Revista Jurídica Cajamarca | |||
A tributação e os direitos humanos fundamentaisJuliana Kiyosen Nakayama (*)Maria de Fátima Ribeiro (**)
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1. INTRODUÇÃO
A
Organização dos Estados Americanos (OEA) é baseada na solidariedade
resultante de seus vizinhos geográficos e tem como um dos objetivos
promover o desenvolvimentos econômico, social e cultural dos países
membros através de uma cooperação ativa[1]. A intenção deste ensaio é introduzir o tema tributação e os direitos fundamentais nas Constituições dos Estados-partes do Mercosul. Deve-se lembrar que na Convenção Americana sobre direitos humanos, em seu preâmbulo há reiteração quanto ao ser humano livre, onde a cada pessoa deve ser permitido o gozo de seus direitos econômicos, sociais e culturais, nesse contexto, abordar-se-á sobre os direitos fundamentais e a tributação. Inicialmente, far-se-á uma abordagem geral sobre o bloco econômico MERCOSUL e depois análise dos dispositivos constitucionais sobre os princípios tributários relacionados aos direitos fundamentais de cada Estado-parte do MERCOSUL. Finaliza-se o estudo com a coordenação das políticas econômicas e futura harmonização tributária no MERCOSUL, de acordo com análise da legislação dos Estados-partes. CONSIDERAÇÕES
SOBRE O BLOCO ECONÔMICO MERCOSUL Em 26 de março de 1991, originou-se o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), através do Tratado de Assunção[2], tendo como membros, Argentina, Brasil, Paraguai e o Uruguai. O Tratado de Assunção declara a intenção de constituir um mercado comum. Seja como for, de acordo com o Tratado de Assunção, o MERCOSUL fica aberto para adesões, mediante negociações com países membros da Associação Latino Americana de Integração[3]. Assim, desde agosto de 1995, a Bolívia e o Chile assumiram um compromisso no Tratado de Assunção, tornando-se, assim, Estados-associados ao MERCOSUL. Por isso, não é demais enfatizar, nesta futura etapa do mercado comum, considerado um estágio mais aprofundado que compreende a livre circulação de todos os fatores de produção com a eliminação de barreiras e o estabelecimento de uma tarifa externa comum para países signatários do Tratado de Assunção, implica na aplicação das cinco liberdades que são a livre circulação de mercadorias, a liberdade de estabelecimento, a livre circulação de trabalhadores, a livre circulação de capitais e a liberdade de concorrência. Ponderações desse jaez permitem compreender que o Tratado de Assunção têm com princípios orientadores, para o alcance de seus objetivos, a flexibilidade, a gradualidade, o equilíbrio e a reciprocidade. Esses objetivos foram explicados no capítulo sobre o processo de integração. A personalidade jurídica internacional do MERCOSUL foi consolidada com o Protocolo de Ouro Preto, havendo, assim, critérios de base para negociação de acordos e um reforço considerável no poder de barganha dos quatro países em escala mundial.[4] Dessa forma, ao bloco é atribuída a competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países, grupo de países e organismos internacionais. De qualquer modo, o Tratado de Assunção tem o objetivo, dentre outros, de harmonização tributária. Dessa forma, tem por objeto a integração das economias, com sistemas tributários integrados com o fim da circulação econômica, com tributos sobre o valor agregado compatíveis. Com a instituição do MERCOSUL, houve imposição da TEC que passa por processo de convergência. Por outro giro, com a evolução das zonas de livre comércio, surgiu a união aduaneira que não tem barreiras alfandegárias entre os países integrantes do bloco e pratica uma tributação igual em relação à importação e a exportação de mercadorias, de produtos e de serviços com destino a Estados que não façam parte da união aduaneira, com a adoção da TEC[5]. A próxima etapa é o mercado comum, a fase que é o objetivo do MERCOSUL. Adverte-se, que o art. 1o. do Tratado de Assunção estabelece que a constituição do MERCOSUL implica em livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os Estados-partes com eliminação de Direitos aduaneiros e restrições não aduaneiras à circulação de mercadorias e de qualquer medida equivalente. Um dos aspectos mais relevantes do processo de integração entre os países do MERCOSUL. Diz respeito à eliminação de diferenças legislativas que possam dificultar ou obstaculizar o seu desenvolvimento. Com efeito, o art.7o. desse tratado aborda especificamente a questão tributária com previsão de impostos, taxas e outros gravames internos para os produtos originários do territórios de um Estado-parte, para dar tratamento idêntico ao fornecido para o produto nacional. Assim, o Tratado de Assunção estabelece como critério da tributação, por parte dos impostos internos, o princípio da não discriminação[6]. No âmbito da OEA, há a obrigação de não discriminação, sendo que os Estados-partes comprometem-se a garantir o exercício dos direitos nele enunciados, sem discriminação alguma[7]. Em outras palavras, o princípio da não-discriminação é uma cláusula para uma maior liberação do comércio mundial, através de concessão de base estável para o comércio mundial, eliminação de restrições tarifárias e não-tarifárias ao comércio, concorrência leal e tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento. Enfim, no MERCOSUL não se permite melhor tratamento ao produto importado que ao nacional, só poderá dar o mesmo tratamento, mas não o melhor, que ao produto nacional[8]. Portanto, o art. 7o. do Tratado de Assunção garante a livre concorrência entre os mercados que estão integrando como finalidade precípua e também, o tratamento isonômico dos Estados-partes em relação aos impostos, às taxas e a outros tributos[9]. TRIBUTAÇÃO
E DIREITOS FUNDAMENTAIS Na
Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de San Jose da Costa Rica) tratam sobre os direitos essenciais da
pessoa humana, pelo direito à vida, à integridade pessoal, proibição
da escravidão, à liberdade pessoal, à legalidade e da irretroatividade,
à indenização, à liberdade de pensamento, de expressão de consciência
e de religião, proteção da honra e da dignidade, à resposta, de reunião,
de associação, igualdade perante a lei, elencados nos artigos 1º a 26. As
Constituições dos países do Mercosul tratam sobre a proteção dos
direitos humanos, sendo que a maioria, opta por aprovar a recepção de
tratados internacionais, desde que sejam firmados em condições recíprocas
o igualitárias, respeitando a democracia e os direitos humanos, como pode
ser observado na Constituição Argentina[10]
(artigo 75 – 24).[11] A
Carta Política do Uruguai[12]
dispõe sobre os direitos fundamentais no art. 7º, que são os direitos
de primeira geração. O artigo 72 dispõe sobre os direitos sociais. Busca,
entre outras disposições, a integração sócio-econômica entre as nações
latino-americanas, assegurando a todos os indivíduos o princípio de
igualdade e garante que todos os habitantes do Uruguai os direitos à
vida, à honra, à liberdade, à segurança, ao trabalho e à propriedade
protegidos. (Art. 6º e 7º) O
preâmbulo da Constituição do Paraguai[13]
esboça sobre a soberania nacional e a independência. Dispõe sobre a
garantia pelo respeito aos direitos humanos, a paz, a justiça, a cooperação
e o desenvolvimento político, econômico, social e cultural. (art. 145)[14]. O
Paraguai trata dos direitos fundamentais no capítulo V da Constituição,
dispondo sobre os direitos, as garantias e as obrigações. A Constituição
também fixa deveres que devem ser cumpridos por todos da sociedade, o que
seria verdadeira espécie de dever de solidariedade. Enuncia a liberdade
individual, reconhece o direito de asilo, a igualdade de todos os
habitantes do Paraguai, tanto em termos de dignidade como de direitos.
Demonstra que os direitos e garantias não são exaustivos. (arts. 12, 43
e 45) A
Constituição brasileira dispõe sobre os direitos e garantias
individuais no artigo 5º, demonstrando que são direitos auto-aplicáveis,
constituindo-se em cláusulas pétreas[15].
