Revista Jurídica Cajamarca

 
 

 

A tributação e os direitos humanos fundamentais

Juliana Kiyosen Nakayama (*)

Maria de Fátima Ribeiro (**)

 


   

 

1. INTRODUÇÃO

 

A Organização dos Estados Americanos (OEA) é baseada na solidariedade resultante de seus vizinhos geográficos e tem como um dos objetivos promover o desenvolvimentos econômico, social e cultural dos países membros através de uma cooperação ativa[1].

A intenção deste ensaio é introduzir o tema tributação e os direitos fundamentais nas Constituições dos Estados-partes do Mercosul. Deve-se lembrar que na Convenção Americana sobre direitos humanos, em seu preâmbulo há reiteração quanto ao ser humano livre, onde a cada pessoa deve ser permitido o gozo de seus direitos econômicos, sociais e culturais, nesse contexto, abordar-se-á sobre os direitos fundamentais e a tributação.

Inicialmente, far-se-á uma abordagem geral sobre o bloco econômico MERCOSUL e depois análise dos dispositivos constitucionais sobre os princípios tributários relacionados aos direitos fundamentais de cada Estado-parte do MERCOSUL.

Finaliza-se o estudo com a coordenação das políticas econômicas e futura harmonização tributária no MERCOSUL, de acordo com análise da legislação dos Estados-partes.

 

CONSIDERAÇÕES SOBRE O BLOCO ECONÔMICO MERCOSUL

 

Em 26 de março de 1991, originou-se o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), através do Tratado de Assunção[2], tendo como membros, Argentina, Brasil, Paraguai e o Uruguai. O Tratado de Assunção declara a intenção de constituir um mercado comum.

Seja como for, de acordo com o Tratado de Assunção, o MERCOSUL fica aberto para adesões, mediante negociações com países membros da Associação Latino Americana de Integração[3]. Assim, desde agosto de 1995, a Bolívia e o Chile assumiram um compromisso no Tratado de Assunção, tornando-se, assim, Estados-associados ao MERCOSUL.

Por isso, não é demais enfatizar, nesta futura etapa do mercado comum, considerado um estágio mais aprofundado que compreende a livre circulação de todos os fatores de produção com a eliminação de barreiras e o estabelecimento de uma tarifa externa comum para países signatários do Tratado de Assunção, implica na aplicação das cinco liberdades que são a livre circulação de mercadorias, a liberdade de estabelecimento, a livre circulação de trabalhadores, a livre circulação de capitais e a liberdade de concorrência.

Ponderações desse jaez permitem compreender que o Tratado de Assunção têm com princípios orientadores, para o alcance de seus objetivos, a flexibilidade, a gradualidade, o equilíbrio e a reciprocidade. Esses objetivos foram explicados no capítulo sobre o processo de integração.

A personalidade jurídica internacional do MERCOSUL foi consolidada com o Protocolo de Ouro Preto, havendo, assim, critérios de base para negociação de acordos e um reforço considerável no poder de barganha dos quatro países em escala mundial.[4] Dessa forma, ao bloco é atribuída a competência para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países, grupo de países e organismos internacionais.

De qualquer modo, o Tratado de Assunção tem o objetivo, dentre outros, de harmonização tributária. Dessa forma, tem por objeto a integração das economias, com sistemas tributários integrados com o fim da circulação econômica, com tributos sobre o valor agregado compatíveis. Com a instituição do MERCOSUL, houve imposição da TEC que passa por processo de convergência.

Por outro giro, com a evolução das zonas de livre comércio, surgiu a união aduaneira que não tem barreiras alfandegárias entre os países integrantes do bloco e pratica uma tributação igual em relação à importação e a exportação de mercadorias, de produtos e de serviços com destino a Estados que não façam parte da união aduaneira, com a adoção da TEC[5]. A próxima etapa é o mercado comum, a fase que é o objetivo do MERCOSUL.

