Derecho & Cambio Social

 
 

 

A atuação do fisco e o atual conceito de empresa

Heloisa Helena de Almeida Portugal (*)

Maria de Fátima Ribeiro  (**)

 


   

 SUMÁRIO: 1 . Introdução 2. A empresalidade como elemento conceitual de empresa. 3. O sistema jurídico empresarial no código civil de 2002 3.1. Aspecto subjetivo da empresa – o empresário e sua caracterização como sujeito passivo tributário 3.2. Aspecto objetivo da empresa – o estabelecimento 4. Conclusões 5. Bibliografia.

 

1.      INTRODUÇÃO

O Código Civil alterou expressivamente as relações comerciais, considerando o Código Comercial de 1.850.

Com efeito, verifica-se que as relações comerciais se aproximam cada vez mais das relações de Direito Civil.  Assim, o legislador ampliou o conceito meramente de empresa dispondo características mais representativas  sobre o empresário, abrangendo tanto os meios de produção como os meios de circulação.

Com o novo conceito de empresário disposto no artigo 966 do Código Civil três fatores devem ser considerados fundamentais para este conceito: a economicidade como fator de geração de riquezas, a organização e a profissionalidade.

Com a evolução dos fatos do século passado ao presente, se torna indispensável a análise dos valores jurídicos relacionados à estas mudanças. Uma das questões refere-se em determinar se a empresa deve ser interpretada como objeto da atividade econômica ou como sujeito com personalidade própria e dissociada do empresário. Referido conceito é transportado para o Direito Tributário e também para o Direito do Trabalho que em legislações específicas consideram empresário e empresa.

O objeto do presente estudo reporta-se à análise conceitual de empresa e empresário nos termos do Código Civil bem como a caracterização do empresário como sujeito de passivo para fins de tributação passando pela análise conceitual, também do estabelecimento, em específico, o virtual.

 

2. A empresalidade como Elemento Conceitual de Empresa

O Direito Comercial pode ser caracterizado de formas diferentes conforme o aspecto focado, se o comerciante, se os atos do comércio, se as empresas e por fim a atividade econômica propriamente dita. Pode-se situar o Direito Comercial hodierno como o Direito dos negócios, da empresa e da economia.

A empresa tornou-se sujeito de relevância nas relações econômicas e, portanto, fazendo-se imperativo a transposição para o plano jurídico do fenômeno socioeconômico denominado empresa. Dada a importância assumida torna-se objeto a ser valorado pelo Direito, correspondendo a sua relevância na realidade socioeconomica, como agente de produção de bens e serviços para o mercado.[1] Neste sentido, cabe abarcar a função da norma na valoração dos interesses em jogo, qual seja transpor para o mundo jurídico a idéia de organização dos fatores da produção, ou a organização da atividade econômica realizada pelo empresário que corre riscos e recebe os lucros.

A determinação das responsabilidades, custos e efeitos das relações jurídicas realizadas por este ente. Assim era vista a empresa, sem uma significação jurídica, como salienta Sylvio Marcondes[2] :

Há indubitavelmente, na concepção da empresa comercial, um substrato econômico consistente na organização dos fatores da produção realizada pelo empresário, no sentido da atividade empreendedora, cisando à obtenção de lucro e correndo o risco correspondente. Este substrato, por estar implícito em todos os enunciados propostos para a definição de empresa, pode ser havido como ponto pacífico na controvérsia, a qual somente surge quando se trata de complementar o conceito econômico, mediante elementos de ordem jurídica.

Durante a reforma do Código Civil italiano de 1942[3], esta questão da correspondência conceitual econômico-jurídica, foi fortemente discutida e atualmente, pode-se afirmar haver uma teoria jurídica da empresa, ressaltando que não há como refutar os elementos econômicos.

Pela doutrina italiana, a empresa é vista de forma unitária, contendo quatro elementos jurídicos fundamentais, quais seja, o empresário, a atividade, o estabelecimento e a organização do trabalho. Este conceito unitário corrobora com o Direito sistêmico, pois, sendo unitário o conceito é válido para todo o Direito, havendo aspectos de interesse em cada disciplina jurídica.

