Derecho y Cambio Social

 
 

 

ANALISE COMPARATIVA ENTRE O ICMS E O IVA EUROPEU

Maria Dionne de Araújo Felipe*

 


 

 

I – A TRIBUTAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

No Brasil classificam-se os tributos em vinculados e não vinculados. A teoria dos fatos geradores vinculados ou não a uma atividade estatal serve de viga-mestra para a construção do Sistema Tributário Brasileiro.

As normas jurídicas mostram-se hierarquicamente postas no mundo do Direito. Resulta daí que a ordem jurídica é uma construção escalonada assumindo a Constituição o papel mais elevado na representação do Direito Positivo.

As normas constitucionais estão situadas, assim, no ápice do que se convencionou chamar de pirâmide jurídica. Constitui a base das atividades estatais, legitimando toda a legislação infraconstitucional que dela deriva.

A tributação em seu conceito mais moderno apresenta-se como um meio do Estado garantir a manutenção da sua sobrevivência, servindo para fomentar o desenvolvimento econômico e como instrumento de distribuição de riqueza.

Esse conceito moderno se distancia da origem da tributação como manifestação do poder de coerção de um governo ou chefe de agrupamento político, baseada no ius imperii[1].

A Carta Constitucional Brasileira é exaustiva ao demonstrar as áreas dentre as quais os entes políticos podem exercer a tributação. O poder de tributar é outorgado no art. 145[2] da Constituição da Republica que contem a regra nuclear das competências tributárias estabelecendo o espaço em que cada ente político pode tributar.

Sobre o assunto Elizabeth Nazar Carrazza escreveu: “Deve, (o legislador), portanto, verificar, na própria Carta Magna: a) qual o fato ou o conjunto de fatos, sobre os quais pode incidir tributo (balizas do aspecto material); b) até que ponto é livre na escolha do sujeito passivo da exação (contornos do aspecto pessoal); c) qual o âmbito de validade espacial e quais as circunstancias de lugar de ocorrência do fato imponível (limitações ao aspecto espacial); e d) quais os momentos que pode escolher para reputar concretizada a hipótese de incidência do tributo (parâmetros do aspecto temporal) “.[3]  A base de calculo e a alíquota de cada tributo também encontram seus paradigmas na Constituição.

No que se refere aos impostos – tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal especifica relativa ao contribuinte[4] - a Carta Magna traçou a norma padrão de incidência daqueles que podem ser criados, sempre em caráter exclusivo, pela União, pelos Estados, pelo Município e pelo Distrito Federal.

  A Constituição Federal enumera assim os impostos de competência de cada item estatal. Entre os impostos dos Estados encontramos o Imposto sobre operações relativas a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal de comunicações – ICMS.

 

II – O ICMS NA CONSTITUIÇÃO

O ICMS, a partir da Constituição de 1988, incorporou os impostos federais únicos sobre:

a) combustíveis e lubrificantes líquidos e gasosos;

b) energia elétrica; e

c) minerais, do país.

Foi transferida ainda para a competência dos Estados a incidência do ICMS sobre as prestações de serviços de comunicações e transportes interestaduais e intermunicipais.

Na nova concepção conferida pela Constituição Federal o ICMS incorporou dois importantes princípios constitucionais:

1 - principio da não-cumulatividade[5]; e

2 – principio da seletividade[6].

A não cumulatividade significa a compensação do imposto (ICMS) incidente nas vendas de mercadorias ou nos serviços prestados, com o ICMS destacado em notas fiscais relativas às mercadorias para revenda, às matérias-primas, à energia elétrica utilizada no processo industrial e aos serviços tomados nas operações anteriores. Ou seja, a não cumulatividade é a compensação do ICMS apurado pelo contribuinte, em suas vendas e serviços, com o ICMS pago por terceiros, incluído em compras de mercadorias e em serviços recebidos. Também se denomina de garantia constitucional do abatimento.