Adverte-se, que o art. 1o. do Tratado de Assunção estabelece que a constituição do MERCOSUL implica em livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os Estados-partes com eliminação de Direitos aduaneiros e restrições não aduaneiras à circulação de mercadorias e de qualquer medida equivalente. Um dos aspectos mais relevantes do processo de integração entre os países do MERCOSUL. Diz respeito à eliminação de diferenças legislativas que possam dificultar ou obstaculizar o seu desenvolvimento.

Com efeito, o art.7o. desse tratado aborda especificamente a questão tributária com previsão de impostos, taxas e outros gravames internos para os produtos originários do territórios de um Estado-parte, para dar tratamento idêntico ao fornecido para o produto nacional. Assim, o Tratado de Assunção estabelece como critério da tributação, por parte dos impostos internos, o princípio da não discriminação[6].

No âmbito da OEA, há a obrigação de não discriminação, sendo que os Estados-partes comprometem-se a garantir o exercício dos direitos nele enunciados, sem discriminação alguma[7].

Em outras palavras, o princípio da não-discriminação é uma cláusula para uma maior liberação do comércio mundial, através de concessão de base estável para o comércio mundial, eliminação de restrições tarifárias e não-tarifárias ao comércio, concorrência leal e tratamento especial e diferenciado para os países em desenvolvimento. Enfim, no MERCOSUL não se permite melhor tratamento ao produto importado que ao nacional, só poderá dar o mesmo tratamento, mas não o melhor, que ao produto nacional[8].

Portanto, o art. 7o. do Tratado de Assunção garante a livre concorrência entre os mercados que estão integrando como finalidade precípua e também, o tratamento isonômico dos Estados-partes em relação aos impostos, às taxas e a outros tributos[9].

 

 

TRIBUTAÇÃO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

Na Convenção Americana de Direitos  Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica) tratam sobre os direitos essenciais da pessoa humana, pelo direito à vida, à integridade pessoal, proibição da escravidão, à liberdade pessoal, à legalidade e da irretroatividade, à indenização, à liberdade de pensamento, de expressão de consciência e de religião, proteção da honra e da dignidade, à resposta, de reunião, de associação, igualdade perante a lei, elencados nos artigos 1º a 26.

As Constituições dos países do Mercosul tratam sobre a proteção dos direitos humanos, sendo que a maioria, opta por aprovar a recepção de tratados internacionais, desde que sejam firmados em condições recíprocas o igualitárias, respeitando a democracia e os direitos humanos, como pode ser observado na Constituição Argentina[10] (artigo 75 – 24).[11]

A Carta Política do Uruguai[12] dispõe sobre os direitos fundamentais no art. 7º, que são os direitos de primeira geração. O artigo 72 dispõe sobre os direitos sociais.

Busca, entre outras disposições, a integração sócio-econômica entre as nações latino-americanas, assegurando a todos os indivíduos o princípio de igualdade e garante que todos os habitantes do Uruguai os direitos à vida, à honra, à liberdade, à segurança, ao trabalho e à propriedade protegidos. (Art. 6º e 7º)

O preâmbulo da Constituição do Paraguai[13] esboça sobre a soberania nacional e a independência. Dispõe sobre a garantia pelo respeito aos direitos humanos, a paz, a justiça, a cooperação e o desenvolvimento político, econômico, social e cultural. (art. 145)[14].

