Derecho y Cambio Social

 
 

 

A DISCUSSÃO PRÁTICA DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL

Ricardo Maravalhas de Carvalho BARROS*

Lourival José de OLIVEIRA**


 

RESUMO

Com o presente artigo buscou-se trazer os aspectos jurídicos da função social da propriedade rural, seus requisitos constitucionais e a míope discussão prática sobre o tema. Abordou-se, inicialmente, o pensamento clássico ocidental, desde a visão da propriedade como direito absoluto, até sua evolução atingindo o estágio atual. Em seguida o tema função social foi localizado no plano constitucional definindo seus requisitos válidos. Concluiu-se com o presente artigo que há hoje, em nossa sociedade, equivocada discussão prática quanto à exigência e ao cumprimento da função social, especialmente pelas partes envolvidas, quer sejam os proprietários rurais, os trabalhadores rurais, o INCRA ou o judiciário. Desta forma, em virtude do desvio de discussão, o artigo 186 da Constituição Federal torna-se letra morta, deixando-se de ser aplicado e, por conseqüência, há o atravancamento da reforma agrária no país por absoluta falta de terra desapropriável. 

Palavra chave: Função social; Propriedade rural.

 

ABSTRACT

The present article has tried to bring the judicial aspects of the social function in the rural property, its constitutional requirements and the myope practical discussion about this subject. At the beginnning, we've focussed the classical westerner thoughts, since the property was believed to be an absolut right, to its evolution up to now. After that, the subject social function was located in the constitutional plan defining its valid requirements. It was concluded in the present article that there is today, in our society, wrong practical discussion in the accomplishment of the social function, especially by the involved parts, such as the property owners, the workers,INCRA and the judicial. This way, because of the divert in the discussion, the 186 article of the Federal Constitution has become a dead word, not being applied and consequently, there is the obstruction of the agrarian reform in the country for an absolut lack of condemning land.

 

Key words: Social Function; Rural Property

 

1. Introdução

            A discussão em torno da função social da propriedade rural há tempos tem obtido grande importância, principalmente pelas partes envolvidas, sendo elas os movimentos sociais não, os proprietários de terras rurais, o INCRA, o Judiciário entre outros.

            Ocorre que a discussão como está posta, acaba por encobrir as possibilidades práticas deixadas pelo poder constituinte de 1988. As partes interessadas apenas e tão somente discutem os aspectos econômicos da função social da propriedade rural, dando ênfase aos índices de produtividade.

            Não se vê atualmente sendo colada em discussão os outros aspectos intrínsecos a função social descritos no artigo 186 da Constituição Federal, tais como o respeito à legislação ambiental, as relações de trabalho, ao desenvolvimento social regional, a dignidade da pessoa humana.

            Pretende-se, com esse trabalho, demonstrar que há, por força legal, inúmeras possibilidades de desapropriação de propriedade rurais para fim da reforma agrária que não somente aquelas possibilidades lastreadas nos índices econômicos de produtividade o que, se implementado, trará benefícios sociais a todo o país.

2. - Conceito de propriedade da terra através da evolução do pensamento ocidental

            Para se compreender a razão da existência da propriedade privada na sociedade, a razão de sua proteção, bem como a evolução dessa proteção, em primeiro lugar se faz necessário buscar nos clássicos modernos o pensamento jurídico acerca da propriedade privada, e a evolução desse pensamento até chegar ao conceito hoje utilizado em quase todos os sistemas jurídicos vigentes.

            Até o fim do século XIX o Estado era visto e concebido de forma que o homem fosse o centro do direito absoluto e individual, entendia-se que para a validade do direito e da regulação da vida em sociedade a propriedade e sua relação com o homem desempenhavam papel central de interesse exclusivamente privado e individual.

            Nessa época vários pensadores afloravam no mundo ocidental, podendo-se citar, inicialmente, Thomas Hobbes[1] para quem os indivíduos têm um desejo natural de se tornarem proprietários, porém a propriedade deve ser fonte de um pacto válido.

            A teoria hobbesiana é de singular importância ao tema ora discutido no sentido de que seu pensamento trouxe a necessidade intersubjetiva do homem em ser proprietário.

            Segundo Hobbes essa condição acaba por criar entre os homens um estado permanente de guerra, onde se acaba confundindo direito e lei, necessitando então de regulamentação através de contratos e da propriedade.