O Direito Comercial brasileiro adotava o sistema francês, qual seja, a teoria dos atos do comércio. Atualmente, encontra-se em transição para o italiano, havendo somente a lei de falência ainda neste sistema[4], haja vista a publicação do Código Civil de 2002 que transplantou a Teoria da Empresa para ordenamento jurídico brasileiro. Ao Direito privado interessa, no âmbito de sua competência tanto a estrutura como o funcionamento da empresa, a natureza desta instituição e os princípios fundamentais que regem sua regulamentação.[5] Por estas razões houve a inserção do Livro Direito da Empresa no âmbito do Código Civil, revogando a parte geral do Código Comercial.

Todavia sua conceituação no campo jurídico tem sido tema central do Direito Comercial moderno vez que traz reflexos em outras especificidades da Ciência Jurídica, como o Direito Tributário. Bulgarelli[6] ao realizar comparação nos principais ordenamentos jurídicos europeus (França, Alemanha, Itália e Espanha) tece alguns pontos relevantes, presentes nos ordenamentos analisados e base para a teoria jurídica da empresa, dos quais cabe destaque:

(..) em todos se reconhece a importância da empresa na vida econômica, entendida sob este prisma, como organização dos fatores da produção;

-  a empresa, no âmbito do Direito Comercial, está concebida — consciente ou inconscientemente — com maior ou menos relevo, como atividade econômica organizada, a qual serve de critério que vem sendo utilizado com maior intensidade, inclusive para a qualificação do comerciante.

A empresa vem revelando-se como um fenômeno amplo, de estrutura complexa, apresentando elementos reais e pessoais, e ainda com natureza dinâmica. A concepção de empresa como organização dos fatores de produção leva a considerar como seus elementos, o empresário e o estabelecimento.

Nota-se que a função da empresa é a de agente da produção e circulação de bens ou serviços, para um mercado de economia de massa, em escala mundial. De maneira que o que impera é o consumismo dando relevo à empresa como atividade funcional, deslocando seu titular do âmbito estrito dos direitos subjetivos para o de direito-função.

A empresa consiste em um fenômeno de organização de elementos produtivos com o fim de produzir utilidades ou prestar serviços, sendo atividade complexa não se restringindo à pessoa do empresário.[7]

A empresa passa a ter uma função social que limita sua liberdade de iniciativa, o empresário tem obrigações e responsabilidades não somente aos credores, mas também aos trabalhadores, aos consumidores e à comunidade, bem como à economia do país.

Assim, sob a ótica das categorias jurídicas fundamentais, o sujeito, o objeto e os atos ou fatos, a empresa compreende respectivamente o empresário, o estabelecimento e a atividade organizada. Como bem salienta Waldírio Bulgarelli:[8]

E é justamente por este prisma – a empresa concebida como atividade econômica organizada – que se revela seu valor jurídico, pois serve de critério orientador para a qualificação do empresário, sem que fique ausente a referibilidade ao estabelecimento, que surge através do conceito de organização técnica dos bens e ao empresário, como agente dessa atividade, revelando assim a íntima conexão entre os três conceitos.

A pedra angular da empresa não é a organização em si, mas a forma de produzir organizadamente, significando no plano jurídico a atividade desenvolvida. Onde o Direito vê na empresa o empresário, para o fim de torná-lo o centro de imputação, como sujeito; o estabelecimento, como complexo de bens organizados que o empresário utiliza, e como tal objeto de negócios jurídicos e autônomos; e a atividade econômica organizada de produção de bens e serviços para o mercado.

Isto posto, tem-se como conceito jurídico de empresa  a atividade econômica organizada de produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exercida pelo empresário, em caráter profissional, através de um complexo de bens.[9], sendo concebida como pessoa jurídica.

Surge, então, a empresalidade que, pressupõe como elementos essenciais os conceitos de empresário e o de estabelecimento, onde segundo Waldírio Bulgarelli[10], é o empresário, como agente responsável e titular do exercício profissional da atividade econômica organizada; o estabelecimento, como objeto, para o fim de reconhecer o complexo de bens organizados pelo empresário na sua unidade e ditar um regime de circulação e de negócios jurídicos; e a empresa, concebida como atividade econômica organizada, ou exercício profissional de atividade econômica organizada, e qualificada como fato jurídico servindo como elemento qualificador do sujeito e do objeto.