O Paraguai trata dos direitos fundamentais no capítulo V da Constituição, dispondo sobre os direitos, as garantias e as obrigações. A Constituição também fixa deveres que devem ser cumpridos por todos da sociedade, o que seria verdadeira espécie de dever de solidariedade. Enuncia a liberdade individual, reconhece o direito de asilo, a igualdade de todos os habitantes do Paraguai, tanto em termos de dignidade como de direitos. Demonstra que os direitos e garantias não são exaustivos. (arts. 12, 43 e 45)

A Constituição brasileira dispõe sobre os direitos e garantias individuais no artigo 5º, demonstrando que são direitos auto-aplicáveis, constituindo-se em cláusulas pétreas[15]. A Carta Política brasileira está baseada na soberania, na dignidade da  pessoa humana, nos valores sociais do trabalho, na livre iniciativa e no pluralismo político, sob um Estado Democrático de Direito. (art. 1º - I a V)

Preceitua também, no que se refere às relações internacionais, ao princípio da integração econômica, política, social e cultural entre os povos da América Latina (Art. 4º - Parágrafo Único). Adota ainda os princípios da independência nacional, a prevalência dos direitos humanos, a autodeterminação dos povos, a não-intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo, a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e acessão de asilo político. Garante também o direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país.

A Constituição brasileira enuncia que os direitos e garantias, por ela protegidos, não excluem outros provenientes de tratados internacionais de que o Brasil seja parte, e que as normas definidoras desses direitos e garantias fundamentais têm efeito direto. (art. 5º - Parágrafo 1º)

Assim, as respectivas declarações de direitos humanos nas Constituições da Argentina e Brasil, não constituem numerus clausus, abrindo-se a ulteriores complementações[16].

Os textos constitucionais dos países do Mercosul estão pautados na dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da defesa dos direitos fundamentais. Uma das preocupações se volta para a efetividade destas previsões constitucionais.

Portanto, pode-se observar que a dimensão internacional dos direitos humanos não se permite que um bloco econômico que busca a formação de um mercado comum, deixe de lado uma real preocupação com a proteção dos direitos humanos.

Ao consagrar o primado do respeito aos direitos humanos, como paradigma propugnado para a ordem internacional, abre a ordem jurídica interna ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

Vê-se, dessa forma que as Constituições do Mercosul trazem princípios sobre direitos humanos que estão em consonância com a Convenção Americana de direitos humanos.

Flávia Piovesan[17] destaca que a partir do momento em que o Brasil se propõe a fundamentar suas relações internacionais com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo reconhecendo a existência de limites e condicionamentos à noção de soberania estatal, ao modo pelo qual tem sido tradicionalmente concebida.

Essa assertiva vem demonstrar que decorre do processo de globalização a prevalência dos direitos humanos, que com isso vem destacar a abertura da Constituição brasileira à normas internacional, abertura que constitui um traço marcante da ordem constitucional contemporânea.[18]

Em 1991, quando foi assinado o Tratado de Assunção ficou demonstrando em seu preâmbulo, a necessidade de se atingir o desenvolvimento econômico com justiça social e preservação do meio ambiente, além de melhorar as condições de vida de seus habitantes.

Logo mais, em agosto de 1995, foi elaborado o Regulamento da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, enaltecendo que os propósitos do Regulamento são entre outros o de proteger a paz, a liberdade, a democracia e a vigência dos direitos humanos.

Atualmente não se pode negar que o respeito e a promoção dos direitos humanos é um padrão de conduta de natureza obrigatória.

Dificilmente pode ser encontrado um sistema tributário que seja estatuído, levando em consideração plenamente os direitos humanos.

Merece destaque a posição de Mário Paiva[19] que escreve: Na medida em que a dinâmica da acumulação privada e a mobilidade dos capitais já não são controladas pelo Estado através tributação, os direitos humanos, numa visão jurídico-positiva, encontram-se sobrevivendo, em termos formais, aos processos de tributação. Mas não tem mais condições de ser efetivamente implementados no plano real (se é que o foram, integralmente, um dia).  E quando isso efetivamente ocorre, sua aplicação tende a ser seletiva.

Ricardo Torres[20] escreve que qualquer discriminação injustificável que implique excluir alguém da regra tributária geral ou de um privilégio não odioso, constituirá ofensa aos direitos humanos, posto que desrespeitará a igualdade assegurada no artigo 5º da Constituição brasileira.