Dado que a condição do homem – conforme foi declarado no capítulo anterior – é uma condição de guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado por sua própria razão, não havendo nada de que possa lançar mão, que não possa lhe servir de ajuda para a preservação de sua vida contra seus inimigos, segue-se que em tal condição todo homem tem o direito a todas as coisas, incluindo os corpos dos outros. Ora, enquanto perdurar esse direito de cada homem a todas as coisas, não poderá haver para nenhum homem – por mais forte e sábio que seja – a segurança de viver o tempo que geralmente a natureza permitem aos homens viver[2].

            Nota-se que na teoria aqui levantada a propriedade passa a ser meio de pacificação social, regra geral da razão humana segundo o próprio pensador clássico aqui discutido: “É preceito ou regra geral da razão, que todo homem deve se esforçar pela paz (...)[3]”.

            Hobbes entendia que, ao sair do estado da natureza para que se viabilizasse a paz social, a propriedade seria necessária e indispensável.

De tal modo que a natureza da justiça consiste em respeitar os pactos válidos, mas a validade dos pactos não tem princípio senão com a constituição de um poder civil suficiente a constranger os homens a mantê-los; e é, então, portanto, que têm princípio à propriedade[4].

            Em síntese, segundo a teoria em questão a propriedade é valida se for fonte de um pacto válido entre as partes, sendo a mesma propriedade um dos princípios basilares para constituição do Estado.

            Não menos brilhante que Hobbes, Locke[5] ensinou inicialmente que propriedade para ter algum valor seria necessário à aplicação do trabalho humano sobre a terra, pois a terra sem trabalho humano não possuía qualquer valor, pertencendo a todos os que estão no estado de natureza.

Embora a terra e todas as criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, ainda assim todo o homem tem uma “propriedade” em sua própria “pessoa”. Ninguém tem direito algum sobre ela a não ser ele mesmo. O “trabalho” de seu corpo e a “obra” de suas mãos podemos dizer, são propriamente dele. Então, tudo o que ele retire do Estado que a natureza proporcionou, misturando-o ao seu trabalho e juntando-lhe algo que é seu, converte-se por isso em propriedade sua[6].

            A terra somente torna-se propriedade privada através do trabalho que o homem empreende sobre a mesma para obtê-la e para obter seus frutos.

            Mais adiante, finalizando o capítulo acerca da propriedade, indicando a evolução do homem, do Estado e da própria propriedade, de certa forma da própria sociedade ocidental, Locke admite que a posse da terra superior a própria força do trabalho humano, com direito ao comércio da produção excedente e o dever de regulamentação por uma constituição positiva, ante a importância da propriedade para a sociedade.

Como, porém, o ouro e a prata, sendo pouco úteis para a vida do homem em comparação com o alimento, o vestuário e o transporte, só derivam seu valor de consentimento dos homens – do qual o trabalho ainda constitui, em grande parte, a medida - é claro que o consentimento dos homens concordou com a posse desproporcional e desigual da terra – quero dizer, fora dos limites da sociedade e do pacto; pois nos governos as leis a regulam. E, por consenso encontram uma maneira – e com ela concordam – de que o homem pudesse possuir, de maneira legítima e sem dano, mais do que podia usar, recebendo pelo excedente ouro e prata, que continuam por longo tempo na posse de um homem sem se deteriorar, e concordaram esses metais deveriam ter um valor.[7] 

            Assim como Hobbes, Locke também reconhece, em sua obra, a importância da propriedade para a manutenção da paz social, sendo vital para a sobrevivência pacífica do homem na terra.

            Por seu turno, Rousseau[8] também influenciou o mundo moderno e, para este, a propriedade era reconhecida como essencial para a pacificação social, sendo resultado da lei resultante de um pacto social válido e existente.

Todo o homem tem naturalmente direito a tudo o que lhe é necessário; mas o ato positivo que o torna proprietário e algum bem o exclui de todo o resto; estando feita a sua parte, a ela se deve limitar, e não tem mais direito à comunidade. Eis porque o direito de primeiro ocupante, assaz débil no estado de natureza, é para todo o homem civil, respeitável; respeita-se mais nesse direito o que não é nosso que o dos outros[9].

            Mesmo que de forma tímida, quase sutil, é possível perceber na obra de Rousseau um pequeno viés social que este dá à propriedade. Trata-se de uma pequena centelha em que o pensador reconhece que a propriedade é subordinada não só pelo interesse individual, mas também pelo interesse que a sociedade tem sobre todos os interesses individuais.

