressupostos subjetivos têm a ver com os sujeitos processuais, de modo que se tem: a legitimidade e o interesse em recorrer. E, nos pressupostos objetivos, avalia-se o recurso propriamente dito: cabimento, adequação, fundamentação, tempestividade, preparo e ausência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer.

a) Legitimidade para recorrer

O artigo 499 do CPC estabelece quem são os legitimados para recorrer: as partes, o órgão do Ministério Público quando órgão interveniente e o terceiro prejudicado. O conceito de partes aqui utilizado pelo legislador é aquele formulado por Chiovenda (1998, p. 234): “parte é aquele que demanda em seu próprio nome a atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é demandada. A idéia de parte é ministrada, pela própria lide, pela relação processual, pela demanda”.

A Súmula 99 do STJ estabelece ser a legitimidade do Ministério Público incondicionada, in verbis: “o Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei [rectius: fiscal do direito], ainda que não haja recurso da parte”. O Ministério Público pode atuar, no processo, como agente ou como interveniente, conforme podemos inferir da observação aos artigos 81 e 82 do CPC[2].

Como agente, o Ministério Público poderá ou ser autor ou ser réu, de forma a vir a ser, inclusive, sucumbente recíproco, o que permite dizer que poderá interpor, também, recurso adesivo. Como interveniente, o Ministério Público intervém no processo em razão de um interesse público qualquer, de maneira que será “nulo o processo, quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir” (artigo 246).

A intervenção do Parquet pode ocorrer de duas formas: quando o interesse público decorre da qualidade das partes ou quando o interesse público decorre da natureza da lide.

No primeiro caso, o Ministério Público vai atuar como fiscal dos interesses de determinadas pessoas, isto é, de acordo com a qualidade (condição) de determinados sujeitos. Em casos como este, o órgão atua como se advogado fosse, com o intuito de equilibrar a relação processual; assim, caso a parte em prol da qual intervenha obtenha tutela jurisdicional favorável, mesmo que injusta ou contrária à lei, o Parquet tem legitimidade para recorrer, mas não tem interesse. Ora, como sói afirmar, o pressuposto recursal do interesse em recorrer guarda certa correlação com o pressuposto processual do interesse processual[3].“A razão da atuação do Ministério Público na hipótese é simples: se a Constituição Federal assegura aos litigantes em qualquer processo judicial o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), a legislação infraconstitucional deverá ditar as hipóteses de intervenção do Ministério Público no processo pelo fato de se estabelecer, em razão da hipossuficiência de qualquer das partes ou interessados, um desequilíbrio de forças entre os pólos da relação jurídica processual” (ZENKNER, 2006, p. 123). Por isso é que o Parquet desenvolve uma função, nesses casos, complementar à da parte que reclama sua intervenção, o que permite afirmar com certeza que: a atuação do órgão ministerial orienta-se não pela de custos iuris, mas pela de assistente ad coadiuvandum.

No segundo caso, o Ministério Público atuará como fiscal de interesse público decorrente da natureza da lide. É o que a doutrina clássica chamava de custos legis e que a doutrina moderna, com base em preceitos de ordem constitucional, chama de custos iuris. Aqui o Parquet intervém em razão da proteção que deve ser dada ao ordenamento jurídico.

Luiz Orione Neto (2006, p. 72) afirma que a doutrina controverte sobre a possibilidade de o Ministério Público poder “interpor recurso contra o julgado favorável à parte cuja presença no processo tornou obrigatória a intervenção do Parquet. A resposta positiva se impõe. Com efeito, atuando o Ministério Público como custos [iuris], ou seja, como defensor do direito objetivo, não se pode conceber que o Parquet – tutor dos interesses maiores da sociedade – seja obrigado a fazer tabula rasa diante da inadequada atuação da vontade concreta da lei ocorrida num processo onde é chamado a intervir como fiscal desta mesma atuação”. A Súmula 99 do STJ é nesse sentido: “o Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal [do direito], ainda que não haja recurso da parte”.

Escrevem Didier Júnior e Carneiro da Cunha (2007, p. 48) que a legitimação do órgão ministerial como custos iuris “é concorrente com a das partes, mas é primária, ou seja, independe do comportamento delas”. Ora, enquanto fiscal do direito, o Ministério Público atua como órgão que busca a efetividade do processo, então tem legitimidade para recorrer.