Da mesma forma, a proibição da utilização do tributo com efeito de confisco, a teor do inciso IV do art. 150 da Carta Política brasileira é considerado uma limitação constitucional ao poder de tributar.[21]

A razoabilidade da imposição se deve estabelecer em cada caso concreto, segundo as exigências de tempo e lugar os fins econômicos e sociais de cada imposto.

Com isso, verifica-se que há confisco sempre que houver afronta aos princípios da liberdade de iniciativa, ou de trabalho ou profissão, quando ocorrer absorção pelo Estado, de valor equivalente ao da propriedade imóvel ou quando o tributo acarretar a impossibilidade de exploração de atividades econômicas.[22]

Outro ponto que merece relevo é o atendimento ao princípio da capacidade contributiva disposta no §1º do art. 145, da Constituição brasileira, exige que o imposto seja graduado segundo a capacidade econômica do contribuinte.[23]

Deve ser observado que o legislador deve graduar  a exigência do imposto segundo a capacidade contributiva do contribuinte. Esta norma está dirigida ao legislador, confirmando tal posicionamento, quando destaca que a graduação deverá ser feita com base na lei. Portanto, somente a lei poderá estabelecer esta graduação cujo limite legal se encontra na necessidade respeitar os direitos individuais previstos no artigo 5º da Constituição Federal brasileira (Direitos e Garantias Individuais).

A capacidade contributiva é a base fundamental de onde partem as garantias materiais diretas ou indiretas que as Constituições outorgam aos particulares, tais como a generalidade, a igualdade, a proporcionalidade e a vedação de confisco. 

Destacando o princípio da igualdade como um dos mais importantes princípios fundamentais, como característica do primado dessa igualdade, com  referência à  posição dos legisladores tem-se que: Os poderes que de todos recebe, devem traduzir-se em benefícios e encargos iguais para todos os cidadãos. De nada valeria a legalidade, se não fosse marcada pela igualdade.[24] (grife-se)

E na Convenção Americana de Direitos Humanos, prevê no artigo 24, que todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direitos, sem discriminação alguma, à igual proteção da lei.

Esses dois vetores — os direitos fundamentais do contribuinte e a busca da justiça fiscal, passam a vincular o direito hodierno no plano nacional e no internacional. A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica - 1969), dispõem sobre os direitos básicos dos contribuintes.

Em se tratando de Direitos Fundamentais, é importante trazer à colação alguns destaques da Exposição de Motivos do projeto do Código de Defesa do Contribuinte[25]. Com a aprovação do Projeto o cidadão-contribuinte passa a ter uma relação de igualdade jurídica com o Fisco para, mediante co-responsabilidade cívica, tratarem juntos, e com transparência democrática, da origem e da aplicação da arrecadação pública. Os deveres e os direitos são mútuos; nada se presume negativamente contra um ou outro; o quanto se decidir, a favor de um ou outro, será mediante expressa indicação dos fatos e motivada declinação do direito. É o que inicialmente propõe o referido Projeto.

Enaltece que há um fortalecimento dos direitos fundamentais, seja no plano das legislações internas e dos tratados internacionais, seja no campo da reflexão jurídica e da busca da sua justificativa ética.  Nessa perspectiva, os direitos fundamentais do contribuinte passam a ter nova relevância.  A Constituição brasileira de 1988 dedica todo um capítulo (art. 150 a 152) às limitações ao poder de tributar, que consubstanciam os direitos básicos do cidadão frente ao poder fiscal do Estado e que se colocam como contraponto tributário do elenco dos direitos e garantias proclamados e assegurados pelo art. 5º.

As normas constitucionais, contudo, por sua generalidade e abertura, necessitam de complementação na via legislativa a fim de harmonizar os direitos humanos e o ordenamento tributário positivo.