A Carta Política brasileira está baseada na soberania, na dignidade da
pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, na livre iniciativa
e no pluralismo político, sob um Estado Democrático de Direito. (art. 1º -
I a V) Preceitua
também, no que se refere às relações internacionais, ao princípio da
integração econômica, política, social e cultural entre os povos da América
Latina (Art. 4º - Parágrafo Único). Adota ainda os princípios da
independência nacional, a prevalência dos direitos humanos, a
autodeterminação dos povos, a não-intervenção, a igualdade entre os
Estados, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, o repúdio
ao terrorismo e ao racismo, a cooperação entre os povos para o progresso
da humanidade e acessão de asilo político. Garante também o direito à
vida, à igualdade, à segurança e à propriedade a todos os brasileiros
e estrangeiros residentes no país. A
Constituição brasileira enuncia que os direitos e garantias, por ela
protegidos, não excluem outros provenientes de tratados internacionais de
que o Brasil seja parte, e que as normas definidoras desses direitos e
garantias fundamentais têm efeito direto. (art. 5º - Parágrafo 1º) Assim,
as respectivas declarações de direitos humanos nas Constituições da
Argentina e Brasil, não constituem numerus
clausus, abrindo-se a ulteriores complementações[16]. Os
textos constitucionais dos países do Mercosul estão pautados na
dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da defesa dos
direitos fundamentais. Uma das preocupações se volta para a efetividade
destas previsões constitucionais. Portanto,
pode-se observar que a dimensão internacional dos direitos humanos não
se permite que um bloco econômico que busca a formação de um mercado
comum, deixe de lado uma real preocupação com a proteção dos direitos
humanos. Ao
consagrar o primado do respeito aos direitos humanos, como paradigma
propugnado para a ordem internacional, abre a ordem jurídica interna ao
sistema internacional de proteção dos direitos humanos. Vê-se,
dessa forma que as Constituições do Mercosul trazem princípios sobre
direitos humanos que estão em consonância com a Convenção Americana de
direitos humanos. Flávia
Piovesan[17]
destaca que a partir do momento em
que o Brasil se propõe a fundamentar suas relações internacionais com
base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo
reconhecendo a existência de limites e condicionamentos à noção de
soberania estatal, ao modo pelo qual tem sido tradicionalmente concebida. Essa
assertiva vem demonstrar que decorre do processo de globalização a
prevalência dos direitos humanos, que com isso vem destacar a abertura da
Constituição brasileira à normas internacional, abertura que constitui
um traço marcante da ordem constitucional contemporânea.[18] Em
1991, quando foi assinado o Tratado de Assunção ficou demonstrando em
seu preâmbulo, a necessidade de se atingir o desenvolvimento econômico
com justiça social e preservação do meio ambiente, além de melhorar as
condições de vida de seus habitantes. Logo
mais, em agosto de 1995, foi elaborado o Regulamento da Comissão
Parlamentar Conjunta do Mercosul, enaltecendo que os propósitos do
Regulamento são entre outros o de proteger a paz, a liberdade, a
democracia e a vigência dos direitos humanos. Atualmente
não se pode negar que o respeito e a promoção dos direitos humanos é
um padrão de conduta de natureza obrigatória. Dificilmente
pode ser encontrado um sistema tributário que seja estatuído, levando em
consideração plenamente os direitos humanos. Merece
destaque a posição de Mário Paiva[19]
que escreve: Na medida em que a dinâmica
da acumulação privada e a mobilidade dos capitais já não são
controladas pelo Estado através tributação, os direitos humanos, numa
visão jurídico-positiva, encontram-se sobrevivendo, em termos formais,
aos processos de tributação. Mas não tem mais condições de ser
efetivamente implementados no plano real (se é que o foram,
integralmente, um dia). E
quando isso efetivamente ocorre, sua aplicação tende a ser seletiva. Ricardo