De se observar que nos casos em que o órgão do Ministério Público intervém em virtude de interesse público decorrente da natureza da lide, deve-se reconhecer que o interesse recursal é amplo. Ora, em tais casos é patente a busca pela proteção ao interesse público, de modo que o Parquet poderá interpor recurso contra qualquer decisão que entender ilegal (houver error in procedendo) e/ou injusta (houver error in judicando), conforme destaca Zenkner (2006, p. 121). E continua o citado autor (ZENKNER, 2006, p. 116): “mesmo atuando como órgão interveniente, o Ministério Público também deverá ser considerado como parte no processo, o que trará conseqüências práticas relevantíssimas, mormente ao ser analisada a possibilidade de o órgão ministerial, nas ações que reclamam sua intervenção, formular pedido de tutela antecipada”. Tal posição é defendida pela doutrina majoritária. Assim, de se afirmar que o órgão ministerial tem legitimidade para recorrer mesmo quando tiver atuado como custos iuris, como, aliás, dispõe o parágrafo 2º do art. 499 do CPC: “o Ministério Público tem legitimidade para recorrer assim no processo em que é parte, como naqueles em que oficiou como fiscal da lei”.

Cristiano Chaves de Farias (2001, p. 607) explicita que “o exercício da atividade processual interveniente impõe ao Ministério Público a função de velar pela fiel observância do ordenamento jurídico, principalmente no que se refere aos objetivos fundamentais expressos na Constituição, dentre os quais [se destaca] a garantia de acesso à justiça. Via de conseqüência, poderá, em qualquer caso, visando a obter a tutela justa, adequada e eficaz no caso concreto, pleitear a antecipação dos efeitos da decisão final“.

b) Interesse em recorrer

O interesse em recorrer escora-se no binômio: necessidade-utilidade. A necessidade existirá quando não houver nenhum outro meio, exceto o recursal, para que a parte obtenha, naquele processo, o que pretende contra a decisão ora impugnada, evitando, assim, o trânsito em julgado; a utilidade (adequação) perfaz-se na existência de vantagem em potencial a ser obtida no recurso, mediante a utilização da via processual adequada, a fim de se poder melhorar a posição alcançada dentro do processo.

Há grande relação entre a utilidade e a sucumbência, a qual ocorre quando há um descompasso entre o que foi pedido pelo autor ou pelo réu e aquilo que foi concedido pelo magistrado. Só pode ser sucumbente o autor e/ou o réu, de forma que um ou outro, ou ambos, só podem recorrer se sucumbentes – a sucumbência pode ser inclusive recíproca.

Contudo, deve-se ter em mente que o Ministério Público (na condição de custos iuris) e o terceiro prejudicado não são sucumbentes, o que importa dizer: devem demonstrar o seu interesse em recorrer, mas não mediante a sucumbência. Como é o caso dos honorários advocatícios.

c) Cabimento do recurso

O cabimento do recurso consiste na previsão legal de que o ato processual emitido pelo órgão judicial comporta recurso. No processo civil, não cabe recurso contra qualquer despacho. Há, também, algumas decisões que não comportam recurso, como: as decisões interlocutórias em Juizados Especiais Cíveis; as decisões em que se releva a pena de deserção (artigo 519, caput e parágrafo único); a maioria das decisões de mero expediente (as quais podem ser feitas pelo escrivão).

Nesse âmbito, muito se discute acerca da recorribilidade da decisão de mero expediente chamada “cite-se”, uma vez que é ato privativo do juiz (não podendo ser realizado pelo chefe de secretaria). Os que dizem ser possível concordam que o recurso cabível é o agravo de instrumento.

d) Adequação do recurso

A adequação decorre do princípio da singularidade recursal e consiste na correção do recurso interposto, ou seja, salvo nas hipóteses em que pode ser aplicado o princípio da fungibilidade, deve ser interposto o recurso adequado contra a decisão proferida pelo órgão judicial, caso contrário, haverá preclusão consumativa por uso inadequado da via recursal.

e) Fundamentação do recurso

Todos os recursos, no processo civil, devem ser necessariamente fundamentados, de forma a indicar quais as falhas contidas na decisão proferida, conforme enuncia o artigo 302, caput, primeira parte, do CPC: “cabe também ao réu manifestar-se precisamente sobre os fatos narrados na petição inicial”.