Ressalte-se que a regra em exame não encerra mera sugestão que o legislador ou a Fazenda Pública poderão seguir ou deixar de seguir. O primado da não cumulatividade aponta uma diretriz imperativa.

Conforme Roque Carrazza[7] “por meio do principio da não-cumulatividade do ICMS o Constituinte beneficiou o contribuinte (de direito) deste tributo e, ao mesmo tempo, o consumidor final (contribuinte de fato), a quem convêm preços mais reduzidos ou menos gravemente onerados pela carga tributaria”.

E prossegue afirmando, “com a não-cumulatividade mereceram tutela constitucional o contribuinte do ICMS particularmente considerado e, de modo mais amplo, o interesse econômico nacional”.

O principio da seletividade significa que de acordo com a essencialidade, um produto poderá ser mais ou menos tributado. Existe uma discussão doutrinária se o legislador ao se deparar com o “poderá” estará diante de uma mera faculdade do legislador ou de uma norma cogente, de caráter obrigatório.

A tendência é se considerar que os bens de primeira necessidade deveriam ser isentos de ICMS, a teor da definição de essencialidade conferida por BALEEIRO[8]: “A palavra (essencialidade) (...) refere-se à adequação do produto à vida do maior número de habitantes do País. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente são os artigos mais raros e, por isso, mais caros. Do ponto de vista econômico, a norma inspira-se na utilidade marginal. Do ponto de vista político, reflete as tendências democráticas e até mesmo socialistas do mundo contemporâneo no qual os paises civilizados seguem orientação idêntica”.

O ICMS é um imposto de competência estadual e distrital, no que se refere a legislar, instituir e cobrar. A sua receita é distribuída em 75% para o Estado, e 25% para os Municípios. Destes 25%, três quartos serão distribuídos na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços realizadas no âmbito de sua área, e, um quarto, de acordo o que dispuser lei estadual. Na hipótese de termos novamente território como unidade federativa, esta disposição será feita por lei federal.

Para os estados mais desenvolvidos, o ICMS representa mais de 90% de sua receita total. Pela sua importância, complexidade e interferência na economia dos Estados é o imposto que mais tributa.

Importante observar que a competência conferida à lei complementar em relação ao ICMS é apenas para operacionalizar o tributo, estabelecendo, conforme SOARES DE MELO[9], “tratamento uniforme para as entidades tributantes (em razão do principio federativo) sem desvirtuar o modelo constitucional”.

E prossegue afirmando: “Assim, as Leis Complementares vigentes (n}os 87, de 13.9.96, 102, de 11.7.2000 e 114. de 16.12.02) só têm juridicidade na medida  em que observem rigorosamente os pressupostos constitucionais do ICMS, sendo desprovidas de eficácia as regras que ampliem o quadro de materialidades e devedores tributários, ou restrinjam o principio da não-cumulatividade.”

 

III – O IVA EUROPEU

A tributação sobre o consumo remonta há 3.300 anos a.C no Egito antigo aonde qualquer mercadoria em trânsito entre o lugar da produção e o consumo estava sujeita a uma imposição fiscal. O Tratado de Roma preconizava, ainda em 1957, no seu art. 99 a harmonização dos impostos indiretos sobre vendas e consumo, bem assim os existentes sobre o movimento dos negócios e sobre consumos específicos. Visava-se a indispensável neutralidade em relação ao comercio internacional, ou seja, que o tributo não afetasse as condições de concorrência do livre mercado comunitário.

A não-cumulatividade dos impostos tem sua origem associada à reforma fiscal efetuada na França em 1954, visando à desoneração do produto pela incidência em cascata do imposto. Então, engendrou-se o Imposto sobre o Valor Agregado, assim dito: “Asi, Lauré em uma serie de artículos y conferencias, y uma Comission para la reforma fiscal presidida por Loriot em 1952, impugnaram el regime vigente e proporciaron su reemplazo por um impuesto al valor agregado.”[10] Foi criada então a Taxe Sur La Valeur Ajountée (TVA) substituindo o imposto sobre a produção.