Pode-se falar em uma regulamentação da empresa juridicamente unitária, admitindo-se que o conceito jurídico unitário existe e coincide com o econômico, mas sua natureza jurídica não é unitária.[11]

Como visto, para a compreensão de empresa há que se passar pela empresalidade, conceito composto, que envolve três manifestações concretas, o empresário, a atividade e o estabelecimento, exprimindo no plano jurídico este fenômeno tão relevante e dinâmico.

3.      O Sistema Jurídico Empresarial no Código Civil de 2002

O deslocamento do fundamento conceitual para a função da empresa deu-se em razão de alterações na sistemática jurídica, ou seja, a funcionalização dos institutos jurídicos em geral. Significa abrir as bases do direito para outros saberes e valores (função social da propriedade, do contrato, da empresa, da família etc.). A tendência constitucional é pela função social dos institutos jurídicos, a inserção do indivíduo como centro dos interesses[12], do que não escapa a empresa como operadora de um mercado também -socialmente -- funcionalizado.

A função social não significa necessariamente uma condição limitativa da atividade empresarial, e tampouco implica o distanciamento entre os contratantes. Significa sim dizer que ao mesmo tempo deve-se servir ao interesse próprio e da coletividade[13], também, sob o mesmo aspecto funcional, é fundamental proteger a empresa contra a voracidade patrimonialista do mercado, porquanto sem ela - empresa - o mercado não exista, apesar do mercado e do capital nem sempre se darem conta desta indispensável simbiose.

Para a teoria da empresa, o que importa é o modo pelo qual a atividade econômica é exercida, sendo seu objeto de estudo não o ato econômico em si, mas sim o modo como a atividade econômica é exercida, ou seja, a empresa, atendendo aos princípios da funcionalidade.

Destarte, a função social da empresa e a importância notória de tal agente econômico, o Código Civil brasileiro traz a definição do empresário e não de empresa. Sistematicamente o Código Civil, na Parte Especial, trata no Livro II Do Direito de Empresa. Esse Livro II, por sua vez, está dividido em quatro títulos: Título I - Do Empresário, Título II - Da Sociedade, Título III - Do Estabelecimento, Título IV - Dos Institutos Complementares. Sendo que, em momento algum define a empresa, nem tampouco o que seja atividade econômica organizada.

Por empresário deve-se então entender-se por quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.[14] Excluindo-se deste conceito quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento da empresa.

O conceito jurídico de comerciante deixou de existir, substituído que foi pelo de empresário. Não se trata, porém, de uma singela mudança de nomenclatura, posto que as figuras do empresário e do comerciante não se identificam.

O comerciante era aquele que praticava profissionalmente atos de comércio, e os atos de comércio correspondiam às atividades que historicamente se situaram no âmbito do comércio. O empresário, diferentemente, é o titular da empresa, sendo esta uma atividade econômica organizada.

Deve-se, entretanto, atentar para o fato de que, com o Código Civil, o complexo normativo aplicável a empresários e não-empresários, e a sociedades empresárias e sociedades simples, ressalvadas algumas exceções bastante limitadas, é exatamente o mesmo.

Portanto, a celeuma encerra-se na figura do empresário, quem passa a ser juridicamente assim considerado e, sob o aspecto tributário, passa a ser o sujeito passivo das obrigações tributárias inerentes à empresa, sendo mister identificar a figura jurídica do empresário.

3.1 - Aspecto Subjetivo da Empresa – o empresário e sua caracterização como sujeito passivo tributário

Atentando-se ao conceito de empresário exarado do artigo 966 do Código Civil e, somando-se ao disposto na exposição de motivos do mesmo diploma legal tem-se que o empresário caracteriza-se por três elementos essenciais e concomitantes:

a) Exercício de atividade econômica e, pôr isso, destinada à criação de riqueza, pela produção de bens ou de serviços para a circulação, ou pela circulação dos bens ou serviços produzidos;

b) Atividade organizada, através da coordenação dos fatores da produção – trabalho, natureza e capital – em medida e proporções variáveis, conforme a natureza e objeto da empresa;

c) Exercício praticado de modo habitual e sistemático, ou seja, profissionalmente, o que implica dizer em nome próprio e com ânimo de lucro.