Torres[20]
escreve que qualquer discriminação injustificável que implique excluir
alguém da regra tributária geral ou de um privilégio não odioso,
constituirá ofensa aos direitos humanos, posto que desrespeitará a
igualdade assegurada no artigo 5º da Constituição brasileira. Da
mesma forma, a proibição da utilização do tributo com efeito de
confisco, a teor do inciso IV
do art. 150 da Carta Política brasileira é considerado uma limitação
constitucional ao poder de tributar.[21] A
razoabilidade da imposição se deve estabelecer em cada caso concreto,
segundo as exigências de tempo e lugar os fins econômicos e sociais de
cada imposto. Com
isso, verifica-se que há confisco sempre que houver afronta aos princípios
da liberdade de iniciativa, ou de trabalho ou profissão, quando ocorrer
absorção pelo Estado, de valor equivalente ao da propriedade imóvel ou
quando o tributo acarretar a impossibilidade de exploração de atividades
econômicas.[22] Outro
ponto que merece relevo é o atendimento ao princípio da capacidade
contributiva disposta no §1º do art. 145, da Constituição brasileira,
exige que o imposto seja graduado segundo a capacidade econômica do
contribuinte.[23] Deve
ser observado que o legislador deve graduar
a exigência do imposto segundo a capacidade contributiva do
contribuinte. Esta norma está dirigida ao legislador, confirmando tal
posicionamento, quando destaca que a graduação deverá ser feita com
base na lei. Portanto, somente a lei poderá estabelecer esta graduação
cujo limite legal se encontra na necessidade respeitar os direitos
individuais previstos no artigo 5º da Constituição Federal brasileira
(Direitos e Garantias Individuais). A
capacidade contributiva é a base fundamental de onde partem as garantias
materiais diretas ou indiretas que as Constituições outorgam aos
particulares, tais como a generalidade, a igualdade, a proporcionalidade e
a vedação de confisco. Destacando
o princípio da igualdade como um dos mais importantes princípios
fundamentais, como característica do primado dessa igualdade, com
referência à posição
dos legisladores tem-se que: Os
poderes que de todos recebe, devem traduzir-se em benefícios e encargos
iguais para todos os cidadãos. De
nada valeria a legalidade, se não fosse marcada pela igualdade.[24]
(grife-se) E
na Convenção Americana de Direitos Humanos, prevê no artigo 24, que todas
as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direitos, sem
discriminação alguma, à igual proteção da lei. Esses dois vetores — os
direitos fundamentais do contribuinte e a busca da justiça fiscal, passam
a vincular o direito hodierno no plano nacional e no internacional. A
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica - 1969), dispõem sobre os direitos básicos dos contribuintes. Em se tratando de
Direitos Fundamentais, é importante trazer à colação alguns destaques
da Exposição de Motivos do projeto do Código
de Defesa do Contribuinte[25]. Com a aprovação
do Projeto o cidadão-contribuinte
passa a ter uma relação de igualdade jurídica com o Fisco para,
mediante co-responsabilidade cívica, tratarem juntos, e com transparência
democrática, da origem e da aplicação da arrecadação pública. Os
deveres e os direitos são mútuos; nada se presume negativamente contra
um ou outro; o quanto se decidir, a favor de um ou outro, será mediante
expressa indicação dos fatos e motivada declinação do direito. É o
que inicialmente propõe o referido Projeto.
Enaltece que há um
fortalecimento dos direitos fundamentais, seja no plano das legislações
internas e dos tratados internacionais, seja no campo da reflexão jurídica
e da busca da sua justificativa ética.
Nessa perspectiva, os
direitos fundamentais do contribuinte passam a ter nova relevância.
A Constituição brasileira de 1988 dedica todo um capítulo (art.
150 a 152) às limitações ao poder
de tributar, que consubstanciam os direitos básicos do cidadão
frente ao poder fiscal do Estado e que se colocam como contraponto tributário
do elenco dos direitos e garantias proclamados e assegurados pelo art. 5º.