f) Tempestividade do recurso

Todo recurso deve ser tempestivo, isto é, interposto dentro do prazo correto, sob pena de preclusão temporal. Pelo sistema do CPC, temos os seguintes prazos: agravo, dez dias; embargos de divergência e agravo interno (agravinho), cinco dias cada; agravo retido oral, imediato; os demais, quinze dias (artigo 508 do CPC). Há algumas situações de privilégio de prazo. O prazo para recorrer (apresentar razões, e não para contra-arrazoar) é em dobro para o Ministério Público (agente ou interveniente) e para a Fazenda Pública (artigo 188, CPC). O prazo para qualquer ato processual é em dobro para os litisconsortes com procuradores distintos (artigo 191, CPC). Para a Defensoria Pública (ou para o assistente judiciário) o prazo para qualquer ato processual é em dobro (artigo 5, parágrafo 5º, Lei 1.060/1950).

g) Preparo do recurso

O preparo consiste no pagamento das custas do recurso e do porte de remessa e retorno (custas de correio), e, em regra, deve ser feito simultaneamente à interposição do recurso. A deserção (juízo negativo de admissibilidade) é a sanção para o recurso que não vier preparado ou cujo preparo não é complementado no prazo de cinco dias (quem faz o cálculo do preparo é o advogado da parte de acordo com uma tabela de custas; se o advogado por acaso errar o cálculo, o juiz mandará que se intime para complementar o valor, no prazo de cinco dias).

No caso de apelação deserta, se o apelante provar justo impedimento, o juiz relevará o ônus da deserção, fixando-lhe prazo para efetuar o preparo, decisão esta da qual não caberá recurso, conforme o artigo 519 do CPC.

Há algumas situações em que o preparo é dispensado. De acordo com critérios objetivos, seja quem for o recorrente, o recurso de embargos de declaração e o recurso de agravo retido dispensam o preparo. De acordo com critérios subjetivos, a Fazenda Pública e as pessoas que gozam de isenção legal – como a Defensoria Pública, o Ministério Público e o advogado particular que requer assistência judiciária – há, também, a dispensa de preparo, em conformidade com os parágrafos do artigo 511 do CPC.

h) Ausência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer

Os fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer são os seguintes: desistência do recurso, renúncia ao direito de recorrer e aquiescência/aceitação tácita ou expressa da decisão. A desistência é fato extintivo do direito de recorrer porque ocorre após a interposição do recurso, enquanto que a renúncia e a aquiescência são fatos impeditivos, porquanto ocorram antes da interposição do recurso.

A desistência do recurso encontra-se prevista no artigo 501 do CPC, de modo que o recorrente poderá a qualquer tempo desistir do recurso, mesmo sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes. Verifique-se que a desistência ocorre quando o recurso já foi interposto, de forma a prejudicar, apenas o recurso adesivo, haja vista que se ocorrer a desistência não há motivo para se apreciar o recurso adesivo, o direito de interpor outro recurso por parte do desistente.

A renúncia ao direito de recorrer está prevista no artigo 502 (CPC): “a renúncia ao direito de recorrer independe da aceitação da outra parte”. A renúncia pode ser total ou parcial (desde que o renunciante expressamente o diga). A renúncia ao recurso principal também prejudica o recurso adesivo.

Por fim, a aquiescência ou aceitação, conforme o artigo 503 do CPC constitui na hipótese de a parte aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, isto é, declarando expressamente (em juízo) que aceita a decisão, ou praticando atos incompatíveis com a vontade de recorrer. É a preclusão lógica aplicada à fase recursal.

7. JULGAMENTO DOS RECURSOS

Destaca Flávio Cheim Jorge (2007, p. 53) que “como ato processual postulatório, o recurso sujeita-se necessariamente a um duplo exame”. O primeiro é o juízo de admissibilidade, que se destina “a verificar se estão satisfeitas as condições impostas pela lei processual, para que o órgão julgador possa examinar a conteúdo da postulação”. O segundo é o juízo de mérito, que consiste na apreciação do “fundamento da impugnação, para acolhê-la, se fundada, ou rejeitá-la, caso contrário”, para que ocorra o juízo de mérito é conditio sine qua non que o juízo de admissibilidade seja positivo.

Como se pode depreender, a primeira etapa é a do juízo de admissibilidade, em que o juiz ou o tribunal analisa a peça recursal, a fim de verificar se estão presentes todos os pressupostos processuais. Deve-se ter em mente que “o controle do juízo de admissibilidade do recurso pode e deve ser feito ex officio pelo órgão competente”, haja vista que se trata de questão de ordem pública, razão pela qual não há que se falar em preclusão pro iudicato; ou seja: “se o juiz, ao proferir o juízo de admissibilidade do recurso de apelação interposto, reputou-o tempestivo, nada obsta que o tribunal destinatário considere a apelação intempestiva” (ORIONE NETO, 2006, p. 47).