O processo para se estabelecer um regime definitivo para o IVA remonta de 1960 e iniciou-se com a formação de um Comitê Fiscal e Financeiro, composto por dez fiscais, tendo como Presidente o economista alemão, Fritz Neumark, que após estudos recomendou a adoção do IVA.

Segundo VASCO BRANCO GUIMARÃES[11] “o estudo realizado concluiu que o sistema de tributação adotado pela França, já designado de IVA – Imposto sobre o Valor Agregado ou Imposto sobre Valor Acrescentado, apresentava característica que respondia ao problema: o valor final do produto nunca era agravado pelo imposto, independentemente do numero de transações em sua produção e circulação até o produto final”.

As conclusões do Relatório ficaram conhecidas como Relatório Neumark e foram implementadas oficialmente com a edição da Primeira Diretiva sobre o IVA, de 11 de abril de 1967, numero 71, publicada em 14 de abril de 1967, que limitava-se a impor a obrigatoriedade de adoção do IVA por todos os Estados-membros, estabelecendo os seguintes critérios de harmonização: a) imposto geral sobre consumo de bens e serviços de transações em geral); b) multifásico, incidindo dobre todo o ciclo de produção até a comercialização final; c) não-cumulativo, mediante a substituição tax on tax; d) base de cálculo = preço; e) alíquota proporcional (ao preço); f) prevalência do principio do pais do destino.

Posteriormente foi editada a Segunda Diretiva que determinava a estrutura e as modalidades de aplicação do imposto sobre o valor acrescentado, o contribuinte, o elemento temporal, etc. Foi concedido um prazo para adoção do IVA: até janeiro de 1970, mas houve prorrogação desse prazo até janeiro de 1973, quando o processo finalizou-se com a adoção do IVA pela Itália.  Em síntese, a Segunda Diretiva estabeleceu: a) como fatos geradores a entrega do bem móvel ou imóvel (transferência do poder de dispor), a prestação onerosa de serviço qualquer, a importação de bens e autoconsumo; b) como base de calculo genérica, o valor acrescido calculado “por fora”, por subtração (método tax on tax); c) alíquotas; d) contribuinte: produtor, fabricante, comerciante, prestador de serviço e equiparados; e) deduções; f) destinação de 1% da arrecadação para manutenção e desenvolvimento da Comunidade Econômica  Européia.

A instituição de um Imposto sobre o Valor Agregado no âmbito da União Européia constituiu um avanço no processo de integração econômica, pois possibilitou a formação de um mercado comum envolvendo a livre circulação de bens e serviços, pessoas e capitais. Nesse aspecto é de se ressaltar que a falta de harmonização tributária pode limitar o processo de integração econômica. Segundo Hugo González Cano[12] “os processo de integração econômica requerem certo grau de harmonização tributária, cuja intensidade se vincula com o tipo de integração e a etapa do processo vigente em cada caso”.

Somando a esse entendimento HELENO TÔRRES[13] ensina que “o objeto da harmonização tributária é formado pelo somatório dos sistemas tributários de cada um dos Estados-membros, naquilo que tenham de tratamento em comum, com certo equilíbrio entre eles, principalmente no que se refere a tipologia dos impostos, à base de calculo e às alíquotas. A harmonização tributária, assim, constitui um instrumento para a racionalização e a gestão do Mercado Único, sem que isso implique em um fim institucional em si mesmo. A harmonização, portanto, é uma calibração dos regimes jurídicos que deve ser capaz de proporcionar uma redução de contrastes que existam com estabilização congruente de expectativas, tanto dos Estados participes como dos operadores econômicos.”