As normas
constitucionais, contudo, por sua generalidade e abertura, necessitam de
complementação na via legislativa a fim de harmonizar os direitos
humanos e o ordenamento tributário positivo. Por
outro lado, na Proposta do Projeto do Código de Defesa do Contribuinte,
reafirma-se a preocupação com a justiça fiscal, que, sendo
especial emanação da idéia
de justiça social, necessita de princípios positivados que a
instrumentalizem.[26] Quanto
à segurança jurídica, necessário se faz mencionar o princípio da
legalidade tributária, na Constituição Brasileira disposto no artigo
150-I. O princípio da legalidade destaca-se para garantir os demais princípios
constitucionais. As
pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira arbitrária,
sem obstáculo algum, diante dos contribuintes. Nas relações com eles,
submetem-se a um rígido regime jurídico. Assim, regem
suas condutas de acordo com as regras que veiculam os direitos fundamentais e que colimam, também, limitar o exercício
da competência tributária, subordinando-o à ordem jurídica.[27] (grife-se) Conforme
foi observado, os direitos fundamentais do contribuinte, devem merecer
destaque não só no âmbito constitucional ou da legislação ordinária,
e sim, a administração tributária fazer valer, efetivamente em suas ações
fiscalizadoras e aplicadoras das regras tributárias. Assim,
estará garantindo a segurança e a justiça tributária, e, enaltecendo
os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito. A
HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA Um
dos aspectos mais relevantes do processo de integração entre os países
do Mercosul, diz respeito à eliminação de diferenças legislativas que
possam dificultar ou obstaculizar o seu desenvolvimento. Dentro
da Carta da OEA, no art. 44, enuncia-se que os
Estados membros reconhecem que, para facilitar o processo da integração
regional latino-americana, é necessário harmonizar a legislação (...). No
âmbito tributário significa a busca de coordenação que facilite o
desenvolvimento comercial, excluindo a guerra fiscal, ou benefícios em
favor desta ou daquela empresa. Visa promover a harmonização dos países
do bloco do Mercosul, para que possa ser alcançada a justiça necessária
e a segurança nas relações
comerciais e sociais internacionais. Através
do terceiro parágrafo do Tratado de Assunção, tem-se inicialmente, que
o processo de integração nos países do Mercosul implicará na coordenação
de políticas macroeconômicas, incluindo aí a política fiscal. Essa
coordenação tem por finalidade assegurar o compromisso dos membros e
parceiros do Mercosul em harmonizar as suas legislações, notadamente a
área tributária. A
coordenação é entendida como o estabelecimentos de estratégias comuns
entre os Estados que integram blocos ou mercados. As legislações são
pouco aproximadas, onde os Estados ser propõem a adotar políticas
deliberadas. O
estabelecimento de princípios referentes a um determinado tributo pode
significar o início da harmonização legislativa ele. No entanto, no âmbito
do Mercosul, em matéria tributária, o processo de aproximação
legislativa está direcionado na fase da coordenação de tributos ou
coordenação fiscal, onde deverá se ater aos princípios da ordem democrática
e atender aos ditames dos Direitos Humanos estatuídos. Em derradeira análise, um dos objetivos da integração econômica é elevar o bem-estar da população de todas as regiões. Assim, a redistribuição de rendas contribui para esse fim, sendo que a política fiscal tem função importante. Quanto mais baixo o padrão de vida em algumas regiões a serem integradas, mais importante a harmonização política e fiscal dos países membros nos seus aspectos redistributivos[28]. É necessário a harmonização tributária, e, também, o renascer desta idéia pelos Estados-partes, atendo-se aos princípios e objetivos do Tratado de Assunção. CONCLUSÕES Quando
da harmonização dos ordenamentos vigentes, deverá se preocupar mais com
as vantagens competitivas, considerando os direitos humanos e as garantias
fundamentais de cada país, colocando-os sempre primeiro plano. E
preciso estabelecer políticas públicas no sentido de que a tributação,
leve em consideração a capacidade contributiva dos contribuintes, não
seja confiscatória, por sua vez, considerando a igualdade dos
contribuintes com embasamento no princípio da legalidade. Para
que haja integração efetiva dos países do Mercosul, é necessário que
cada Estado que compõe, reveja suas políticas econômicas e sociais e
seus sistemas financeiro e tributário, regulamentando de forma
uniforme os setores vitais da economia e viabilizando a cidadania plena e
coletiva para os seus diversos segmentos. A
reciprocidade de tratamento e as isonomias e as liberdades são elementos
essenciais do processo de integração. Assim, estará valorizando o
homem, e efetivando as liberdades de circulação de mercadorias, serviços
e capitais, e dessa forma permitindo a verdadeira integração social,
econômica e cultural nos países do Mercosul e da OEA[29].