A natureza jurídica do juízo de admissibilidade é declaratória e seus efeitos são ex nunc, ou seja, “a decisão sobre a admissibilidade do recurso determina o momento em que a decisão judicial impugnada transita em julgado” (NERY JÚNIOR, 2000, p. 235); “temos assim fixado o dies a quo para o ajuizamento da ação rescisória, cujo prazo é de dois anos a contar do trânsito em julgado da sentença rescindenda” (ORIONE NETO, 2006, p. 52). Ao que conclui Nelson Nery Junior (2000, p. 236): “seja ou não conhecido o recurso pelo tribunal, seja ou não provido no mérito, a decisão impugnada só passa em julgado a partir desse julgamento do recurso pelo tribunal”.

Conhecido ou recebido[4] o recurso, diz-se haver juízo positivo de admissibilidade, o que permite que se passe à próxima etapa no julgamento dos recursos: o juízo de mérito. Escreve Flávio Cheim Jorge (2007, p. 54): “a essência do juízo de admissibilidade reside, portanto, na verificação da existência ou inexistência dos requisitos necessários para que o órgão competente possa legitimamente exercer sua atividade cognitiva, no tocante ao mérito do recurso”. Saliente-se que o juízo positivo de admissibilidade não influi no juízo de mérito, id est, aquele em relação a este é neutro.

Proferido juízo de admissibilidade positivo do recurso, passa-se ao juízo de mérito, o qual consiste na análise da pretensão recursal, de forma que pode o mérito, no recurso, não ter nada a ver com o mérito da demanda. “Ao examinar o mérito do recurso, o tribunal ad quem certificará se a impugnação é procedente ou improcedente e, portanto, se lhe deve ou não dar provimento[5]” (ORIONE NETO, 2006, pp. 123-124).

Deve-se observar que “enquanto o mérito do recurso é, em regra, sujeito a uma única apreciação (órgão ad quem), sua admissibilidade submete-se, em geral, a um duplo controle (juízos a quo e ad quem)” (DIDIER JÚNIOR e CARNEIRO DA CUNHA, 2007, p. 64). O agravo de instrumento é uma exceção a tal regra, vez que é interposto diretamente no Tribunal de Justiça.

8. EFEITOS DOS RECURSOS

Conforme já foi dito, a interposição de um recurso é ato processual facultativo, e, como todo e qualquer ato processual, está apto a gerar vários efeitos no âmbito jurídico. São efeitos dos recursos: obstativo, devolutivo, translativo, suspensivo, expansivo (ou extensivo), regressivo, substitutivo e ativo.

O efeito obstativo consiste no impedimento de formação da coisa julgada, trata-se de efeito presente em todo e qualquer tipo de recurso.

Outro efeito próprio a todo e qualquer recurso é o efeito devolutivo ou reiterativo. Consiste em que a matéria impugnada no recurso seja devolvida ao Poder Judiciário para nova análise[6]. Em geral, o órgão jurisdicional que irá julgar é um outro órgão (órgão ad quem), distinto daquele que proferiu (órgão a quo) a decisão recorrida, a exceção cumpre dizer, se refere aos embargos de declaração, os quais, a despeito da afirmação de alguns autores, possuem efeito devolutivo.

Essa devolução vai esbarrar nos limites da pretensão recursal, de modo que se o recurso for total, a devolução será total, e se parcial o recurso, a devolução será parcial. Assim, o órgão responsável pela análise e julgamento do recurso não pode ultrapassar os limites da pretensão recursal (e não aquela pretensão contida na petição inicial), hipótese que se ocorrer poderá gerar julgamento infra, extra ou ultra petita. Apesar de o art. 515, caput, estar contido no capítulo da apelação, considera-se que a regra tantum devolutum quantum appellatum é própria a todos os recursos, uma vez que todos esses têm efeito devolutivo, isso significa: só é devolvido ao Judiciário o conhecimento da matéria impugnada pelo recurso.

A doutrina tem dito que o efeito devolutivo tem duas dimensões, uma horizontal (que consiste na análise de questões de ordem pública) e uma vertical (que consiste na análise de questões de mérito). A dimensão horizontal é o que alguns autores chamam de efeito translativo, o qual nada mais é que uma extensão do efeito devolutivo e consiste na possibilidade de o juízo ad quem analisar de ofício as chamadas questões de ordem pública[7] (artigo 301, CPC) por ocasião do julgamento de um recurso. Tal efeito abre exceção ao princípio da vedação da reformatio in peius, conforme o exemplo: tendo o autor demandado 100 por danos materiais, a sentença do juiz de primeiro grau lhe concedeu 60, de modo que, inconformado, o autor interpôs recurso, e, na análise deste, o tribunal reconheceu prescrição, prolatando acórdão que substituiu a sentença e não concedeu qualquer quantia ao recorrente.