A adoção da Sexta Diretiva do IVA, de 17 de maio de 1977 (77/388/CEE), consagrou o sistema comum do IVA e a base imponível uniforme sem ingressar a fixação dos tipos de gravame. Segundo MÁRIO ALBERTO ALEXANDRE[14] “a importância da Sexta Diretiva decorre do fato de se assumir como um autêntico “Código Comunitário do Imposto sobre o valor agregado”, uma vez que tem como objetivo fundamental a harmonização das disposições legislativas em matéria de IVA em todos os Estados membros da União Européia, através do estabelecimento de uma base tributável uniforme”.

A Sexta Diretiva, além de permitir uniformizar a incidência do IVA criou uma fonte de recursos orçamentários da CE, constituído dos Direitos aduaneiros das mercadorias e dos produtos agrícolas de terceiros paises a 1% decorrente do IVA intramercado.

Um conjunto de propostas da CEE aprovado em 1985 instituiu o denominado Livro Branco definindo programa de ação que visava consolidar definitivamente o mercado único europeu até 1992, tendo como principais instrumentos a eliminação das fronteiras fiscais, físicas e técnicas. Para o IVA, indicou o Livro Branco passagem gradativa para a técnica da imposição na origem, tributando-se as mercadorias e os serviços no pais de procedência e não mais no destino, como até então, conjugando-se o sistema com um mecanismo comunitário de compensação financeira de que redundasse o reembolso, ao estado-membro importador – e em que era deduzido o montante – do IVA recolhido no Estado-membro exportador. Queria-se, dessa forma, preservar o principio de atribuição do IVA ao pais de consumo.

O Ato Único Europeu foi acordado pelo Conselho Europeu de Luxemburgo em 2 e 3 de dezembro de 1985 entrou em vigência em 1 de janeiro de 1987. Segundo ADDY MAZZ[15] “A partir de 01.01.1993, el Mercado Único suponía la supresión de lãs fronteiras fiscales entre los Estados miembros, lo que significaba la adopción del principio de tributación em origen y la deducción em destino, que requeria, además, la armonización de los tipos.”

Finalmente, foi estabelecido um regime transitório através da Diretiva 91/680/CEE, de 16 de dezembro de 1991.

Novamente, nos valemos de MÁRIO ALBERTO ALEXANDRE que esclarece “a Diretiva que instituiu o “Regime Transitório do IVA nas Transações Intracomunitárias de Bens” removeu os obstáculos fiscais ao desenvolvimento do comercio intracomuniário e permitiu a concretização do objetivo de abolição das fronteiras fiscais entre os Estados membros a partir de 1 de Janeiro de 1993, o que, pode afirmar-se, constitui uma das etapas mais relevantes no sentido de criação de um “mercado interno comunitário”.”

Embora tal regime tenha sido concebido como transitório com duração prevista de quatro anos, continua vigorando e não há previsão para a sua substituição, permanecendo o regime de tributação baseado no chamado “principio do destino”.

Atualmente, a preocupação mais consistente está na criação de mecanismos de controle eficazes que garantam que as mercadorias que se beneficiam da isenção do IVA na transmissão de um Estado membro para outro (transmissão intracomunitária) são efetivamente transportadas para outro Estado membro, e que estas mesmas mercadorias são tributadas no Estado membro de destino. Assim, através do Regulamento (CEE) nº 218/92, foi criado um sistema comum de troca de informações sobre as transações intracomunitárias, denominado de sistema VIES que consiste na junção da primeira letra de cada uma das palavras inglesas que identificam o sistema (VAT Information Exchange System).

Tratando de alíquotas a Diretiva 92/77, de 1992, adotou como alíquota normal mínima a de 15% (quinze por cento), ao lado de duas alíquotas reduzidas, menores ou iguais a 5% (cinco por cento), e da alíquota zero para casos especiais.