Qualquer que seja a forma de aquisição, o direito que cada indivíduo tem sobre seu patrimônio está sempre subordinado ao direito que a comunidade tem sobre todos; sem isso não haveria estabilidade no vínculo social, nem força verdadeira no exercício da soberania[10].

            Rousseau não exclui o que já afirmavam outros autores, de que os homens têm direito a condições dignas de sobrevivência, este para o autor é um direito natural, todavia, é uma ação positiva, dentro de um interesse comunitário sobreposto ao individual, que o torna proprietário.

            Através das idéias de Rousseau a propriedade da terra passou a ser regulamentada juridicamente, devendo ser preservada por lei.

            A filosofia individualista tornou-se perfeitamente conveniente para os capitalistas produtores que começavam a entrar no ramo do comércio. A partir disso, as relações entre os homens passaram a ser vistas cada vez mais sob uma perspectiva de conflitos de interesses individuais e não de integração social com base em valores e normas.

           

            Com a evolução natural do direito, que possui como dever máximo e desafiador, o acompanhamento da evolução social sob pena de se tornar ineficaz ao seu fim, surgiu corrente contra a absoluta força da propriedade e do homem individual, aclamando-se primeiro a destituição da propriedade privada em decorrência da propriedade estatal.

            O paradigma do Estado Social foi sendo lentamente construído a partir da década de 30 do século XIX, através de movimentos em defesa da classe e dos interesses operários.

             Em meados do século XIX, Marx e Engels através da edição do Manifesto do partido comunista[11] e do festejado “Manuscritos econômicos e filosóficos” negaram totalmente o conceito de propriedade privada, principalmente a agrária, e a todos os outros bens de produção. Marx, aliás, apostava no comunismo que permitiria “a eliminação positiva da propriedade privada como auto-alienação humana e, desta forma, a real apropriação da essência humana pelo e para o homem”[12].

            Segundo Ana Frazão de Azevedo Lopes[13] o comunismo surgiu como uma forma de suplantar a auto-alienação e assegurar a plenitude do homem. Para o comunismo, a sociedade burguesa ancorada e legitimada pelo estado liberal, longe de ter abolido diferenças, estabeleceu novas classes, novas condições de opressão, novas formas de lutar no lugar das antigas.

            Assim, num passo adiante às idéias marxistas, como um peso mediano fazendo força de contra ponto às idéias socialistas e liberais, surge a idéia de que para superar a crise social existente, estabelecida pelo Estado Liberal, seria necessário uma reforma social.

                                              

            Tal passo foi dado no século XX, na esteira do pensamento de Augusto Comte[14], pai do positivismo sociológico, segundo o qual a ciência deveria se basear exclusivamente nos fatos positivos observados e identificados pelas leis causais. Comte propôs, segundo Ana Frazão de Azevedo Lopes[15], resolver a crise do mundo moderno por meio do estudo das leis da sociedade, a partir das quais se poderia estabelecer um sistema de idéias científicas que presidiria a reorganização social.

            Seguindo na esteira de Comte, importante lembrar do pensamento de Leon Duguit[16] para quem a propriedade nada mais era do que produto momentâneo da evolução social, sendo o direito do proprietário limitado pela missão social que lhe incumbe. Aliás, segundo Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber[17], a Duguit é devida à difusão do termo “função social da propriedade”.

 

Com a concepção da propriedade direito natural, fica-se ao mesmo tempo na impossibilidade de limitar o exercício do direito de propriedade. A propriedade individual deve ser compreendida como um fato contingente, produto momentâneo da evolução social; e o direito do proprietário, como justificado e ao mesmo tempo limitado pela missão social que lhe incumbe em conseqüência da situação particular em que se encontra[18].

            Os pensamentos sociais acima citados acabaram por influenciar a legislação moderna de inúmeros países, dentre estes o próprio Brasil que, desde 1946 traz no corpo de suas constituições o aspecto funcional; porém, a partir de 1988, com a promulgação da constituição cidadã, assim denominada por Ulisses Guimarães[19] passou a disciplinar o princípio da função social como direito e garantia fundamental.

