Derecho y Cambio Social

 
 

 

 

NOTAS SOBRE OS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO PROCESSO CIVIL

Julio Pinheiro Faro Homem de Siqueira*

 


 

1. FINALIDADE, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O recurso de embargos de divergência, ou simplesmente recurso de divergência, é, como todos os demais recursos, um instrumento processual colocado à disposição das partes, do órgão do Ministério Público e de terceiro prejudicado, para viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a uniformização da jurisprudência interna do STF ou do STJ.

Os embargos de divergência têm por objetivo promover a uniformização da jurisprudência interna do STF ou do STJ quando divergirem, as turmas entre si ou uma turma e outro órgão colegiado (seção, órgão especial ou plenário), quanto à interpretação de direito federal (ORIONE NETO, 2006, pp. 562-565; SOUZA, 2004, p. 685). Note que a decisão embargável deve sempre envolver uma turma. Ora, como é sabido, o STJ tem seis turmas e o STF, duas; é confortavelmente possível que duas turmas, “ao julgarem questões idênticas ou similares, podem chegar a resultados distintos”, o que, convenha-se, viola a segurança jurídica, por isso intenta-se a uniformização interna corporis do STF ou do STJ (MATTOS E SILVA, 2003, p. 173).

Portanto, o objetivo dos embargos de divergência é o de uniformizar a aplicação das leis, promovendo o fim das controvérsias quanto à interpretação das normas jurídicas, e não o de proporcionar o simples reexame das questões de fato. Aliás, assim escreve Humberto Theodoro Júnior (1999, p. 256): “os embargos de que trata o art. 546 do CPC, reintroduzido pela Lei n. 8.950/1994, pressupõem o conflito de decisões, daí tomarem o nome de embargos de divergência”.

Elpídio Donizetti Nunes (2003, p. 324) traz algumas características dos embargos de divergência: nos embargos de divergência, ao contrário dos embargos infringentes, a divergência é externa; têm por “finalidade precípua impugnar e corrigir a decisão recorrida”, ao contrário do incidente de uniformização de jurisprudência, o qual, além de não ser recurso, tem “apenas o objetivo de prevenir divergência de julgados”; por fim, “visam a eliminar divergência no seio do próprio tribunal, ao passo que os recursos especial e extraordinário objetivam a uniformização das interpretações dadas [...] pelos diversos tribunais do País”.

Nessa mesma esteira, Barbosa Moreira (2006, p. 632) destaca: “o recurso previsto no atual art. 546 [...] nada tem a ver, na substância, com os embargos infringentes [...] nem com os embargos de declaração [...]. Sua finalidade é análoga à do recurso de revista do direito anterior: propiciar a uniformização da jurisprudência interna do tribunal quanto à interpretação do direito em tese”.

2. PRINCIPAIS EFEITOS

É certo que os embargos de divergência têm, assim como todo recurso, efeito obstativo (porque obstam o trânsito em julgado da decisão recorrida) e efeito devolutivo (porque devolvem ao Tribunal a análise da matéria impugnada).

Doutrina minoritária entende que o recurso de divergência não possui efeito suspensivo. Alexandre Freitas Câmara (2006, p. 142), por exemplo, escreve: “há que se afirmar que, apesar de silente a lei quanto à produção ou não do efeito suspensivo, e mesmo lembrando que, como regra, o efeito suspensivo só não se produz se a lei o exclui expressamente, somos levados a afirmar que os embargos de divergência são desprovidos de tal efeito. Dizemos isto porque este recurso só é cabível contra decisões proferidas em recurso especial e em recurso extraordinário, sendo certo que estes recursos são desprovidos de efeito suspensivo”.

Contudo, tem prevalecido a orientação jurisprudencial e doutrinária de que “os embargos de divergência suspendem a eficácia do acórdão embargado, se neste houver provimento do recurso extraordinário. Suspendem os efeitos do acórdão embargado, e não da decisão de grau inferior, atacado pelo recurso especial ou extraordinário” (SHIMURA, 1997, p. 427).

3. CABIMENTO E PROCEDIMENTO

Os embargos de divergência, por força de lei federal, são cabíveis apenas em sede de recurso especial e de recurso extraordinário, isto é, apenas no âmbito do STJ e do STF, respectivamente. Pela simples leitura do artigo 496, VIII, do CPC, chega-se a tal conclusão: são cabíveis os “embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário”. Mas não basta isso, é preciso ir mais além para se poder verificar o cabimento do recurso de divergência, é preciso conferir o artigo 546 do CPC, que diz: “é embargável a decisão da turma que: I – em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial; II – em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário”.