 

IV – O ICMS e o IVA – UMA ANALISE COMPARATIVA

Reunidos em 21 e 22 de fevereiro para discutir a reforma tributária brasileira, os governadores e o Presidente e Vice da República publicaram a “Carta de Brasília”:

“A reforma deverá ser neutra para os entes da federação, objetivando, sem a elevação da carga tributária, a ampliação da base e a maior eficácia na arrecadação, permitindo criar condições para a redução da carga individual e dos setores mais frágeis da economia” (...) “A Constituição definirá o novo ICMS (IVA) como um imposto estadual unificado em todo o país, com legislação e normatização uniformes, reduzindo o número de alíquotas e eliminando as 27 legislações diferentes que hoje existem. As normas e as regras de transição para o novo imposto serão definidas por lei complementar.”

O momento é oportuno para que possamos fazer uma analise comparativa entre o IVA europeu e o ICMS.  Muitos juristas brasileiros entendem que um dos grandes erros conceituais da implantação do ICMS foi conceder a sua titularidade aos Estados, pois gerou como conseqüência um federalismo competitivo, guerra fiscal interna, problemas de origem e destino, falta de harmonização na política tributária nacional e legislação complexa.

O ICMS é um imposto tipo-IVA, isto é, um imposto com a técnica do valor adicionado. Antes do Brasil, apenas a França já havia adotado um IVA como forma de tributação de consumo o que torna o Brasil um dos paises pioneiros na implantação de impostos com esta característica.

A diferença básica do ICMS com o IVA vigente na Europa e na América Latina é que nem todos os serviços estão incluídos em sua base. Apenas comunicações e transportes são tributados pelo ICMS enquanto os demais serviços são alcançados pelo ISS.

Com as alterações introduzidas no regime do ICMS pela LC 87/96, a chamada “Lei Kandir”, procurou-se eliminar as diferenças estruturais existentes em relação ao IVA com a adoção parcial do crédito financeiro em lugar do conceito de credito físico eliminando o ônus sobre bens de capital tentando tornar o ICMS mais próximo ao padrão internacional de um IVA tipo-consumo, mas a realidade mostrou que se está longe de adotar o credito financeiro nos mesmos moldes do IVA pois a LC 87/96 adotou o credito financeiro de forma limitada, não sendo um regime paralelo ao credito físico, mas, sim, um regime secundário ao mesmo. O que se extrai de tal constatação é que para que possamos adotar este regime nos moldes do IVA, devemos adequar a nossa legislação à idéias comunitárias vigentes na Europa. É incompatível a importação acrítica do instituto do credito financeiro vigente no IVA ao sistema do ICMS, sem se fazer as devidas correções estruturais, pois os impostos diferem-se tanto na abrangência do fato gerador quanto na extensão do direito ao credito.

Diferentemente do IVA europeu possuímos não apenas um, mas dois impostos do tipo-IVA: o ICMS, incidindo sobre a transferência de bens e alguns serviços e cobrado pelos Estados e o IPI que incide sobre o produto industrializado e é de competência da União.

Outro fato importante é que o IVA europeu foi criado para uma Europa unificada com uma estrutura de política única. No Brasil, há conflito entre os Estados consumidores, dificultando as políticas de compensação. Não existe preocupação em relação à integração como meio de promover a paz entre os homens. A influencia da política nas relações comerciais nos reporta à já denominada teoria realista das relações internacionais, concebida inicialmente por Maquiavel, e resumidos por ARNALDO CORTINA[16] nestes termos:

“O primeiro conselho dado por Maquiavel é que o príncipe deve deixar de ser bom quando a ocasião o exigir. Na verdade, o que ele está propondo é uma divisão da moral: por um lado, a moral dos homens; por outro a moral do Estado. Esta deve se sobrepor àquela sempre que estiver em jogo a posse e a utilidade do principiado.