Utilizando-se conceitos matemáticos, o efeito translativo consiste em passar-se do eixo das ordenadas (eixo y) para o eixo das abscissas (eixo x). No eixo das ordenadas estão questões de mérito (contidas no artigo 269 do CPC), enquanto que no eixo das abscissas estão questões processuais ou de ordem pública (contidas no artigo 267 do CPC). O outro sentido, isto é, passar-se do eixo das abscissas para o eixo das ordenadas é denominado de causa madura para julgamento.

O efeito suspensivo promove o adiamento da produção dos efeitos da decisão atacada, prolongando-se o estado de ineficácia da decisão enquanto o recurso interposto não for devidamente julgado – ou seja, o efeito suspensivo guarda pertinência com a eficácia da decisão, suspendendo a produção de efeitos da decisão no plano concreto. Nem todo recurso tem o referido efeito[8]. Quando a sentença comporta recurso de efeito meramente devolutivo, pode-se proceder à fase de cumprimento de sentença, vale dizer, promover a execução provisória da decisão.

O efeito expansivo ou extensivo será verificado quando o provimento do recurso acabar por englobar outros atos processuais além daqueles nele impugnados[9] e será verificado, também, quando os efeitos do julgamento do recurso interposto se estender aos outros sujeitos da relação processual, mesmo que estes não tenham recorrido[10]. O efeito expansivo, como se pode observar é exceção, uma vez que a regra é de que a interposição de um recurso só produz efeitos para o recorrente.

O efeito regressivo guarda pertinência com os recursos que possuem juízo de retratação, isto é, os recursos mistos (a decisão atacada pode ser revista tanto pelo mesmo órgão jurisdicional que a prolatou como por outro de instância mais elevada, como: o agravo de instrumento, o agravo retido, a apelação do artigo 285-A do CPC, a apelação do artigo 296 do CPC e apelação dos procedimentos do ECRIAD, no artigo 198, VII).

O efeito substitutivo é aquele que permite a substituição da decisão pelo acórdão: “o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso” (artigo 512 do CPC). Ensina Flávio Cheim Jorge (2007, p. 67): “esse dispositivo quer dizer que uma vez julgado no mérito o recurso, a decisão proferida pelo Tribunal, seja no sentido da decisão recorrida, seja em sentido contrário, passará a prevalecer sobre a anterior, naquilo em que tiver sido impugnada”.

Há, por fim, o efeito ativo que é próprio ao agravo de instrumento interposto contra decisão interlocutória negativa, de forma a antecipar a tutela recursal.

9. “RECURSO ADESIVO”

Como bem aponta Tassus Dinamarco (2007, p. 195), a doutrina diverge quanto à natureza jurídica desse instituto do Direito processual brasileiro: uns acham que é recurso, outros que é forma de interposição de recurso. Recurso adesivo é uma expressão atécnica criada pelo legislador para se referir a um procedimento recursal. Não é de fato recurso porque o legislador não previu no rol do art. 496 a espécie recurso adesivo. Também não é adesivo, uma vez que a parte não adere ao recurso da parte contrária.

O recurso adesivo não é espécie de recurso e sim forma de interposição de determinados recursos. Escreve Pedro Miranda de Oliveira (2005, p. 616) que “a impugnação adesiva não pode ser considerada uma espécie autônoma de recurso”. Trata-se de forma recursal que adere (como procuraremos sempre ressaltar) à sorte do recurso principal, no que tange ao juízo de admissibilidade deste. Não se trata, pois, de recurso independente.

Flávio Cheim Jorge (2007, p. 287) traz a idéia de que “o recurso adesivo consagra, mais adequadamente, a idéia de um recurso incidente, pois a parte não está aderindo ao recurso da parte contrária, mas sim interpondo outro recurso, subordinado, frente ao recurso de seu adversário”. Assim, pela boa técnica, deveria o legislador optar pela nomenclatura recurso subordinado.