O que qualifica o empresário, segundo Tullio Ascarelli[15], é uma atividade econômica, ou seja, a natureza (o exercício) da atividade. E esta como sendo uma série de atos coordenados, desenvolvidos no tempo, que visam o mesmo objetivo.

Em se tratando de pessoa física, o que caracteriza a atividade é o efetivo cumprimento dos atos, quanto às pessoas jurídicas, basta o escopo (intenção) da atividade, independentemente da realização ou não do ato. Assim sendo, o que qualifica o empresário, atribuindo tal status a ele, é o exercício da atividade.

A função do empresário é organizar e dirigir o negócio, elaborar o plano geral de produção, fixar as quantidades e qualidades dos produtos a fabricar em razão de uma procura prevista, para isso, reúne ele os fatores de produção e os adapta e controla. Assume o risco geral da empresa, envolto essencialmente em cálculos do preço de custo e de venda, e, sendo o móvel de sua atividade o lucro, deverá suportar as perdas, ocasionais pela má sorte da empresa, ou perceber os resultados de sua boa sorte.

Empresa, portanto, é a atividade econômica organizada. A organização é a união de vários fatores de produção, com escopo de realização de bens ou serviços. O empresário, assim, é quem realiza essa empresa, expressão tomada como sinônimo de atividade.

A noção jurídica de atividade econômica organizada exige o concurso de atividade profissional alheia. Se alguém exercer uma atividade econômica individualmente, não será considerado empresário, à luz do art. 966 do novo Código Civil.

Sendo o regime jurídico das pessoas que trabalharem para o empresário irrelevante para a sua caracterização enquanto sujeito passivo tributário. Ou seja, empresário não é sinônimo de patrão; mas o empresário sempre contrata pessoas para trabalhar, ele sempre organiza o trabalho de outrem. Mas a organização não compreende apenas a contratação de serviços sob regime civil ou trabalhista. Juridicamente, a organização definida no art. 966 é a organização de fatores produção. Abrange capital e trabalho. O capital compreende o estabelecimento, que é o conjunto de bens utilizados pelo empresário na sua atividade econômica (estoque, matéria prima, dinheiro, marcas, automóveis, computadores etc).

Essa organização deve ser profissional. Isso significa que deve ser contínua e com intuito de lucro, objetivando meio de vida. Atos isolados não são empresariais, mesmo que tenham conteúdo econômico. Toda essa atividade organizada deve ter um sentido econômico. Se o objeto não for a produção ou a circulação de bens ou de serviços, não se estará  diante da empresa. Essa é a teoria da empresa.

Isto posto, a forma que reveste o exercício da atividade empresarial pode dar-se individual ou coletivamente, sendo os primeiros os que exercem em nome própria, a conhecida firma individual. Enquanto que os coletivos aqueles que praticam por meio de uma sociedade empresária[16].

No que refere-se às sociedades, o sistema jurídico da empresa congrega assim novos conceitos, que, em função de seu objeto ou da forma societária adotada, poderão ser de duas espécies: sociedade empresária ou sociedade simples, definidas no artigo 982 do Código Civil.

Assim, o sistema jurídico empresarial não distingue mais as pessoas em comerciantes e não comerciantes, mas sim em empresário e não empresário. E, de igual forma, as sociedades civis e comerciais foram substituídas pelas sociedades simples e empresárias. Sendo estas ultimas as titulares de uma empresa, enquanto a sociedade simples, por não contar com uma organização, desenvolve a sua atividade, de forma prevalente, a partir do trabalho dos próprios sócios.

Os reflexos destes conceitos no Direito Tributário determinam alargamento das pessoas caracterizadas como sujeito passivo nos termos do artigo 121 e seguintes do Código Tributário.  Independente de registro ou não da atividade, basta a caracterização como empresário demonstrada pelo artigo 966 do Código Civil, que poderá ser considerado sujeito de tributação.

Assim o  Código Civil consagra a teoria da empresa, que não divide a atividade econômica pelos atos em si considerados (Código Comercial de 1850), mas sim pelo modo em que ela é exercitada.