Por outro lado, na Proposta do Projeto do Código de Defesa do Contribuinte,  reafirma-se a preocupação com a justiça fiscal, que, sendo especial  emanação da idéia de justiça social, necessita de princípios positivados que a instrumentalizem.[26]

Quanto à segurança jurídica, necessário se faz mencionar o princípio da legalidade tributária, na Constituição Brasileira disposto no artigo 150-I. O princípio da legalidade destaca-se para garantir os demais princípios constitucionais.

As pessoas políticas, enquanto tributam, não podem agir de maneira arbitrária, sem obstáculo algum, diante dos contribuintes. Nas relações com eles, submetem-se a um rígido regime jurídico. Assim, regem suas condutas de acordo com as regras que veiculam os direitos fundamentais e que colimam, também, limitar o exercício da competência tributária, subordinando-o à ordem jurídica.[27] (grife-se)

Conforme foi observado, os direitos fundamentais do contribuinte, devem merecer destaque não só no âmbito constitucional ou da legislação ordinária, e sim, a administração tributária fazer valer, efetivamente em suas ações  fiscalizadoras e aplicadoras das regras tributárias.

Assim, estará garantindo a segurança e a justiça tributária, e, enaltecendo os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito.

 

 

A HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA

 

Um dos aspectos mais relevantes do processo de integração entre os países do Mercosul, diz respeito à eliminação de diferenças legislativas que possam dificultar ou obstaculizar o seu desenvolvimento.

Dentro da Carta da OEA, no art. 44, enuncia-se que os Estados membros reconhecem que, para facilitar o processo da integração regional latino-americana, é necessário harmonizar a legislação (...).

No âmbito tributário significa a busca de coordenação que facilite o desenvolvimento comercial, excluindo a guerra fiscal, ou benefícios em favor desta ou daquela empresa. Visa promover a harmonização dos países do bloco do Mercosul, para que possa ser alcançada a justiça necessária e a segurança  nas relações comerciais e sociais internacionais.

Através do terceiro parágrafo do Tratado de Assunção, tem-se inicialmente, que o processo de integração nos países do Mercosul implicará na coordenação de políticas macroeconômicas, incluindo aí a política fiscal. Essa coordenação tem por finalidade assegurar o compromisso dos membros e parceiros do Mercosul em harmonizar as suas legislações, notadamente a área tributária.

A coordenação é entendida como o estabelecimentos de estratégias comuns entre os Estados que integram blocos ou mercados. As legislações são pouco aproximadas, onde os Estados ser propõem a adotar políticas deliberadas.

O estabelecimento de princípios referentes a um determinado tributo pode significar o início da harmonização legislativa ele. No entanto, no âmbito do Mercosul, em matéria tributária, o processo de aproximação legislativa está direcionado na fase da coordenação de tributos ou coordenação fiscal, onde deverá se ater aos princípios da ordem democrática e atender aos ditames dos Direitos Humanos estatuídos.

Em derradeira análise, um dos objetivos da integração econômica é elevar o bem-estar da população de todas as regiões. Assim, a redistribuição de rendas contribui para esse fim, sendo que a política fiscal tem função importante. Quanto mais baixo o padrão de vida em algumas regiões a serem integradas, mais importante a harmonização política e fiscal dos países membros nos seus aspectos redistributivos[28].

É necessário a harmonização tributária, e, também, o renascer desta idéia pelos Estados-partes, atendo-se aos princípios e objetivos do Tratado de Assunção.

 

 

CONCLUSÕES

 

Quando da harmonização dos ordenamentos vigentes, deverá se preocupar mais com as vantagens competitivas, considerando os direitos humanos e as garantias fundamentais de cada país, colocando-os sempre primeiro plano.

E preciso estabelecer políticas públicas no sentido de que a tributação, leve em consideração a capacidade contributiva dos contribuintes, não seja confiscatória, por sua vez, considerando a igualdade dos contribuintes com embasamento no princípio da legalidade.