É de grande importância o “recurso adesivo” para o sistema processual brasileiro, uma vez que seu uso tende a diminuir a interposição de recursos. Ensina José Alberto dos Reis (1952, p. 286) que “perante uma sentença em parte favorável ao autor e em parte favorável ao réu, a disposição psicológica, o estado de espírito de qualquer dos litigantes pode apresentar-se nestes termos: 1) Resolução firme e decidida de impugnar a decisão naquilo em que lhe foi desfavorável; 2) Inclinação e tendência para se conformar com a decisão caso a parte contrária não recorra”. Com base nessa lição, podemos inferir que o recurso adesivo serve àquelas situações em que uma vez verificada a sucumbência recíproca: a parte – embora com interesse e legitimidade de recorrer não recorre por acreditar que a outra parte havia se conformado com a decisão proferida – será beneficiada com a possibilidade de interpor recurso na forma adesiva, em razão da interposição de recurso pela parte adversária. Evita-se, assim, que a parte seja “tomada de ‘surpresa’ em virtude da interposição de recurso pela parte contrária” (CARVALHO, 2006, p. 33).

Assim, em resumo, explicam Fredie Didier Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha (2007, p. 82): “recurso adesivo é o recurso contraposto ao da parte adversa, por aquela que se dispunha a não impugnar a decisão, e só veio a impugná-la porque o fizera o outro litigante. Recurso independente é aquele interposto autonomamente por qualquer das partes, sem qualquer relação com o comportamento do adversário”.

Como dito, os recursos adesivos ligam-se umbilicalmente com a hipótese de sucumbência recíproca, e mais, estão subordinados aos recursos principais, em uma relação de acessoriedade, configurando a regra jurídica de que o acessório segue o principal.

A sucumbência recíproca ocorre, por exemplo, quando o demandante pede dano emergente cumulado com dano moral e o demandado impugna todos os pedidos, mas o pronunciamento judicial ocorre no sentido de considerar procedente o pedido de dano emergente e improcedente o pedido de dano moral. Assim, há o que se costumou chamar sucumbência recíproca: tanto o demandante quanto o demandado vencem e saem vencidos.

A questão dos sucumbentes recíprocos cinge-se à legitimidade para recorrer adesivamente. A parte intermediária do caput do artigo 500 (CPC) permite inferir que as partes (autor e réu) são os legitimados para a interposição de recurso na forma adesiva, dentro do grupo dos legitimados podemos colocar o Ministério Público, com a observação de que é mister que ele tenha sido parte da relação processual – caso em que poderá ser sucumbente recíproco.

Estabelece o parágrafo único do artigo 500 (CPC) que “ao recurso adesivo se aplicam as mesmas regras do recurso independente, quanto às condições de admissibilidade, preparo e julgamento no tribunal superior”. Fabiano Carvalho (2006, p. 36) lembra que, além das condições de admissibilidade, “para que o recurso adesivo seja admissível é preciso o preenchimento dos requisitos específicos: sucumbência recíproca e tenha sido interposto recurso principal ou independente”.

De se observar que o recurso adesivo não é admitido em sede de reexame necessário, “pois um dos litigantes não espera o comportamento do outro, na expectativa de inércia, a fim de obter logo o trânsito em julgado. Em razão do reexame necessário, os autos seguirão, forçosamente, para o tribunal, não havendo possibilidade de um imediato trânsito em julgado” (DIDIER JR e CARNEIRO DA CUNHA, 2007, p. 83).

A vinculação entre o recurso adesivo e o principal é tão grande que o juízo de admissibilidade deste influi no juízo de admissibilidade daquele. Ou seja, não é suficiente ter sido interposto o principal, é necessário, também, que o juízo de admissibilidade do recurso principal seja positivo e que o adesivo preencha as condições de admissibilidade que lhe são próprias – conforme o artigo 500, parágrafo único do CPC. Portanto, podemos estabelecer que o recurso adesivo só será reconhecido se presentes todas as seguintes condições: sucumbência recíproca, interposição anterior de recurso principal, juízo positivo de admissibilidade do recurso independente e juízo positivo de admissibilidade do próprio recurso adesivo. Isso porque como observa Flávio Cheim Jorge (2007, p. 290) “o recurso adesivo não serve para socorrer a parte que perdeu o prazo do recurso principal”.

A subordinação entre o recurso adesivo e o principal se refere sobremaneira às condições de admissibilidade, mesmo porque a ratio essendi do recurso por adesão, na lição de José Alberto dos Reis, apresenta-se no restabelecimento do equilíbrio entre os litigantes e na promoção da rápida extinção das demandas. Fora isso, não existe qualquer vinculação entre esta forma de interposição de recurso e as contra-razões do recurso principal. Por isso afirmar-se que tal recurso deve ser “deduzido em peça autônoma, pois ‘não se conhece de recurso adesivo manifestado em contra-razões de apelação’” (ORIONE NETO, 2006, p. 292).