3.2 - Aspecto Objetivo da Empresa – o estabelecimento

No Código Civil, três complexos envolvendo a empresa  devem ser tratados de forma distintas: a empresa, o empresário e o estabelecimento comercial.

Com relação ao conceito de empresa, trata-se do conjunto de atos realizados a uma finalidade comum que organiza os fatores da produção, para produzir ou fazer circular bens ou serviços, devendo tal atividade gerar riquezas, conforme já explicitado no presente trabalho.

Quanto ao empresário, esta figura passou agora a constar do tratamento legislativo constando do Código Civil, segundo o qual empresário é todo aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços. Assim, reafirmando,  para figurar a condição de empresário, necessário figurar requisitos diversos, onde pode-se citar a organização, a economicidade da atividade e a profissionalidade.

Como último requisito, há de ser citado o estabelecimento. Trata-se este,  de um conjunto de bens ligados pela destinação de constituir o instrumento da atividade empresarial. Abrange tanto bens materiais , como bens imateriais, sendo portanto, é o conjunto de bens que o empresário reúne para exploração de sua atividade econômica.

Daí distinguir – estabelecimento permanente de estabelecimento virtual. O Código Civil considera no artigo 1.142 e seguintes que o estabelecimento é todo complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresário ou por sociedade. E como salienta Celso Marcelo de Oliveira[17], o estabelecimento é o local, a base física onde é realizada à atividade econômica organizada para a produção e comercialização dos bens e serviços. Embora demonstre que  tal dispositivo envolve nova concepção de uma universalidade de direito, diferente do Código Comercial, deve ser ressaltado a discussão doutrinária a respeito do conceito ou o efeito do estabelecimento virtual para efeito de tributária, diferente do estabelecimento permanente.

Para os propósitos da OCDE – art. 5 – o termo estabelecimento permanente significa sede fixa de negócios onde a empresa exerça, no todo ou em parte, as suas atividades. Tal conceito apresentado pode ser denominado como estabelecimento permanente material.

A natureza jurídica do estabelecimento não se confunde com a natureza da empresa (pois não se trata da atividade empresarial), nem com a natureza do empresário (pois não se trata de ente personalizado). O estabelecimento não é pessoa, nem atividade empresarial, é uma universalidade de fato que integra o patrimônio do empresário.

Considerando a absorção pelo Direito Comercial, da Teoria da Empresa, quando da aprovação do Código Civil, ora vigente, e a expressa revogação de grande parte do Código Comercial, que ainda vige em parte, tem-se que toda a atividade comercial e todas as demais atividades que dela decorrem, em específico, a atuação do fisco, devem se adaptar e também absorver tais mudanças.

Como pode ser observado acima, de acordo com a teoria da empresa, não basta a contratação de pessoas, conforme estabelece  o parágrafo único do art. 966 do Código Civil, em uma atividade econômica para a configuração da existência jurídica da empresa. É preciso um elemento a mais, que é o estabelecimento, o conjunto de bens.

Conforme salienta Washingtou Peluso Albino de Souza[18]  os direitos empresariais nacionais têm convivido com esta forma esdrúxula de empresa, que não se configura nos moldes habituais, nem mesmo como estabelecimento ou como filial.

Assim, os aspectos jurídicos relativos à rede de internet alteraram os conceitos clássicos do Direito Tributário, no que se refere ao fato gerador, definição do objeto, momento de incidência, bens corpóreos e incorpóreos, estabelecimento comercial, como já indicado, adquirem contornos diferentes quando os negócios são realizados on-line.

O mercado eletrônico, em sua grande parte ainda carece de disposições de natureza legal,[19] que possam estabelecer qual o tratamento tributário das operações realizadas nos diferentes aspectos que integram a rede mundial de computadores. Muitas são as dúvidas que se apresentam quanto à tributação: Quais operações são passíveis de tributação? Qual o tributo incidente?  Qual o local (estabelecimento) para efeito de tributação? Isto porque, é difícil identificar as pessoas ou as transações no âmbito eletrônico.