Pode ser observado, com o presente estudo, que os países, e especialmente
os países do Mercosul, não podem ter
o interesse individualizado, e sim voltados aos interesses do bloco. Daí destacar que o principal objetivo da harmonização é chegar a sistemas nacionais que permitam, ao mesmo tempo, conciliar os objetivos de integração econômica com o respeito às identidades nacionais, e, principalmente aos direitos humanos. Sabe-se que o sistema tributário pode se tornar um fator limitativo à integração econômica. Segundo Hugo González Cano,[30] os processos de integração econômica requerem certo grau de harmonização tributária, cuja intensidade se vincula com o tipo de integração e a etapa do processo vigente em cada caso. Ainda de acordo com este autor, quanto maior o grau de integração econômica pretendido e quanto mais o processo se desenvolve, mais se deve avançar em termos de harmonização tributária.[31] Na União Européia, os esforços no sentido da harmonização tributária após 1985 propiciaram a superação de uma fase de estagnação do processo de integração econômica e o início de uma nova etapa, em que se constituiu em oito anos, o mercado único, sem fronteiras, com circulação livre de bens, serviços e fatores. Isso só foi possível porque os avanços em termos de harmonização dos sistemas tributários, evitaram que surgissem distorções capazes de tornar politicamente insustentável o processo de integração econômica em desenvolvimento. Além das disposições constitucionais propugnadas na Carta Política de 1988, de que a União não poderá conceder isenções de tributos de competência distrital, estadual e municipal (art. 151-III), deve ser considerado que com o Tratado de Assunção, firmado em 1991, o Mercosul é uma realidade da qual, não se pode deixar para segundo plano no tocante ao aspecto da harmonização da legislação tributária. Isto porque, um dos objetivos do referido Tratado, vem destacado (art. 1º) que os Estados membros assumem o compromisso de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. Tal posicionamento vem sacramentado no art. 2º, que ressalta que o Mercosul foi fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados partes. Para tanto, deve o Brasil adequar sua legislação para acompanhar o progresso da harmonização da legislação tributária do Mercosul e da OEA. E, da conjugação dos dispositivos constitucionais já citados tem-se que, respeitada a independência nacional, deverá o Brasil praticar os atos necessários para celebrar tratados e acordos internacionais, atendendo desta forma o que propugna a Constituição Federal - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e integração da América Latina. O que deve permanecer claro é que o art. 7º do Tratado de Assunção, quando determina o tratamento isonômico dos Estados-membros em relação os impostos, taxas e outros tributos, tem a finalidade precípua, não a questão tributária em si, mas garantir a livre concorrência entre os mercados que estão integrando. Ademais, não se pode esquecer que a questão aduaneira passa primeiro pelo estabelecimento de uma política fiscal e, caminhar para um consenso tributário entre países com problemas tão graves e de dimensões tão diversas, é inicialmente um grande desafio. Para tanto, necessário se faz a adequação da política fiscal interna de cada país. Na realidade, o principal é que se estabeleçam instrumentos internos em cada país de apoio à atividade produtiva. A prevalência dos tratados internacionais em relação ao direito interno não quer dizer prevalência total sobre a ordem jurídica brasileira. Pelo contrário, a matéria vedada em tratados internacionais somente afeta o ordenamento pátrio na medida em que o Congresso Nacional aprova o ato do Presidente da República e desde que não seja contrário à Constituição Federal, devendo ser proporcionalmente consideradas as disposições do artigo 98 do CTN. REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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M. A L. Direitos Humanos e Tributação,
disponível em http://www.geocities.com/eureka/4990/direito/trabalhos/trab9.txt
em 09.03.1999. PAIVA,
M. A L. P. Direitos Humanos e
Tributação, disponível em http://www.jus.com.br/doutrina/dirtrib.html,
em 09.03.1999. PARAGUAI. CONSTITUCION DE LA REPUBLICA DE PARAGUAY. Disponível em http://www.georgetown.edu/pdba/Constitutions/Paraguay/para1992.html. Acesso em 13 set. 2001. PIOVESAN, F. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. RIBEIRO, M. F. Considerações sobre a prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação tributária brasileira: o caso do MERCOSUL. In: Scientia Iuris, Revista do curso de mestrado em Direito Negocial da UEL. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 1997. vol.1 SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. TORRES, Ricardo Lobo. Direitos humanos e tributação nos países latinos. In: MELLO, C.D.A & TORRES, R. L. Arquivos de direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. Vol. 3 URUGUAI. CONSTITUCION DE LA REPUBLICA ORIENTAL DEL URUGUAY. Disponível em http://www.parlamento.gub.uy/Constituciones/Const997.htm. Acesso em 13 set. 2001. VILLEGAS, H. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1989. VILHENA, O V (org.) Direitos humanos normativa internacional. São Paulo: Max Limonad, 2001
NOTAS: [1]
SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. Belo Horizonte:
Del Rey, 2002, p.354. [2]
Incorporado no Direito brasileiro através do Decreto n.350, de 21
nov. 1991. Pelo Decreto Legislativo 197/91, publicado no Diário
Oficial da União de 26 set. 1991, p. 20.781. [3]
Capítulo IV - Adesão - Art. 20 do Tratado de Assunção. O
presente Tratado estará aberto à adesão mediante negociação, dos
demais países-membros da Associação Latino-Americana de Integração,
cujas solicitações poderão ser examinadas pelos Estados Partes
depois de cinco anos de vigência deste Tratado. Não obstante, poderão
ser consideradas antes do referido prazo as solicitações
apresentadas por países-membros da Associação Latino-Americana de
Integração que não façam parte de esquemas de integração
subregional ou de uma associação extra-regional. A aprovação das
solicitações será objeto de decisão unânime dos Estados Partes. [4]
ALMEIDA, Paulo Roberto.