Assim estabelecerem Didier Júnior e Carneiro da Cunha (2007, p. 286): “em resumo, para que caibam os embargos de divergência, é preciso que: a) tenha havido decisão colegiada, ou seja, um acórdão, não sendo possível interpor embargos de divergência contra decisão isolada de relator; b) o acórdão tenha sido proferido por Turma; c) esse acórdão tenha decidido um recurso especial (no STJ) ou um recurso extraordinário (no STF)”.

A divergência, para o cabimento do recurso ora estudado, deve ser atual, como, aliás, se pode depreender dos entendimentos sumulados: conforme a súmula 168 do STJ, “não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado”; e a súmula 247 do STF estabelece a orientação de que “o relator não admitirá os embargos da Lei n. 623, de 19-02-1949, nem deles conhecerá o Supremo Tribunal Federal, quando houver jurisprudência firme do Plenário no mesmo sentido da decisão embargada”. Na mesma esteira a súmula 158 do STJ, que diz: “não se presta a justificar embargos de divergência o dissídio com acórdão de Turma ou Seção que não mais tenha competência para a matéria neles versada”. Assim escrevem Theotonio Negrão e José Roberto Gouvêa (2005, p. 659): “se a Turma alterou sua orientação, suas decisões anteriores já não servem como padrões de confronto para justificar o cabimento de embargos de divergência”.

Também é preciso para o cabimento do recurso de divergência que haja identidade fática e dissidência jurídica. Walter Vechiato Júnior (2000, p. 482) assim escreve: “os embargos divergentes ensejam identidade fática e tese jurídica diversa, a fim de pacificar o costume judiciário do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal acerca das teses jurídicas sobre direito federal e direito constitucional”.

Estabelece o artigo 541, parágrafo único, do CPC: “quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que tiver sido publicada a decisão divergente, ou ainda pela reprodução de julgado disponível na internet, com indicação da respectiva fonte, mencionando, em qualquer caso, as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”.

Escreve Luiz Orione Neto (2006, p. 568) que, “para a comprovação da divergência, é mister a demonstração analítica do dissídio jurisprudencial”; isto é: “a utilização dos embargos de divergência reclama, sob pena de liminar recusa de seu processamento, que o dissídio interpretativo seja demonstrado de forma clara, objetiva e analítica, mencionando-se as circunstâncias que identificam ou tornam assemelhados os casos em confronto. Não basta, para esse efeito, a mera transcrição das ementas dos julgados invocados como referência paradigmática”.

Portanto, a parte tem o ônus de demonstrar devidamente (de forma clara e precisa) o dissídio, apresentando os julgados, comparando-os e apontando e fundamentando a divergência entre ambos. De se dizer, portanto, que é requisito específico dos embargos de divergência a descrição pelo recorrente da divergência entre as teses jurídicas de um acórdão e de outro, observando-se que tal dissídio deve ser atual (ou seja: é necessário transcrever a data de julgamento e de publicação no diário oficial de cada julgado). “Há que se recordar, por fim, que [...] o fato de uma turma do STJ ter dado ao direito objetivo interpretação diversa da que lhe deu o STF (e vice-versa) não torna cabíveis os embargos de divergência” (CÂMARA, 2006, p. 143).

De acordo com o artigo 508 do CPC, os embargos de divergência devem ser interpostos dentro do prazo de quinze dias, de modo que o procedimento é estabelecido pelos regimentos internos do STJ e do STF, sendo, também, de quinze dias o prazo para resposta.

REFERÊNCIAS

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil: volume V. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito processual civil: volume II. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

DIDIER JÚNIOR, Fredie; CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. Curso de Direito processual civil: volume 3: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2007.

DONIZETTI NUNES, Elpídio. Curso didático de Direito processual civil. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

MATTOS E SILVA, Bruno. Prequestionamento, recurso especial e recurso extraordinário – roteiro para a advocacia no STJ e no STF. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 37ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

ORIONE NETO, Luiz. Recursos cíveis. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

SHIMURA, Sérgio Seiji. Embargos de divergência. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa Celina (coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de processo civil anotado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

VECHIATO JÚNIOR, Walter. Tratado dos recursos cíveis. 1ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.

 


 

 


 

* Bacharelando em Direito pela FDV

Editor da Panóptica – Revista Eletrônica Acadêmica de Direito

http://www.panoptica.org

julio@panoptica.org

 


 

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