Com o advento da Carta Magna de 1988, ganha relevo a questão da função social na cena jurídica. As discussões doutrinárias passam a focar o tema a partir de sua base constitucional. De fato a Constituição Federal, ao adotar o princípio da função social, retomou a discussão da finalidade social do próprio direito[20].

            A partir de 1988 o ordenamento pátrio positivou a função social em inúmeros artigos constitucionais que disciplinavam o direito de propriedade e seu dever para com a função social, o que mais tarde, a partir de sua base, por força hierárquica, influenciaram inúmeras leis infraconstitucionais.

3. - A função social da propriedade rural na Constituição Federal brasileira

            Em 1919 com a promulgação da Constituição de Weimar a função social da propriedade apareceu inserida dentro de um texto normativo, precisamente no art. 153. Referido texto criado sob influência dos pensadores acima descritos acabou por influenciar os ordenamentos jurídicos de vários países, sendo certo que em 1946 a Constituição Federal trazia em seu corpo o artigo 147 que se assemelhava muito, segundo Tepedino e Schreiber[21], ao texto de Weimar.

            O texto em questão acabou por ser repetido pela Constituição de 1967 que elevou a função social à categoria de princípio da ordem econômica e social.

No ordenamento jurídico brasileiro, desde a Constituição democrática de 1946, a propriedade perdeu o caráter de direito absoluto de uso, gozo e disposição de seu titular. A partir de então, a função social passou a figurar como elemento constitutivo do conceito jurídico de propriedade[22].

            Já a festejada Constituição de 1988 que inaugurou no país o Estado Democrático de Direito, trouxe dentro de seu texto final a positivação do princípio da função social da propriedade rural que está inserida como garantia fundamental e como princípio da ordem econômica, nos seguintes termos.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

             (...)

             XXIII - a propriedade atenderá a sua função social

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

              (...)

              III - função social da propriedade.

            Desta forma, constitui princípio ordenador da propriedade privada e fundamento da atribuição deste direito, incidindo sobre seu próprio conteúdo.

            Ocorre que a Constituição dispõe, ainda, sobre a função social da propriedade no capítulo específico inerente à política agrária, afirmando que:

Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I – aproveitamento racional e adequado;

II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

            Para alguns autores o tema e o princípio da função social estão dispostos no ordenamento pátrio há tempos, muito antes da promulgação da Constituição de 1988. Ocorre, porém, como muito bem coloca Cristiane Lisita Passos[23], não se tratava da função social como hoje é entendida e conceituada nos termos do artigo 186 e seus incisos, mas tão somente de lei com caráter puramente econômico com vistas à produtividade.

A função social no direito brasileiro vem de longa data, da época das Sesmarias, quando as leis de Portugal, Ordenações Filipinas e Manoelinas, resguardavam o uso do solo com vistas à sua melhor produtividade. Entretanto, é necessário frisar que havia preocupação somente com a produtividade, não se observando outros elementos como a preservação dos recursos naturais, conforme parâmetros atuais.[24]

 

            Quanto à questão puramente econômica cabe aqui tecer comentário que atrasados doutrinadores ainda insistem, demonstrando uma visão míope, que a função social é cumprida quando a propriedade rural atinge índices de produtividade, jogando no lixo os deveres constitucionalmente impostos á propriedade rural quanto ao bem estar coletivo, dos trabalhadores e do meio ambiente.

4. – Conceito de função social da propriedade rural

            Uma vez localizado em nosso ordenamento constitucional o princípio da função social da propriedade rural, neste ponto se faz necessária uma precisa conceituação deste princípio para que se possa visualizá-lo, caracterizá-lo e dimensioná-lo, inclusive quanto às suas repercussões.

 

            O direito de propriedade, aliás, encontra-se assegurado ao indivíduo em quase que a totalidade das leis do mundo e, na maioria dos casos, condicionado a função social que lhe é inerente. 

            Nesse diapasão, a Constituição de 1988 garante através de seu artigo 5., inciso XXIII o direito de propriedade; porém, o faz de forma relativa e condicional ao cumprimento da função social da propriedade, artigo 184.

(...) da mesma forma que é conferido um direito subjetivo para o proprietário reclamar a garantia da relação de propriedade, é atribuído ao Estado e à coletividade o direito subjetivo público para exigir do sujeito proprietário a realização de determinadas ações, a fim de que a relação de propriedade mantenha sua validade no mundo jurídico.[25].