Para que haja integração efetiva dos países do Mercosul, é necessário que cada Estado que compõe, reveja suas políticas econômicas e sociais e  seus sistemas financeiro e tributário, regulamentando de forma uniforme os setores vitais da economia e viabilizando a cidadania plena e coletiva para os seus diversos segmentos.

A reciprocidade de tratamento e as isonomias e as liberdades são elementos essenciais do processo de integração. Assim, estará valorizando o homem, e efetivando as liberdades de circulação de mercadorias, serviços e capitais, e dessa forma permitindo a verdadeira integração social, econômica e cultural nos países do Mercosul e da OEA[29]. Pode ser observado, com o presente estudo, que os países, e especialmente os países do Mercosul, não podem  ter o interesse individualizado, e sim voltados aos interesses do bloco.

Daí destacar que o principal objetivo da harmonização é chegar a sistemas nacionais que permitam, ao mesmo tempo, conciliar os objetivos de integração econômica com o respeito às identidades nacionais, e, principalmente aos direitos humanos.

Sabe-se que o sistema tributário pode se tornar um fator limitativo à integração econômica. Segundo Hugo González Cano,[30] os processos de integração econômica requerem certo grau de harmonização tributária, cuja intensidade se vincula com o tipo de integração e a etapa do processo vigente em cada caso.

Ainda de acordo com este autor, quanto maior o grau de integração econômica pretendido e quanto mais o processo se desenvolve, mais se deve avançar em termos de harmonização tributária.[31]  Na União Européia, os esforços no sentido da harmonização tributária após 1985 propiciaram a superação de uma fase de estagnação do processo de integração econômica e o início de uma nova etapa, em que se constituiu em oito anos, o mercado único, sem fronteiras, com circulação livre de bens, serviços e fatores. Isso só foi possível porque os avanços em termos de harmonização dos sistemas tributários, evitaram que surgissem distorções capazes de tornar politicamente insustentável o processo de integração econômica em desenvolvimento.                            

Além das disposições constitucionais propugnadas na Carta Política de 1988, de que a União não poderá conceder isenções de tributos de competência distrital, estadual e municipal (art. 151-III), deve ser considerado que com o Tratado de Assunção, firmado em 1991, o Mercosul é uma realidade da qual, não se pode deixar para segundo plano no tocante ao aspecto da harmonização da legislação tributária. Isto porque, um dos objetivos do referido Tratado, vem destacado (art. 1º) que os Estados membros assumem o compromisso de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. Tal posicionamento vem sacramentado no art. 2º, que ressalta que o Mercosul foi fundado na reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados partes.

Para tanto, deve o Brasil adequar sua legislação  para acompanhar o progresso da harmonização da legislação tributária do Mercosul e da OEA. E, da conjugação dos dispositivos constitucionais já citados tem-se que, respeitada a independência nacional, deverá o Brasil praticar os atos necessários para celebrar tratados e acordos internacionais, atendendo desta forma o que propugna a Constituição Federal - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e integração da América Latina.

O que deve permanecer claro é que o art. 7º do Tratado de Assunção, quando determina o tratamento isonômico dos Estados-membros em relação os impostos, taxas e outros tributos, tem a finalidade precípua, não a questão tributária em si, mas garantir a livre concorrência entre os mercados que estão integrando.

Ademais, não se pode esquecer que a questão aduaneira passa primeiro pelo estabelecimento de uma política fiscal e, caminhar para um consenso tributário entre países com problemas tão graves e de dimensões tão diversas, é inicialmente  um grande desafio. Para tanto, necessário se faz a adequação da política fiscal interna de cada país. Na realidade, o principal é que se estabeleçam instrumentos internos em cada país de apoio à atividade produtiva.

A prevalência dos tratados internacionais em relação ao direito interno não quer dizer prevalência total sobre a ordem jurídica brasileira. Pelo contrário, a matéria vedada em tratados internacionais somente afeta o ordenamento pátrio na medida em que o Congresso Nacional aprova o ato do Presidente da República e desde que não seja contrário à Constituição Federal, devendo ser proporcionalmente consideradas as disposições do artigo 98 do CTN.

