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Derecho y Cambio Social
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UMA APROXIMAÇÃO NATURALISTA AO ESTUDO DO DIREITO
Atahualpa Fernandez
Marly Fernandez
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Apesar da larga
aceitação da “pureza” das
ciências jurídicas, não existe o menor indício de que o assombro
do entendimento não seja mais desejável frente ao assombro da
“desatenção cega”. Uma filosofia ou ciência jurídica desenvolvida
desde um enfoque naturalista permite enfrentar-se, de forma real e
factível, à evidência de que a natureza humana não somente gera e
limita as condições de possibilidade de nossas sociedades senão
que, e muito particularmente, guia e põe limites ao conjunto
institucional e normativo que regula as relações sociais.
Avaliar o
problema do fenômeno jurídico sob a perspectiva do programa
naturalista iniciado por Charles Darwin na segunda metade do séc.
XIX pressupõe algumas dúvidas: Por que existe o direito? Qual a
função do direito no contexto da existência humana? Como explicar
a evidência de que tenhamos invariavelmente, enquanto espécie,
regras respeitantes à maneira de como devemos conduzir nossas
condutas? De não ser possível responder a estas questões, a
presença do direito no universo do existir humano seguirá sendo um
enigma, sempre aberto as mais disparatadas suposições acadêmicas
ou um incômodo repertório de incompreensíveis e caprichosos
valores, princípios, normas e crenças.
Assim que
começaremos por admitir, em primeiro lugar, que o direito não é um
fim em si mesmo, senão uma estratégia (sócio-adaptativa) ou
artefato cultural que utilizamos para alcançar propósitos
ético-políticos que vão mais além do próprio direito: um grau
tolerável de liberdade, igualdade e fraternidade, isto é, dessas
três virtudes que compõem o conteúdo da justiça e que, em seu
conjunto, constituem diferentes aspectos da mesma atitude
humanista fundamental destinada a garantir o respeito
incondicional da dignidade humana.
Em segundo
lugar, diremos que o desenvolvimento dos sistemas normativos
implicou processos causais gerados pelas inevitáveis colisões de
interesses próprios relativos à convivência social, isto é, de que
criamos um sistema complexo de justiça e de normas de conduta para
canalizar nossa tendência à “agressão” decorrente da falta de
reciprocidade e dos defeitos que emergem dos vínculos sociais
relacionais que estabelecemos ao longo de nossa secular
existência.
Pois bem, uma
explicação darwinista ou naturalista sobre a evolução do direito
supõe que as normas de conduta representaram uma vantagem seletiva
ou adaptativa para uma espécie essencialmente social como a nossa
que, de outro modo, não haveria podido prosperar. Tais normas
plasmaram a necessidade da possessão de um mecanismo operativo que
permitisse plasmar publicamente nossa capacidade ou predisposição
para inferir os estados mentais de nossos congêneres e predizer (e
controlar) a conduta social dos indivíduos, isto é, para antecipar
as conseqüências do comportamento dos demais em empresas que
requerem competição e/ou
cooperação.
Este fenômeno
foi acompanhado por um enorme crescimento do conhecimento social e
da complexidade dos vínculos e estruturas sociais,
permitindo uma interação muito mais intensa e rápida entre
os homens e os grupos sociais e, em igual medida,
exigindo um aumento substancial das normas integradoras da
ação comum. O progressivo aumento da complexidade do intercâmbio
recíproco demandou a possibilidade de oferecer soluções a
problemas adaptativos práticos, delimitando os campos em que os
interesses individuais, sempre a partir das reações do outro,
pudessem ser válida e socialmente exercidos.
Claro que, de
uma maneira geral, resulta impossível fixar uma origem do direito,
nem mesmo se o entendemos da maneira mais ampla e flexível
imaginável. Mas temos sustentado que essa origem tem que ver com
um desafio adaptativo que os seres humanos tiveram que afrontar:
um desafio que nasceu da necessidade humana de entender e valorar
o comportamento de seus congêneres, de responder a ele, de
predizê-lo e de manipulá-lo e, a partir disso, de estabelecer e
regular as mais complexas relações da vida em grupo.
Este tipo de perspectiva acerca da origem e evolução do direito
pode ajudar a compreender o fenômeno presente da moralidade e
juridicidade humana sem desligá-lo de suas origens, isto é, de
nossa continuidade com o mundo animal:
os homens vivem e se
desenvolvem em sociedade não porque são homens, senão porque são
animais.
É certo que
ainda não conseguimos resolver completamente o problema dos
mecanismos com que a evolução biológica e a cultura influíram
sobre a natureza humana, e vice-versa. Mas para entender a
condição humana – e o direito é parte dessa condição e a sua idéia
(idéia de direito) é o resultado da idéia do homem – há que se
compreender ao mesmo tempo a dinâmica, em conjunto, entre o mundo
do corpo/cérebro (dos quais emerge a mente) e o mundo das criações
culturais, isto é, considerar as relações entre nosso cérebro, um
produto da evolução por seleção natural, e a cultura, um produto
de nosso cérebro.