O segundo é que o príncipe não se deixe dominar pelo comportamento liberal porque isso pode torná-lo pobre e necessitado, o que o levará a ser repace e, consequentemente, odiado pelo povo. A liberalidade, portanto, é maléfica, porque torna o príncipe necessitado e odioso, essas são duas qualidades extremamente ruins para a manutenção do poder: “Assim, pois, é mais prudente ter fama de miserável o que acarreta a má fama sem ódio, do que, para conseguir a fama de liberal, ser obrigado a incorrer também na de rapace, o que constitui uma infâmia odiosa” (1987, p.6).

Um príncipe não deve se preocupar com o fato de ser considerado cruel, e esse é o terceiro conselho, pois é muito mais respeitado e governa com mais estabilidade o príncipe que é temido do que aquele que é amado. Em verdade, segundo o autor, o príncipe temido costuma ser muito mais piedoso do que aquele que, para cultivar sua bondade, permite uma série de desordens, “das quais podem nascer assassinos e rapinagem”.

O quarto conselho de Maquiavel dá aquele que pretende ser um verdadeiro príncipe é que, para combater seus inimigos, faça uso da lei, característica humana, e da força, característica animal. Para saber fazer uso correto da força, o príncipe deve ser astuto como a raposa, que desfaz as armadilhas, e feroz como o leão que aterroriza os lobos. Nesse sentido, o príncipe não pode se preocupar com o fato de estar sendo bom ou mau; deve, antes, procurar vencer e conservar o Estado.

Se um príncipe não é odiado nem desprezado, quando se mostra volúvel, leviano, irresoluto, terá condições de manter seu domínio sem grandes problemas. Duas devem ser as razões de receio para um príncipe, e esse é o ultimo conselho de Maquiavel: fatos de ordem interna ou de ordem externa a seu principiado; os primeiros consistem em o povo se rebelar ou alguns poderosos conspirarem contra o poder do príncipe; os segundos referem-se a ameaças que partem de poderosos de outros principiados.”

Outra distinção que se evidencia é que a cobrança do IVA pode se dar no ciclo de produção apenas, no de produção e no atacado, ou estender-se aos ciclos de produção, atacado e varejo, isto no plano vertical, ou pode ser global, abrangendo todos os bens e serviços, ou parcial, isto vista no plano horizontal. O ICMS incide em todas as fases do ciclo econômico, mas não sobre todos os bens, serviços e transações, alguns dos quais encontram-se sujeitos a outros impostos, como o ISS e o IOF.

No ICMS o cálculo é feito “por dentro” (em que a alíquota real do tributo é sensivelmente superior à alíquota nominal), na contramão do IVA em que o calculo é feito “por fora”, isto é, pela alíquota verdadeira. Exemplificando: alíquota nominal de 17% se transforma em 20,48%, real, pelo calculo por dentro. 18% passam a ser 21,95% e 25%, 33,33%.

O IVA moderno, conforme ensina VASCO BRANCO GUIMARÃES[17] “abarca todo o processo econômico, i.e., desde a origem – da produção e importação – até o consumo; cobre todos os produtos e serviços, e apresenta base tributária harmonizada e global”.

Enquanto no IVA europeu prevalece o principio do destino, no ICMS utiliza-se um credito hibrido (misto de destino e origem) nas operações interestaduais, com alíquotas diferenciadas visando distribuir a receita entre Estados exportadores e importadores, e distinguir as vendas a intermediário e a consumidor final (neste ultimo caso a incidência se dá pelo principio de origem).

Enfim, o IVA é um imposto de consumo, bastante diferente do ICMS que é um imposto sobre o produto.

Finalizando, importante mencionar a conclusão a que chegou ROQUE CARRAZZA[18], no sentido de que o ICMS não é um imposto sobre o valor agregado, afirmando que “vai daí que, juridicamente, o ICMS não é um imposto sobre o valor agregado. Só para registro, o imposto sobre o valor agregado caracteriza-se, nos patamares do Direito, por incidir sobre a parcela acrescida, ou seja, sobre a diferença positiva de valor que se verifica entre duas operações em seqüência, alcançando o novo contribuinte na justa proporção do que ele adicionou ao bem, Não é o caso do ICMS, que grava o valor total da operação”. E conclui: “Fosse o ICMS um tributo sobre o valor acrescido, havendo operação “abaixo do custo”, o contribuinte não poderia debitar-se sobre o valor da saída, já que não estaria presente, no caso, o elemento quantificador do fato imponível, ou seja, a agregação de valor.