            Apesar de alguns autores entenderem que o termo função social da propriedade é vago e indeterminado, o que reflete o pensamento míope e minoritário, senão quase que extinto, inúmeros pensadores vêm definindo o instituto de forma clara e precisa.

            Antônio C. Vivanco, citado por Grace Virginia Ribeiro de Magalhães Tanajura, assim define o instituto da função social da propriedade:

La función social es mi más ni menos que el reconocimento de todo titular del domínio, de que por ser um miembro de la comunidad tiene derechos y obligaciones com relación a los demás miembros  de ella, de manera que si él há podido llegar a ser titular del domínio, tiene lá obligación de cumplir com el derecho de los demás sujetos, que consiste em no realizar acto alguno que pueda impedir u obstaculizar el bien de dichos sujetos, o sea, de lá comunidad. El direto a la cosa se manifesta concretamente em el poder de usaria y usufructaria. El deber que importa o comporta la obligación que se tiene com los demás sujetos se traduce em la necessidad de cuidarla a fin de que no pierda su capacidad productiva y produzca frutos em beneficio del titular e indirectamente para satisfaccíon de lãs necessidades de los demás sujetos de la comunidad[26].

            Já Antônio José de Mattos Neto ensina que: A função social é paradigma que congrega duas atribuições: a social propriamente dita e a econômica. Ambos os aspectos – o social e o econômico – fazem parte do conceito função social da propriedade[27].

            Nota-se que ambos os doutrinadores acima são enfáticos ao trazerem para dentro do princípio da função social, a obrigação social e, não somente a obrigação econômica. Ou seja, visa o bem estar coletivo no sentido mais amplo que se possa dar a palavra, relegando ao segundo plano o interesse individual.

            No entendimento de Luciano de Souza Godoy:

A propriedade agrária, como corpo, tem na função social sua alma. Se a lei reconhece o direito de propriedade como legítimo, e assim deve ser, como é da tradição de nosso sistema, também condiciona ao atendimento de sua função social. Visa não só o interesse individual do titular, mas também ao interesse coletivo, que suporta e tutela o direito de propriedade. A propriedade agrária como bem de produção, destinada à atividade agrária, cumpre função social quando produz de forma adequada, respeita as relações de trabalho e também observa os ditames de preservação e conservação do meio ambiente[28].

            Destacam-se, assim, fazendo coro as palavras de Cristiane Lisita Passos[29], três princípios a serem cumpridos pelo proprietário rural no que tange a função social do imóvel rural: o ecológico, o social e o econômico.

           Segundo Tepedino e Schreiber[30], a doutrina italiana soube conceituar a função social não como categoria oposta ao direito subjetivo, mas como um elemento capaz de alterar-lhe a estrutura, atuando como critério de valoração do exercício do direito.

            Diante da conceituação acima transcrita, resta evidente, que há cumprimento da função social da propriedade rural, de forma ampla e genérica, quando se cumpre à legislação fundiária, agrária, ambiental, trabalhista, tributária e civil.

            Ou seja, função social da propriedade rural nada mais é do que a função/obrigação constitucional que a propriedade rural tem de, na forma da legislação em vigor, promover o crescimento econômico e social de todos aqueles que dela dependam respeitando-se o meio ambiente e as relações de trabalho.

5. – Função social da propriedade rural e o conflito de requisitos expressos nas normas superiores

            Muito se debate hodiernamente quanto ao descumprimento da função social e seus respectivos efeitos. Acalorada discussão existe quanto à aplicação do artigo 184 da Constituição Federal no caso da propriedade rural descumprir alguns ou um único dos requisitos da função social e, ao mesmo tempo, ser produtiva.

            O artigo 184 da Constituição Federal, precisamente determina que:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins da reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social (...)

            De forma clara que, segundo o artigo 184 da Constituição Federal, uma vez não cumprida a função social, o imóvel descumpridor fica suscetível de ser desapropriado por interesse social para fins da reforma agrária nos termos da legislação infraconstitucional, dentre elas cita-se a lei n. 8.629 de 25 de fevereiro de 1993 e a lei complementar n. 76 de 06 de julho de 1993.

            Entretanto, no mesmo plano superior das normas, precisamente o artigo 185, em seu inciso II veda a desapropriação de imóvel rural apenas produtivo.

Art. 185. São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária:

(...)

II – a propriedade produtiva

(...)