Lembra Alexandre Câmara (2006, p. 85-86) que “o recurso adesivo pode ser interposto no prazo de que a parte dispõe para responder ao recurso principal (ou seja, no prazo para oferecer suas contra-razões). Não se pense, por isso, que o oferecimento de recurso torna indispensável o oferecimento das contra-razões. Cada um destes atos tem finalidade distinta”. Assim, “impende asseverar que o recorrente adesivo deverá manejar o recurso por petição escrita, não sendo admissível introduzi-lo nas contra-razões ao recurso principal, porquanto ao recurso adesivo se aplicam as mesmas regras do recurso independente, quanto às condições de admissibilidade, preparo e julgamento no Tribunal Superior”; e que “não há exigência da simultaneidade para apresentação das contra-razões ao recurso principal e do recurso adesivo. É preciso que os dois atos sejam oferecidos no prazo de 15 dias [...]. Da mesma forma, não é necessário contra-arrazoar para recorrer adesivamente” (CARVALHO, 2006, p. 53).

Afirma Fabiano Carvalho (2006, p. 37) que “o recurso principal e o recurso adesivo são dirigidos contra a mesma decisão, porém, contra capítulos diferentes”. Nesta esteira, repercute o questionamento acerca da matéria do recurso adesivo, ou seja, a matéria nele ventilada está subordinada à do recurso principal?

A resposta é negativa porque o precedente lógico para o juízo de admissibilidade do recurso adesivo é o juízo positivo de admissibilidade no recurso principal, presentes as condições de admissibilidade em ambos, cumpre analisar o mérito de cada um; contudo, o juízo de mérito do principal não vincula o adesivo: pode muito bem o principal ser julgado improcedente e o adesivo procedente.

Outra questão interessante tange o propósito do recurso adesivo: pode a parte recorrer adesivamente quando já tiver interposto recurso independente?

A resposta é negativa, porque há preclusão consumativa, uma vez que uma das partes sucumbentes já exerceu sua faculdade de recorrer e encerrou, por conseguinte, um ônus que possuía. Ora, o recurso adesivo, como dito, não é uma espécie de recurso, e sim uma forma “especial de interpor a apelação, os embargos infringentes, o recurso especial e o recurso extraordinário” (ORIONE NETO, 2006, p. 286). Portanto, interposta apelação em sua forma principal por ambos os sucumbentes recíprocos, não podem eles intentar interpor apelação ou qualquer outro recurso em sua forma adesiva, mesmo porque rege a matéria recursal o princípio da singularidade, salvo nos casos em que a lei permite a interposição de mais de um recurso.

Diferente é a seguinte questão: em caso de desistência do recurso principal interposto pelo autor (artigo 501 do CPC), poderá este, posteriormente, interpor recurso adesivo caso a parte contrária resolva também impugnar, com recurso próprio, a decisão proferida?

Nesse caso a resposta é positiva, porque o chamado “recurso adesivo” é, na verdade, procedimento recursal. Fabiano Carvalho (2006, p. 48), aliás, escreve: “na verdade, o recurso de que se desiste é recurso inexistente, e, portanto, já não pode ser objeto de qualquer juízo. Assim, o recorrente principal, ao desistir do recurso, não está obstado de interpor o recurso adesivo, pois o ato de desistência tem seus contornos determinados para o recurso principal, não produzindo efeitos à impugnação adesiva, que é, para esse fim, absolutamente independente, salvo, é claro, se o ato do recorrente abrangeu o recurso adesivo”.

Há duas regras importantes para se entender o instituto do recurso adesivo. A primeira é de que apenas se pode aderir a recurso que se poderia interpor; a segunda é de que o recurso independente e o recurso adesivo atacam uma mesma decisão, porém capítulos distintos. Com base nessas duas regras fica claro que se A interpõe recurso independente e depois desiste dele, o recurso adesivo de B restará prejudicado; o que não obsta que, vindo B a interpor recurso independente, possa A recorrer adesivamente.

Questiona Fabiano Carvalho (2006, p. 52) se “o recurso adesivo pode ser interposto dentro do prazo do recurso (principal), sem se esperar a interposição do recurso principal”. A resposta é negativa[11], conforme diz o próprio autor (CARVALHO, 2006, p. 40): “se a parte interpôs recurso denominado de adesivo no prazo do recurso principal, compreende-se que o recurso interposto é esse e não aquele”.