As medidas fiscalizatórias e de arrecadação das autoridades tributárias são mais difíceis, porque é necessário saber onde se realiza uma atividade determinada, e na internet é difícil identificar e localizar as pessoas que exercem atividades via rede. Duas são as classes de empresas virtuais: As que se ocupam somente de produtos digitais e outras que tem uma parte virtual de seu processo comercial na economia real. Com isso, a Fazenda Pública poderá ter dificuldade para controlar os ingressos percebidos pelas primeiras e as grandes possibilidades das outras ter uma concentração de renda virtual, localizada num paraíso fiscal.

No Brasil, a natureza jurídica específica dos impostos está determinada pelo fato gerador do correspondente imposto. Não importa para tanto o nome, as características adotadas pela lei e nem o destino legal dos impostos que são pertinentes para a questão. O comércio eletrônico não modifica o caráter de compra e venda de bens e serviços.

Outra dificuldade na tributação do comércio eletrônico será estabelecer os mesmos critérios que permitam definir em que casos se considera que se desenvolvem atividades comerciais dentro de uma determinada jurisdição, e nesse sentido quando considerar que o desenvolvimento das atividades comerciais através da internet implica a presença de um estabelecimento permanente em uma determinada jurisdição tributária. Normalmente os países tributam as empresas ou pessoas físicas estrangeiras a respeito das operações e para tanto, os ingressos, obtidos dentro de sua jurisdição, sendo que estas pessoas, desenvolvem atividades comerciais de forma efetiva na respectiva jurisdição. Para determinar o local da atividade geradora de ingressos em uma determinada jurisdição, é justamente a identificação de um estabelecimento permanente, dentro do território.

Para a doutrina, o estabelecimento permanente importa em um lugar fixo de negócios, mediante o qual uma empresa realiza toda ou parte de sua atividade comercial. Assim é necessário que se configure: O elemento físico, sendo um lugar fixo de atividades; e, o elemento econômico, que requeira a realização de atividades de comércio. A saber qual a definição de estabelecimento virtual?

O atual sistema tributário brasileiro não foi concebido para uma economia que não fosse centrada na produção e propriedade de bens materiais.

O projeto de  Reforma Tributária que tramita no Congresso Nacional, não contempla as inovações tecnológicas da  realidade atual.

4.      Conclusões

A revogação da primeira parte do Código Comercial, com a introdução do Direito de Empresa no  Código Civil, é um avanço que merece destaque especial, ao tornar o comerciante, um empresário voltado para a atividade econômica, possibilitando assim nova leitura que  deve  ser feita em tempos atuais..

É notório que a empresa, independentemente do setor de atuação, domina o panorama da economia moderna, principalmente porque é ela a responsável pela produção e comercialização em massa, e também pelos progressos tecnológicos que utiliza.

Nesse contexto, mostra-se a importância da Teoria da Empresa, voltada para a organização dos fatores de produção que proporcionam a circulação de bens e serviços, com vistas ao lucro, conduzindo a uma reformulação total no entendimento do objeto das sociedades.

Considerando a absorção pelo Direito Comercial da Teoria da Empresa quando da aprovação do Código Civil, e a expressa revogação de grande parte do Código Comercial, que ainda vige em parte, tem-se que toda a atividade comercial e todas as demais atividades que dela decorrem, em específico, a atuação do fisco, devem se adaptar e também absorver tais mudanças.

Neste trabalho foi analisado em específico o conceito de empresa e empresário e estabelecimento, sendo que por empresário deve-se entender quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.[20] Excluindo-se deste conceito quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento da empresa.

Para o fisco, importa a percepção de que, com o advento do alargamento do conceito de empresário e empresa, onde, não mais se exige o atendimento às formalidades de registro, bastando a configuração de atividade economicamente organizada; sua atuação e fiscalização pode e deve, segundo a indisponibilidade das receitas tributárias visto sua natureza pública ser direcionada a identificar as empresas não formalmente organizadas e principalmente, ter claro os conceitos e requisitos do novo direito da empresa para fundamentar sua atividade e eventual autuação.

Para o empresário-contribuinte, importa ter a ciência e consciência da amplitude dada à possível fiscalização tributária, para que não seja surpreendido com um auto de infração, que sequer imaginava ser a atividade que desenvolve passível de tributação, em relação a certos tributos, que até então era exigidos, tão somente das pessoas jurídicas formalizadas.