 

 

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NOTAS:

[1] SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p.354.

[2] Incorporado no Direito brasileiro através do Decreto n.350, de 21 nov. 1991. Pelo Decreto Legislativo 197/91, publicado no Diário Oficial da União de 26 set. 1991, p. 20.781.

[3] Capítulo IV - Adesão - Art. 20 do Tratado de Assunção. O presente Tratado estará aberto à adesão mediante negociação, dos demais países-membros da Associação Latino-Americana de Integração, cujas solicitações poderão ser examinadas pelos Estados Partes depois de cinco anos de vigência deste Tratado. Não obstante, poderão ser consideradas antes do referido prazo as solicitações apresentadas por países-membros da Associação Latino-Americana de Integração que não façam parte de esquemas de integração subregional ou de uma associação extra-regional. A aprovação das solicitações será objeto de decisão unânime dos Estados Partes.

[4] ALMEIDA,  Paulo Roberto.  MERCOSUL: fundamentos e perspectivas.  São Paulo: Ltr, 1998, p.52-53

[5] FERNANDES, Edison Carlos.  Sistema tributário do Mercosul.  3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.54-55

[6] LAGEMANN, Eugenio.  Há necessidade de um imposto único sobre o consumo no âmbito  do MERCOSUL?. Seqüência.  Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1995, vol. 16. p. 54-55.

[7] Art. 3º do Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais (protocolo de San Salvador, de 17/11/1988)

[8] LIPOVETZKY, Jaime Cesar e LIPOVETZKY, Daniel Andrés.  MERCOSUL, estratégia para integração: mercado comum ou zona de livre comércio?: análise e perspectivas do tratado de Assunção.  São Paulo: Ltr, 1994, p.137-138.

[9] RIBEIRO, Maria de Fátima.  Considerações sobre a prevalência dos tratados internacionais sobre a legislação tributária brasileira: o caso do MERCOSUL.  In: Scientia Iuris, Revista do curso de mestrado em Direito negocial da UEL.  Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 1997. vol.1, p. 115

[10] ARGENTINA. CONSTITUCION DE LA NACION ARGENTINA. Disponível em http://biblioteca.afip.gov.ar/normas/constitucion_NACIONAL.html. Acesso em 13 set. 2001.

[11] A Constituição Argentina enaltece que tanto a Constituição como os tratados internacionais são normas de nível superior naquele País, conforme a previsão do artigo 75 (24). O Congresso Nacional fica encarregado de aprovar tratados de integração que dão competência e jurisdição a órgãos supranacionais, sob condições recíprocas e igualitárias, respeitando sempre a democracia e os direitos humanos. O artigo 33 dispõe sobre os direitos fundamentais, listando um rol exemplificativo. O artigo estabelece os conceitos e princípios fundamentais que preservam a liberdade e a segurança das pessoas. A Constituição não pode ser alterada por lei, fazendo também distinção entre os direitos sociais e individuais, exemplificando-os no artigo 42.

[12] CONSTITUCION DE LA REPUBLICA ORIENTAL DEL URUGUAY. Disponível em http://www.parlamento.gub.uy/Constituciones/Const997.htm. Acesso em 13 set. 2001.

[13] CONSTITUCION DE LA REPUBLICA DE PARAGUAY. Disponível em http://www.georgetown.edu/pdba/Constitutions/Paraguay/para1992.html. Acesso em 13 set. 2001.

[14] A Constituição paraguaia, reformada em 1992, declara em seu artigo 137 que é a lei suprema da República do Paraguai e que os tratados e convenções e acordos internacionais, aprovados e ratificados, estão no mesmo nível hierárquico da Constituição.

[15] O artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal enaltece, entre outros dispositivos, que os direitos e garantias constitucionais não podem ser alterados por Emenda Constitucional.