O prazo para a interposição de recurso adesivo é, de acordo com o artigo 508, de quinze dias – porque todas as espécies de recursos em que é possível a forma adesiva se encontram previstas neste dispositivo; respeitadas as regras dos artigos 188 e 191 do CPC e do artigo 5º, parágrafo 5º, da Lei 1.060/1950. Assim, se o prazo do recurso principal for dobrado, diante da regra posta pelo artigo 500, parágrafo único, do CPC, de que “ao recurso adesivo se aplicam as mesmas regras do recurso independente”, o privilégio de prazo também será aproveitado para o recurso adesivo, mesmo que o recorrente por adesão não possua tal privilégio. Na mesma esteira, o entendimento quanto ao preparo.

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OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso excepcional adesivo cruzado. In: NERY JUNIOR, Nelson; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa Celina (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, volume 8, p. 609-637.

ORIONE NETO, Luiz. Recursos cíveis. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

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ZENKNER, Marcelo. Aulas de Direito processual civil IV: proferidas de agosto a dezembro de 2006 e de fevereiro a julho de 2007 na Faculdade de Direito de Vitória (FDV).

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NOTAS:

 

[1] Há quem discorde do posicionamento do referido tribunal – é o caso dos professores Nery Junior e Orione Neto –, argumentando que se trata de uma questão da translatividade decorrente do reexame necessário. Argumentam os autores que a vedação da reformatio in peius está adstrita ao âmbito dos recursos.

[2] Art. 81 do CPC: “o Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei, cabendo-lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus que às partes”. Art. 82 do CPC: “compete ao Ministério Público intervir: I – nas causas em que há interesses de incapazes; II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder [rectius: poder familiar], tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade; III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse de terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte”.

[3] Ressalta Zenkner (2006, p. 134) que de acordo com as funções institucionais estabelecidas ao Ministério Público na Constituição Federal (art. 129), pode-se reconhecer-lhe o interesse recursal, “mesmo em desfavor da parte que reclama sua intervenção”.

[4]No caso de apelação, o juiz singular diz “recebo o recurso”; no âmbito do tribunal, para qualquer recurso, utiliza-se a expressão “conheço do recurso”.

[5] Se o órgão incumbido acolher a pretensão utilizar-se-á da expressão “dou provimento ao recurso” ou “dou provimento parcial ao recurso”; se a pretensão não for acolhida, utilizar-se-á da expressão “nego provimento ao recurso”.

[6] Alguns autores defendem que o efeito devolutivo só se verifica quando a matéria é devolvida a outro órgão jurisdicional (isto é, órgão diferente daquele que prolatou a decisão impugnada), de modo que, por essa corrente, os embargos de declaração não teriam efeito devolutivo, não sendo, pois, recurso.

[7] Questões de ordem pública podem ser conhecidas a qualquer momento e grau de jurisdição.

[8] Em regra a apelação tem efeito suspensivo. No caso dos agravos, como em geral não têm efeito suspensivo, é preciso elaborar pedido de efeito suspensivo.

[9] Como no caso de os desembargadores determinarem a produção de prova que não tendo sido realizada em primeiro grau, e que prejudique os atos processuais subseqüentes, mesmo que não se peça no recurso a invalidação da sentença, assim como de todos os outros atos processuais dependentes de tal prova, o tribunal mandará que se invalide a sentença.

[10] Há que se observar o art. 48 do CPC, em que se lê: “salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”; a exceção ocorre, por exemplo, no caso de recurso. Assim, no caso de litisconsórcio unitário, aplica-se a exceção referida.

[11] Em sentido contrário: Ainda que o recorrente adesivo, o haja interposto dentro do prazo do recurso principal, se o denominou de adesivo, como tal será considerado pelo sistema do CPC brasileiro. Isto tem séria implicação prática, porque se o principal não for conhecido, o adesivo estará prejudicado, pois o seu conhecimento e julgamento dependem de haver juízo de admissibilidade positivo relativamente ao recurso principal. Por isso é denominado, também, de “recurso subordinado”, já que o principal é o subordinante (NERY JUNIOR, 2000, p. 51).

 


 

* Bacharelando em Direito pela FDV

Editor da Panóptica – Revista Eletrônica Acadêmica de Direito

http://www.panoptica.org

julio@panoptica.org

 


 

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