MERCOSUL: fundamentos e
perspectivas. São
Paulo: Ltr, 1998, p.52-53 [5]
FERNANDES, Edison Carlos. Sistema tributário do Mercosul.
3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.54-55 [6]
LAGEMANN, Eugenio. Há
necessidade de um imposto único sobre o consumo no âmbito
do MERCOSUL?. Seqüência.
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1995,
vol. 16. p. 54-55. [7]
Art. 3º do Protocolo adicional à Convenção Americana sobre
Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e
culturais (protocolo de San Salvador, de 17/11/1988) [8]
LIPOVETZKY, Jaime Cesar e LIPOVETZKY, Daniel Andrés.
MERCOSUL, estratégia
para integração: mercado comum ou zona de livre comércio?: análise
e perspectivas do tratado de Assunção.
São Paulo: Ltr, 1994, p.137-138. [9]
RIBEIRO, Maria de Fátima. Considerações sobre a prevalência dos tratados internacionais sobre a
legislação tributária brasileira: o caso do MERCOSUL.
In: Scientia Iuris, Revista do curso de mestrado em Direito
negocial da UEL. Londrina:
Universidade Estadual de Londrina, 1997. vol.1, p. 115 [10]
ARGENTINA. CONSTITUCION
DE LA NACION ARGENTINA. Disponível
em http://biblioteca.afip.gov.ar/normas/constitucion_NACIONAL.html.
Acesso em 13 set. 2001. [11]
A Constituição Argentina enaltece que tanto a Constituição como os
tratados internacionais são normas de nível superior naquele País,
conforme a previsão do artigo 75 (24). O Congresso Nacional fica
encarregado de aprovar tratados de integração que dão competência
e jurisdição a órgãos supranacionais, sob condições recíprocas
e igualitárias, respeitando sempre a democracia e os direitos
humanos. O artigo 33 dispõe sobre os direitos fundamentais, listando
um rol exemplificativo. O artigo estabelece os conceitos e princípios
fundamentais que preservam a liberdade e a segurança das pessoas. A
Constituição não pode ser alterada por lei, fazendo também distinção
entre os direitos sociais e individuais, exemplificando-os no artigo
42. [12]
CONSTITUCION DE LA REPUBLICA ORIENTAL DEL URUGUAY. Disponível
em http://www.parlamento.gub.uy/Constituciones/Const997.htm. Acesso em
13 set. 2001. [13]
CONSTITUCION DE LA REPUBLICA DE PARAGUAY. Disponível
em
http://www.georgetown.edu/pdba/Constitutions/Paraguay/para1992.html.