Vale destacar, pela evolução tecnológica, a necessidade de estabelecer novos direcionamentos na doutrina e na jurisprudência,  aos inovadores tratamentos do conceito de estabelecimento virtual para efeitos tributários. Os ditames do artigo 1.142 do Código Civil, que assevera que o estabelecimento empresarial  é o complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, por empresário ou por sociedade empresária, deve ter novos direcionamentos e interpretações face ao comércio eletrônico, especialmente no que tange às aplicações do Direito Tributário.

5. Bibliografia

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TOKARS, Fabio. Função social da empresa. Direito civil constitucional : situações patrimoniais. Curitiba :Juruá, 2002

 

 


 

NOTAS:

[1] BULGARELLI, Waldírio.   Tratado de direito empresarial.  3. ed. São Paulo :  Atlas, 1997. p.51.

[2] Apud BULGARELLI, Waldírio op. et. loc. , p. 55.

[3] Foi o primeiro documento legal a abarcar de maneira concisa e não em legislação exparsa as atenções doutrinárias da empresa, colocando em vigor um sistema normativo,  presumidamente completo, com um estatuto jurídico qualificador de empresa. Este modelo foi posteriormente seguido por diversas nações como o Brasil, no projeto do novo Código Cívil que contém o Livro II – Da atividade negocial dedicado à regulamentação da empresa.

[4] Deve-se considerar encontra-se em tramite no Congresso Nacional o PL n.º 4376/93, já com redação final, que altera profundamente o processo falimentar.

[5] ALVARES, Manuel de la Camara.   Estudios de Derecho Mercantil.  V.1, Madria : Centro de Estudios Tributarios, p. 18.

[6] BULGARELLI, Waldírio. op. et. loc., p. 69-70.

[7] ESCOBAR, Jorge H.   Derecho Comercial. Assunción : La Ley Paraguaya S/A . 4. ed. , 1997, p.102.

[8] BULGARELLI, Waldírio .  op. et. loc., p. 93.

[9] BULGARELLI, Waldírio .  op. et. loc., p. 100.

[10] BULGARELLI, Waldírio.  op. et. loc. ,p. 109.

[11] ALVAREZ, Manuel de La Camra.  op. et. loc., p.27.

[12] FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro : Renovar, 2000. p. 14.

[13] TOKARS, Fabio. Função social da empresa. Direito civil constitucional : situações patrimoniais. Curitiba :Juruá, 2002. p. 77-95.

 

[14] Artigo 966 do Código Civil brasileiro, Lei n.º 10.406/02

[15] ASCARELLI,  Tullio. Revista de direito mercantil. 109. p. 183.

[16] NEGRÃO, Ricardo Manual de Direito Comercial e de Empresa. Vol. 1., 3ª ed reformulada., São Paulo : Saraiva, 2003, p. 48.

[17]  - Oliveira, Celso marcelo de. Direito Empresarial – à luz do novo Código Civil. LZN, Campinas, 2003, p. 347.

[18]  - Souza, Washington Peluso Albino de. Conceito de Empresa: Um desafio que persiste? Revista Jurídica Consulex, Ano VIII, n. 171, de 29.2.04, p. 60.

[19] - Tramita no Congresso Nacional brasileiro o Projeto de Lei n. 1.589, de 1999,  que dispõe sobre o comércio eletrônico, a validade jurídica do documento eletrônico e a assinatura digital, baseado na LEI MODELO DA UNCITRAL. Em 28 de junho de 2001, o Presidente da República baixou a Medida Provisória nº 2.200, instituindo o ICP-Brasil - Chaves Públicas Brasileiras, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras. Referido documento ignora a experiência internacional sobre o comércio e o documento eletrônico.

[20] Artigo 966 do Código Civil brasileiro, Lei n.º 10.406/02

 


 

(*)  Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina e professora de Direito Internacional da FACCAR-Rolândia-PR

(**) Doutora em Direito Tributário pela PUC/SP. Coordenadora do Curso de  Direito da FACCAR
E-mail: mfat@ldnet.com.br

 


 

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