[16] TORRES, Ricardo Lobo. Direitos humanos e tributação nos países latinos.  In: MELLO, C.D.A & TORRES, R. L. Arquivos de direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. Vol. 3, p.115

[17] Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 3ª ed., São Paulo, Max Limonad, 1997, p. 316.

[18] Id. Ibidem, p. 317.

[19] Paiva, Mario Antonio Lobato de. Direitos Humanos e Tributação, in home page http://www.geocities.com/eureka/4990/direito/trabalhos/trab9.txt com leitura em 09 de março de 1999.

[20] Citado por Mário Antonio Lobato de Paiva, Direitos Humanos e Tributação, pesquisado na home page http://www.jus.com.br/doutrina/dirtrib.html, em 09.03.1999,

[21] Escreveu Villegas, que há confisco quando se está ante exigência tributária que exceda a razoável possibilidade de colaborar para os gastos públicos, isto é, que vão além do que permite a capacidade contributiva do particular afetado. (Hector Villegas, Curso de Direito Tributário. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1989, p. 56). Anota Villegas, que a Constituição Argentina assegura a inviolabilidade da propriedade privada, seu livre uso e disposição e proíbe o confisco (art. 14 e 17). Segundo ele, a Corte Constitucional argentina tem sustentado que os tributos são confiscatórios quando absorvem uma parte bastante substancial da propriedade ou da renda. A dificuldade surge para determinar concretamente o que se deve entender por – parte substancial.

[22] Barreto, Ayres Fernandino. Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1986, p. 108.

[23] Art. 145 - § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (grife-se)

[24] Instituições de Direito Público e República, mono, 1984, p. 175/6.

Constituição Brasileira - Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. (grife-se)

[25] O Projeto de Lei Complementar do Senado brasileiro nº 646 de 1999, que tramita no Congresso Nacional, de autoria do Senador Jorge Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, demonstra ser o primeiro passo do cidadão brasileiro rumo à modernidade em matéria fiscal.

[26] Nos Estados Unidos foi aprovada, em 30 de julho de 1996, a Declaração de Direitos do Contribuinte II (Taxpayer Bill of Rights II), que alterou o Código de Rendas Internas de 1986 (Internal Revenue Code) para fortalecer a proteção aos contribuintes. Na Espanha publicou-se a Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes -LDGC (nº 1/1998, de 26 de fevereiro), que regula os direitos e garantias básicas dos contribuintes em suas relações com as Administrações tributárias e que, segundo sua Exposição de Motivos, constituiu um marco de inegável transcendência no processo de reforço do princípio da segurança jurídica característico das sociedades democráticas mais avançadas, permitindo, ademais, aprofundar a idéia de equilíbrio das situações jurídicas da Administração tributária e dos contribuintes, com a finalidade de favorecer a estes o melhor cumprimento voluntário das obrigações. Exposição de Motivos do Projeto de Lei sobre o Código de Defesa do Contribuinte.

[27] Carrazza, Roque Antonio. Princípios Constitucionais Tributários e Competência Tributária. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1986, p. 140.

[28] Pensamento de Tilbery, Cartou e Furtado apud FALCÃO, Maurin Almeida. Elementos de reflexão para harmonização tributária no Mercosul. Monografia cedida pelo autor, vencedora do Mercoprêmio legislação em 2000.

[29] Art.43 da Carta da OEA.

[30] González Cano, Hugo. La armonización tributaria en procesos de integración económica. Impuestos. Buenos Aires, may, 1.991, p. 885.

[31] Id., Ibidem, p. 885.

 

 


 

(*)   Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina. Professora da Faculdade Paranaense (FACCAR) – pr. Brasil. 
E-mail: nakayama@sercomtel.com.br

(**)   Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Coordenadora do Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina e do Curso de Direito da Faculdade Paranaense – Paraná. Brasil. 
E-mail: mfat@ldnet.com.br


 

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