Acesso em 13 set. 2001. [14]
A Constituição paraguaia, reformada em 1992, declara em seu artigo
137 que é a lei suprema da República do Paraguai e que os tratados e
convenções e acordos internacionais, aprovados e ratificados, estão
no mesmo nível hierárquico da Constituição. [15]
O artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal enaltece, entre
outros dispositivos, que os direitos e garantias constitucionais não
podem ser alterados por Emenda Constitucional. [16]
TORRES, Ricardo Lobo. Direitos humanos e tributação nos países
latinos. In: MELLO, C.D.A
& TORRES, R. L. Arquivos de
direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. Vol. 3, p.115 [17]
Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 3ª ed.,
São Paulo, Max Limonad, 1997, p. 316. [18]
Id. Ibidem, p. 317. [19]
Paiva, Mario Antonio Lobato de. Direitos
Humanos e Tributação, in
home page http://www.geocities.com/eureka/4990/direito/trabalhos/trab9.txt
com leitura em 09 de março de 1999. [20]
Citado por Mário Antonio Lobato de Paiva, Direitos
Humanos e Tributação, pesquisado na home page http://www.jus.com.br/doutrina/dirtrib.html,
em 09.03.1999, [21]
Escreveu Villegas, que há confisco quando se está ante exigência
tributária que exceda a razoável possibilidade de colaborar para os
gastos públicos, isto é, que vão além do que permite a capacidade
contributiva do particular afetado. (Hector Villegas, Curso de Direito
Tributário. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1989, p. 56). Anota
Villegas, que a Constituição Argentina assegura a inviolabilidade da
propriedade privada, seu livre uso e disposição e proíbe o confisco
(art. 14 e 17). Segundo ele, a Corte Constitucional argentina tem
sustentado que os tributos são confiscatórios quando absorvem uma
parte bastante substancial da propriedade ou da renda. A dificuldade
surge para determinar concretamente o que se deve entender por –
parte substancial. [22]
Barreto, Ayres Fernandino. Base
de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais. São Paulo,
Ed. Revista dos Tribunais, 1986, p. 108. [23]
Art. 145 - § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter
pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do
contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente
para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados
os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (grife-se) [24]
Instituições de Direito Público e República, mono,
1984, p. 175/6. Constituição
Brasileira - Art. 150 – Sem
prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar
tributo sem lei que o estabeleça; II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de
ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos
ou direitos. (grife-se) [25]
O Projeto de Lei Complementar do Senado brasileiro nº 646 de 1999,
que tramita no Congresso Nacional, de autoria do Senador Jorge
Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, demonstra ser o primeiro passo
do cidadão brasileiro rumo à modernidade em matéria fiscal. [26]
Nos Estados Unidos foi aprovada, em 30 de julho de 1996, a Declaração de
Direitos do Contribuinte II (Taxpayer
Bill of Rights II), que alterou o Código de Rendas Internas de
1986 (Internal Revenue Code)
para fortalecer a proteção aos contribuintes. Na Espanha publicou-se
a Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes -LDGC (nº 1/1998,
de 26 de fevereiro), que regula os direitos e garantias básicas dos
contribuintes em suas relações com as Administrações tributárias
e que, segundo sua Exposição de Motivos, constituiu um marco de inegável
transcendência no processo de reforço do princípio da segurança
jurídica característico das sociedades democráticas mais avançadas,
permitindo, ademais, aprofundar a idéia de equilíbrio das situações
jurídicas da Administração tributária e dos contribuintes, com a
finalidade de favorecer a estes o melhor cumprimento voluntário das
obrigações. Exposição de Motivos do Projeto de Lei sobre o Código
de Defesa do Contribuinte. [27]
Carrazza, Roque Antonio. Princípios
Constitucionais Tributários e Competência Tributária. São
Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1986, p. 140. [28]
Pensamento de Tilbery, Cartou e Furtado apud
FALCÃO, Maurin Almeida. Elementos
de reflexão para harmonização tributária no Mercosul.
Monografia cedida pelo autor, vencedora do Mercoprêmio legislação
em 2000. [29]
Art.43 da Carta da OEA. [30]
González Cano, Hugo.
La armonización tributaria en procesos de integración económica.
Impuestos. Buenos Aires, may, 1.991, p. 885. [31]
Id., Ibidem, p. 885.
(*) Mestre
em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Professora da
Faculdade Paranaense (FACCAR) – pr. Brasil. (**) Doutora
em Direito Tributário pela PUC/SP. Coordenadora do Mestrado em Direito
Negocial da Universidade Estadual de Londrina e do Curso de Direito da
Faculdade Paranaense – Paraná. Brasil.
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