            No mesmo plano hierárquico, com mesma data e mesma especificidade, há duas normas constitucionais conflitantes, sendo uma que determina a desapropriação por interesse social para fins da reforma agrária do imóvel rural que não cumpra, de forma simultânea, os requisitos da função social definida no artigo 186 da Constituição Federal; e, de outra borda, outra norma que veda aludida desapropriação pelo simples critério da existência ou não do cumprimento de índices economicistas (produtividade). Sem dúvida alguma, tal fato caracteriza-se como sendo uma antinomia jurídica.

            Tércio Sampaio Ferraz Jr. citado por Maria Helena Diniz traz em seus ensinamentos, de forma precisa, o conceito de antinomia real:

A oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado[31].

            Utilizando das felizes palavras de Joaquim Modesto Pinto Junior e Valdez Adriani Farias[32], não resta dúvida que a celeuma posta se resolve através da interpretação sistemática, não se esquecendo que o ordenamento jurídico deve ser considerado como um todo informado por princípios explícitos e implícitos, e que a integração isolada de uma norma pode deturpar seu verdadeiro significado, até mesmo podendo resultar num sentido que possa ir contra os fins da ordem jurídica.

            Não se pode esquecer que a Constituição Federal seguiu os princípios da função social como um todo, conforme bem explanado no item 1 (um) deste trabalho, acompanhando a própria evolução do direito e social.

            Através de uma análise sistemática da Constituição Federal (art. 5. XXIII, art. 7., art. 170 III, art. 184, e o art. 186), verifica-se que o espírito do texto albergou a evolução do direito através dos tempos, contemplando os fatores sociais aclamados por Comte e Duguit; aliás, trata-se de Constituição instituidora do Estado Democrático de Direito que possui como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1. III).

            Desta feita, aceitar como válida e norma impeditiva da desapropriação, o artigo 184 II da Constituição Federal, e considerar como único requisito válido da função social a questão econômica, relegando para o ostracismo os demais requisitos intrínsecos do artigo 186 da Constituição Federal que contemplam os valores sociais do trabalho (art. 1. IV e 7.), os valores ambientais (art. 225) entre outros inúmeros que são protegidos pela Lei Maior, é rasgar a própria constituição federal e negar a existência do Estado democrático de direito.

Como se vê, a Constituição dá conteúdo positivo à função social, condicionando a legitimidade do domínio ao atendimento, pelo titular, de valores sociais e existenciais não proprietários, notadamente no que concerne às relações de trabalho e ao meio ambiente[33].

            Analisando o confronto em questão, Marcelo Dias Varella alerta que:

(...) Logo, ao se considerar como princípio a suficiência apenas do primeiro requisito para o cumprimento da função social como excludentes dos demais, conclui-se que os outros três incisos (art. 186 II, III e IV) não teriam qualquer utilidade, embora presentes no texto constitucional, não poderiam servir de critério para averiguação do cumprimento da função social da propriedade e por conseqüência da realização de desapropriação com fins de reforma agrária[34].  

            Nota-se, inclusive, que o texto constitucional que fixa a forma de cumprimento da função social (art. 186), descrevendo todos os requisitos que devem ser atingidos, possui em sua redação o advérbio de modo “SIMULTANEAMENTE”, que acaba por exigir o cumprimento CONJUNTO de todos os requisitos da função social sob pena de atrair a desapropriação estabelecida no artigo 184 da Norma Maior.

            Pensar de forma contrária, ou seja, de que o artigo 185 II possui prevalência sobre os demais artigos é o mesmo que anular todo o artigo 186 e o caput do artigo 184. É conceituar o cumprimento da função social diversamente como feito logo acima, descrevendo-a de forma simplória como índice de produtividade pré-definido por lei.

Com efeito, verificado o que seria a antinomia, partir-se-ia para a aplicação dos critérios antes aventados para solucioná-la. Assim, em se optando pela prevalência do art. 185, inciso II, o uso dessa técnica faria com que fossem anulados todo o art. 186 e o caput do art. 184 da Constituição Federal, conforme os critérios para solução de antinomias reais propostos por Bobbio[35].

           

            Não se pode confundir função social com aproveitamento econômico, haja visto que o aproveitamento econômico é apenas um dos requisitos da função social materializado pela produtividade (art. 186 I), devendo este requisito ser associado, segundo Tepedino e Schreiber[36], à promoção de valores consagrados pela Constituição nos princípios e objetivos fundamentais da República.