Dito de outro
modo, a idéia do direito fundamentada em uma moral de respeito
mútuo emana e está limitado pela natureza humana: de nossa
faculdade para antecipar as conseqüências das ações, para fazer
juízos imediatos sobre o que está moralmente bem ou mal e para
eleger entre linhas de ação alternativas. Nossas manifestações
jurídicas não são coleções casuais de hábitos arbitrários: são
expressões canalizadas de nossos instintos morais, ou seja, de uma
série de predisposições genéticas para desenvolver-nos
adequadamente em nosso entorno. Dispomos de normas de conduta bem
afinadas porque nos permitem maximizar nossa capacidade de
predizer, controlar e modelar o comportamento social relativo à
reação dos membros de uma determinada comunidade.
Embora o
processo de seleção natural não tenha especificado nossas normas e
valores morais, nos há dotado de uma estrutura neuronal
psicológica capaz de desenvolver uma bússola interna (um instinto
moral) que tenha em conta tanto nossos próprios interesses como as
necessidades, desejos e crenças dos demais, de categorizar a
conduta humana (objetos e indivíduos) em termos de valor (de
favorável ou desfavorável) e de transmitir, de forma acumulativa e
renovada, esta categorização valorativa através da aprovação ou
rechaço social.
Agora: É possível visualizar, desde uma postura
prospectiva, um panorama em que as interpretações naturalistas da
cultura humana produzam uma genuína renovação teórica no âmbito do
jurídico, resgatando a filosofia e a ciência do direito do
isolamento teórico, do hermetismo dogmático e/ou do anacronismo
metodológico a que estas chegaram? Poderão os resultados das
investigações científicas sobre a natureza humana virem a servir
de fonte de informação para a filosofia e a ciência do direito?
Duvidamos por três razões. A primeira é que os
juristas distam muito de estar preparados para que os dados
científicos guiem suas teorias e práticas jurídicas. A segunda
razão pela qual existe resistência à idéia de que a ciência
contemporânea afete ao direito tem que ver com a ameaça percebida
à nossa “imaculada” noção de racionalidade que sem dúvida está
vinculada com o problema da interpretação e aplicação jurídica. A
terceira e última reside na aversão dos juristas em
comprometerem-se com a evidência de que as ciências e as
humanidades, embora continuem tendo suas próprias e separadas
preocupações, são geradas por meio de um elemento material comum:
o cérebro humano.
Mas
uma vez que a maneira pela qual deveríamos viver é um tema que não
pode separar-se completamente dos fatos, de como são as coisas,
não resta dúvida de que as conseqüências dessas investigações
científicas têm grande importância para a ciência jurídica. Traz à
baila, em última instância, a possibilidade de
dar passos significativos no sentido de compreender e admitir que a
natureza humana não somente gera e limita as condições de
possibilidade de nossas sociedades, senão que também guia e
põe limites ao conjunto institucional e normativo que regula as relações
sociais e os sistemas morais concretos.
Afinal, o ser humano é o único
meio através do qual os valores chegam ao mundo. E é precisamente
o cérebro, como uma “máquina causal”, que nos permite dispor de um
sentido moral, o que nos proporciona as habilidades necessárias
para viver em sociedade, para interpretar, tomar decisões e
solucionar determinados conflitos sociais, e o que serve de base
para as discussões e reflexões filosóficas mais sofisticadas sobre
direitos, deveres, justiça e moralidade.
Assim que não deveríamos teorizar ou filosofar sobre o direito para
chegar a saber o que é a justiça ou a virtude, senão para chegar a
ser homens virtuosos e justos, capacidades que surgem da atividade
cerebral, cuja estrutura e função estão diretamente influenciadas
por nossa experiência interpessoal.
E nada disso
deveria surpreender uma vez que o juízo moral - insolitamente
desenvolvido nos humanos - consiste precisamente na capacidade de
pensar nas pessoas e nos motivos que lhes levam a atuar. A
filosofia e a ciência do direito não podem oferecer uma explicação
ou uma descrição do “direito real”, do fenômeno jurídico ou da
racionalidade jurídica, nem menos esgotar-se nelas, porque sua
perspectiva não é primordialmente explicativa nem descritiva,
senão normativa. Podem e devem aprender coisas das ciências da
vida e da mente, na medida em que somente uma compreensão realista
da natureza humana, considerada sob uma ótica muito mais empírica
e respeitosa com os métodos científicos, poderá levar-nos a
reconstruir as melhores e mais profundas teorias acerca do direito
e de sua função na constituição da sociedade.