 

V – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTRODUÇÃO DO IVA NO BRASIL

Existe previsão para introdução do IVA brasileiro a partir de janeiro de 2007. Não há uma definição ainda sobre como se fará a partilha da receita entre os entes federados, mas de longe já se enxerga os benefícios causados pela introdução de um IVA nacional que de inicio com a unificação das alíquotas já acabará com a guerra fiscal entre os Estados. No momento observa-se que a preocupação estatal é alimentar a máquina arrecadadora e não beneficiar a sociedade.

Não se trata apenas da conclusão simplista no sentido de que se é bom para a Europa é bom para o Brasil.  Pelo contrario, é a constatação decorrente dos exemplos que se apresentam a partir da analise da experiência européia.

O objetivo do sistema tributário é promover a justiça fiscal elevando a eficiência e a competitividade econômica. Um imposto que desonere a exportação provoca estimulo à produção e ao investimento produtivo. Outrossim, qualquer alteração do sistema tributária passa por um ajuste fiscal no setor público. Sem o necessário ajuste nenhuma reforma é factível.

A harmonização fiscal trazida pelo IVA também trará ganhos no combate à sonegação, pois com a implantação do principio do destino um procedimento inédito operando por meio de lançamentos contábeis protege a arrecadação contra uma importante forma de sonegação atualmente utilizada, o chamado “passeio da nota fiscal”. O controle assim passa a ser feito não por fronteira física, mas pelas relações entre as autoridades entre si e entre as autoridades e os agentes econômicos.

Uma reflexão urgente sobre a experiência da comunidade européia com o IVA aplicado simultaneamente em 15 paises, com regras claras e precisas naquilo que é essencial para o seu funcionamento só trará ganhos para a sociedade brasileira e para o país.

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, Mário Alberto. O Controlo do IVA nas transações intracomunitárias de bens na União Européia. Palestra proferida no Seminário sobre o IVA, em 15 de junho de 2005, em Brasília-DF.

BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças, 15ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 273.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 7ª. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 188.

CARRAZZA, Roque Antonio Carrazza. ICMS, 11ª. Edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 33.      

CARRAZZA, Roque Antonio. Op. Cit., p.304.

CARRAZZA, Roque Antonio. Op. Cit., p.310.

CESARE COSCIANI, El Impuesto Al Valor Agregado, trad. De Giuliani Fonrouge, Buenos Aires, De Palma, 1969, p. 56, apud, MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos Fundamentais do ICMS, São Paulo, Dialética, 1999, p. 136.

CORTINA, Arnaldo. “O Príncipe” de Maquiavel e seus leitores: uma investigação sobre o processo de leitura. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 136-7.

GONZÁLEZ CANO, Hugo. La armonización tributaria em procesos de integracion econômica. Impuestos. Buenos Aires, may, 1991, p. 885, apud, RIBEIRO, Maria de Fátima e NAKAYAMA, Juliana Kiyosen. Tributação do consumo e harmonização da legislação no âmbito do Mercosul: considerações sobre a reforma tributária brasileira. Acesso em 25/07/06. Disponível em http//www.jus2.uol.com.br.

GUIMARÃES, VASCO BRANCO. O sistema tributário como fator de integração econômica, R. Forum de Direito Tributário, Belo Horizonte: Ano 4, n. 19, p. 55, jan-fev-2006.

MAZZ, ADDY. EL IMPUESTO AL VALOR AGREGADO, publicado na Revista dos Tribunais, São Paulo: Ano 7, n. 29 – outubro-dezembro-1999, ed. RT, 1999, p. 20.

SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de Direito Tributário, 4ª. Edição, São Paulo: Dialética, 2003, p. 328.

TÔRRES, HELENO TAVEIRA. Pluritributação internacional sobre rendas de empresas. 2ª. Ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001.

 

 


 

NOTAS:

[1]Era natural, pois, que a tributação, como fato político, estivesse visceralmente ligada à luta de classes por ser esta elemento subjacente do fenômeno da conquista e manutenção do poder. Ontologicamente considerada, a Política tem por objeto o estudo do poder como fenômeno social. Tributar – exigir dinheiro sob coação – é uma das manifestações de exercício do poder. A classe dirigente, em princípio, atira o sacrifício às classes subjugadas e procura obter o máximo de satisfação de suas conveniências com o produto das receitas." BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças, 15ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 273.

[2] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – impostos;

II – taxas, em razão do exercício do poder de policia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição;

III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

[3]O Imposto sobre serviços na Constituição, dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pós-graduação em Direito da PUC/SP, inédita, 1976, p.56, citada por CARRAZZA, Roque Antonio Carrazza. ICMS, 11ª. Edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 33.

[4] Art. 16 do Código Tributário Nacional.

[5] Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – (...)

II – operações relativas à circulação de mercadoria e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

§2 O imposto previsto no inciso II atenderá o seguinte:

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

[6] III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;

[7] CARRAZZA, Roque Antonio. Op. Cit., p.304.

[8] BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, 7ª. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 188.

[9] SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de Direito Tributário, 4ª. Edição, São Paulo: Dialética, 2003, p. 328.

[10] CESARE COSCIANI, El Impuesto Al Valor Agregado, trad. De Giuliani Fonrouge, Buenos Aires, De Palma, 1969, p. 56, apud, MACHADO, Hugo de Brito. Aspectos Fundamentais do ICMS, São Paulo, Dialética, 1999, p. 136.

[11] GUIMARÃES, VASCO BRANCO. O sistema tributário como fator de integração econômica, R. Forum de Direito Tributário, Belo Horizonte: Ano 4, n. 19, p. 55, jan-fev-2006.

[12] GONZÁLEZ CANO, Hugo. La armonización tributaria em procesos de integracion econômica. Impuestos. Buenos Aires, may, 1991, p. 885, apud, RIBEIRO, Maria de Fátima e NAKAYAMA, Juliana Kiyosen. Tributação do consumo e harmonização da legislação no âmbito do Mercosul: considerações sobre a reforma tributária brasileira. Acesso em 25/07/06. Disponível em http//www.jus2.uol.com.br.

[13] TÔRRES, HELENO TAVEIRA. Pluritributação internacional sobre rendas de empresas. 2ª. Ed., São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001.

[14] ALEXANDRE, Mário Alberto. O Controlo do IVA nas transações intracomunitárias de bens na União Européia. Palestra proferida no Seminário sobre o IVA, em 15 de junho de 2005, em Brasília-DF.

[15] MAZZ, ADDY. EL IMPUESTO AL VALOR AGREGADO, publicado na Revista dos Tribunais, São Paulo: Ano 7, n. 29 – outubro-dezembro-1999, ed. RT, 1999, p. 20.

[16] CORTINA, Arnaldo. “O Príncipe” de Maquiavel e seus leitores: uma investigação sobre o processo de leitura. São Paulo: Editora Unesp, 2000, p. 136-7.

[17] GUIMARÃES, VASCO BRANCO. Op. Cit.

[18] CARRAZZA, Roque Antonio. Op. Cit., p.310.

 

 


 

* - Trabalho apresentado na ESAF- ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO FAZENDÁRIA III CURSO DE INTEGRAÇÃO ECONOMICA E DIREITO INTERNACIONAL FISCAL. Brasília - 2006.

Correo electrónico: mfat@sercomtel.com.br

 


 

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