            Ao se solucionar o conflito posto verifica-se que são requisitos da função social aqueles descritos nos incisos do artigo 186 da Constituição Federal que, se não cumpridos de forma simultânea, nos termos da legislação infraconstitucional, darão azo à possibilidade de desapropriação por interesse social para fins da reforma agrária, não valendo-se um único requisito como meio impeditivo da desapropriação descrita no artigo 184.

6. – A discussão prática da função social da propriedade rural

            O campo prático de discussão quanto ao tema função social é a disputa por terra existente em nosso país. De um lado os movimentos sociais, nem sempre com interesses legítimos, clamam pelo direito constitucional e social que os excluídos do campo têm a terra. De outro, os proprietários rurais lastreados no arcaico direito inviolável de propriedade resistem e protegem seu território.

            No meio desta verdadeira guerra encontra-se o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e o Poder Judiciário que, através de suas atribuições tentam solucionar as contendas devolvendo à sociedade a paz no campo.

            Porém, todos os envolvidos na questão, até os dias de hoje ainda debatem, discutem e resolvem as questões acerca da propriedade rural, sua função social e conseqüente desapropriação para fins da reforma agrária de forma míope, apequenando e encobrindo o verdadeiro debate sobre o assunto que, como visto acima, é bem mais amplo.

            Diz-se isso uma vez que todos os setores envolvidos na questão insistem, apesar da Constituição Federal e seu artigo 186 existirem há mais de 18 (dezoito) anos, em minimizar a discussão quanto função social da propriedade e, o direito ou não a desapropriação, quando do cumprimento ou não dos índices de produtividade.

            Ou seja, ao invés de existir debate mais amplo sobre o tema, abrangendo todos os requisitos de cumprimento da função social dispostos, como já visto, nos incisos do artigo 186 da Constituição Federal, todas as partes continuam discutindo o direito insculpido no artigo 184 da Constituição Federal pelo viés exclusivo da produtividade, relegando os demais requisitos.

            Note-se que os próprios interessados na reforma agrária, ao invés de trazer a discussão todos os aspectos da função social, conforme acima expostos, continuam a cometer o erro histórico de apenas e tão somente discutir os requisitos econômicos da produtividade da propriedade rural passível de desapropriação.

           

            Tal fato é de fácil visualização através de simples leitura da entrevista concedida por um dos lideres do MSLT (Movimento de Libertação dos Sem Terra) ao jornal Folha de São Paulo:

Integrantes do MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra) invadiram entre a noite de segunda-feira e a madrugada de anteontem uma fazenda na região de Prata (653 km de Belo Horizonte). De acordo com Ismael Costa, da coordenação nacional do movimento, aproximadamente 450 pessoas entraram na fazenda Barreiro.  "A área é improdutiva. Tem cerca de 800 alqueires e só há umas 30 vacas", disse ele. Costa relatou que, desde o início do ano, o MLST ocupou 12 fazendas no Estado. A Polícia Militar informou que o clima era tranqüilo na fazenda na tarde de ontem. A reportagem não conseguiu localizar o proprietário da fazenda[37].

            Aliás, o mais famoso líder do MST, João Pedro Stédile, em entrevista a rádio mundo real disse:

Toda a área econômica ficou neoliberal. Nesse cenário, quase todos os movimentos sociais, tiveram pontos positivos e negativos. No campo específico da Reforma Agrária o nosso balanço é negativo porque as medidas que o governo tomou ao longo de quatro anos beneficiaram muito mais o agronegócio do que a Reforma Agrária de maneira que nós não conseguimos avançar em nada. O governo não teve coragem sequer de atualizar os índices de produtividade que medem se uma fazenda pode ou não ser desapropriada. Os índices usados atualmente são do censo do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) de 1975. No conjunto da política agrícola do governo continuou-se privilegiando a agricultura para exportação. A agricultura brasileira deve em primeiro lugar cumprir a sua função primordial que é produzir alimentos saudáveis e baratos para o povo brasileiro que, infelizmente, continua faminto ou se alimentando aquém das necessidades básicas nutricionais[38]. (G.N)

            Da mesma forma, mas com toda razão, pois defendem seus interesses, os produtores rurais também possuem o arcaico e errôneo hábito de discutir exclusivamente o aspecto econômico da função social, ou seja, os índices de produtividade.