Contudo, será
igualmente importante que se tenha o devido cuidado à hora de
expressar tal postura, evitando a assunção de que os genes
prescrevem o comportamento humano de uma maneira simples, de um
sobre o outro. Oxalá fosse tudo tão simples. Assim como o
criacionismo ingênuo pode condenar-nos a uma minoria de idade
permanente, assim também quem pensa que a natureza é tudo esquece
que, a esta altura da história, o conceito de natureza resulta
muito complicado: os humanos não são somente o resultado de uma
mescla complicadíssima de genes, neurônios e de sinapses senão
também de experiências, valores, aprendizagens e influências
procedentes de nosso entorno.
Depois, todos
os recentes progressos da ciência relativos à natureza humana não
constituirão o triunfo de qualquer tipo de reducionismo, como
também não é definitivamente certo que um maior e melhor
conhecimento da natureza humana, por si só, nos proporcione
automaticamente uma vida humana mais digna. Ainda que algum dia
cheguemos a compreender profundamente nossa natureza, todos os
processos neuronais que subjazem à empatia humana, ao altruísmo,
ao livre arbítrio, ao sentido de justiça ou à responsabilidade
moral, continuará intacta nossa “perspectiva interna”.
O mistério dos
humanos consiste precisamente em advertir que cada um é um
mistério para si mesmo. As ciências da vida e da mente nos
ajudarão a entender uma série de elementos que configuram o
mistério, mas não o eliminará de todo. Ainda assim, dando por
sentado que o mistério permanecerá sempre, a revolução provocada
por estes novos conhecimentos cambiarão a imagem que temos do
mundo e de nós mesmos, depois de rebaixar uma vez mais o orgulho
dos juristas que nos fizeram (e ainda nos fazem) “ter fé” em
tantas falsidades. Os novos conhecimentos relativos à compreensão
da natureza humana trarão consigo a promessa de cruciais
aplicações práticas no âmbito da compreensão do fenômeno jurídico,
de sua interpretação e aplicação prático-concreta: constituem uma
oportunidade para refinar nossos valores e juízos ético-jurídicos,
assim como estabelecer o reinventar novos parâmetros ontológicos e
critérios metodológicos sobre cimentos mais firmes e consistentes.
Estamos
firmemente convencidos de que já é chegado o momento de voltar a
definir o que é um ser humano, de recuperar e redefinir em que
consiste a natureza humana ou simplesmente de aceitar que o homem
não pode ser contemplado somente como um ser cultural carente de
instintos naturais. E ainda que muitas perguntas sigam sem
resposta, podemos pelo menos aduzir novas interpretações para
sustentar ou refutar os velhos problemas que até agora permanecem
no limbo da filosofia e da ciência do direito.
O que nos
ensinam do mundo jurídico é minúsculo em comparação com a
imensidade do real que ainda somos incapazes de perceber. Talvez
por isso resulte tão difícil transcender as fronteiras e as
limitações dos “dogmas do momento” aos quais, de uma maneira ou
outra, os juristas continuam atados, e que nos cegam ante a
evidência de que direito não poderá seguir suportando, por muito
mais tempo, seus modelos teóricos elaborados sobre construções
especulativas da natureza humana.
O objetivo de
uma boa formação jurídica deveria ser o de fomentar a virtude de
compreender melhor a natureza humana e, a partir daí, tratar de
fomentar a elaboração de um desenho institucional e normativo que
permita a cada um conviver (a viver) com o outro na busca de uma
humanidade comum. O modo como se cultivem determinados traços de
nossa natureza e a forma como se ajustem à realidade configuram
naturalmente o grande segredo do fenômeno jurídico e da justiça e, conseqüentemente, para a dimensão essencialmente humana da tarefa de elaborar, interpretar, justificar e
aplicar o direito. Enfim, de um direito que há de servir à
natureza humana e não ao contrário.
Pós-doutor
em Teoría Social, Ética
y Economia pela Universidade Pompeu Fabra; Doutor em Filosofía Jurídica,
Moral y Política pela Universidade de Barcelona;
Mestre em Ciências
Jurídico-civilísticas pela
Universidade de Coimbra; Pós-doutorado e
Research Scholar do Center for Evolutionary
Psychology da University of California/Santa
Barbara;Research Scholar da Faculty of Law/CAU-
Christian-Albrechts-Universität zu Kiel-Alemanha;Especialista em Direito Público pela UFPa.; Professor Colaborador
Honorífico (Livre Docente) e Investigador da
Universitat de les Illes Balears/Espanha
(Etologia, Cognición y Evolución Humana /
Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo
de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al
IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física
Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB; Membro
do Ministério Público da União /MPT (aposentado);
Advogado.
Doutora em
Humanidades y Ciencias Sociales (Cognición y
Evolución Humana)/ Universitat de les Illes
Balears- UIB/Espanha; Mestra em Cognición y
Evolución Humana/ Universitat de les Illes
Balears- UIB/Espanha; Mestra em Teoría del
Derecho/ Universidad de Barcelona- UB/ Espanha;
Investigadora
da Universitat de les Illes Balears/Espanha (Etologia,
Cognición y Evolución Humana / Laboratório de
Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y
Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC
(CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y
Sistemas Complejos/UIB.
atahualpaf@yahoo.es
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