Um grupo de 150 integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) invadiu na manhã de ontem a Fazenda Santa Maria, em Santa Maria do Oeste, a 350 quilômetros de Curitiba. De acordo com a Polícia Militar, não houve confronto. Os invasores são excedentes de assentamentos da região. A proprietária, Neide Alves Torres, entraria ontem na Justiça com um pedido de reintegração de posse. Ainda segundo a PM, 30% dos 190 alqueires são área de preservação e o restante é usado para agricultura e pecuária, mas a fazenda estaria penhorada, por causa de dívidas[39].

            Como se não bastasse o erro crasso cometido pelas duas principais partes interessadas no tema, o órgão federal competente para promover a reforma agrária no país também comete o mesmo pecadilho o que acaba por prejudicar a própria reforma agrária, haja visto que este órgão apenas considera passível de desapropriação para fins da reforma agrária a propriedade rural improdutiva.

Cerca de 60 famílias invadiram, neste fim de semana, a fazenda Garrote, no município de Brejo da Madre de Deus (214 km de Recife), região agreste do Estado.

(...)

O movimento reivindica a propriedade --de 1.800 hectares-- para a reforma agrária, sob a alegação de que ela é improdutiva.

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), no entanto, diz ter feito uma vistoria no mês passado na qual declarou-a produtiva. A Justiça chegou, inclusive, a conceder a reintegração de posse ao proprietário, que não foi localizado ontem pela reportagem.

(...)[40]

            Por fim, compete tecer considerações quanto à visão dos Tribunais Superiores sobre o tema da função social (art. 186 CF) e a desapropriação de terras para fins da reforma agrária (art. 184).

            Muito embora tenha sido realizada pesquisa intensa na página eletrônica do STF, infelizmente nada foi localizada manifestação do STF quanto aos demais requisitos da função social da propriedade rural, cingindo-se o tema exclusivamente na seara míope dos índices de produtividade.

            Necessário lembrar que o judiciário se, ainda não se manifestou através de seu órgão máximo acerca do assunto, deve-se pelo fato de não ter sido provocado pelas partes interessadas, ante a sua natureza inerte.

            Porém, como bem lembraram Pinto Junior e Farias[41] houve de forma tímida, por parte do STF, a seguinte decisão proferida na ADI n. 2213 de relatoria do Ministro Celso de Mello:

ADI 2.213/DF – Relator(a): Min. CELSO DE MELLO – Publicação: DJ DATA-23-04-04 (...) RELEVÂNCIA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA – O CARÁTER RELATIVO DO DIREITO DE PROPRIEDADE  - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – A IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA – (...) – A PRIMAZIA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO DA REPUBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO – O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF 5. XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados pela própria constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. (...) pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade (...) (G.N)

            Resta evidente que a discussão equivocada em torno exclusivamente da produtividade da terra, por todas as partes envolvidas no problema acaba por provocar distorções sem precedentes prejudicando, principalmente, a própria reforma agrária.

            Tanto o é assim, que ao invés dos setores interessados exigirem o cumprimento do artigo 186 da Constituição Federal, levantando assim inúmeras propriedades rurais que não cumprem os demais requisitos da função social, preferem reivindicar a atualização dos índices de produtividade, o que seria desnecessário se o INCRA cumprisse o artigo 186 da CF.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) avalia que a possibilidade de avançar mais a reforma agrária no Brasil não é culpa ou má vontade do governo Lula. Segundo o diretor de Políticas Agrárias e Meio Ambiente da Contag, Paulo Caralo, o poder Judiciário e a desatualização dos  índices de produtividade são entraves. “Percebemos que não é má vontade do presidente Lula, foram feitas centenas de desapropriações, mas o latifúndio entra na Justiça e infelizmente o Judiciário dá reintegração de posse para o fazendeiro. Foram várias terras desapropriadas pelo governo federal e o Incra perdeu para o proprietário depois do termo de reintegração de posse”, explicou. Caralo ainda enfatiza a ausência da atualização dos índices de produtividade também é um problema. Os atuais números foram estabelecidos em 1980, a partir de dados estatísticos de 1975. Com a atualização dos índices, a expectativa destacada pelos movimentos sociais é a de que propriedades rurais consideradas atualmente produtivas se revelem aptas a ser desapropriadas para a reforma agrária em regiões de alto nível de conflito fundiário, como o Sul e o Nordeste[42]. (G.N)

            Se a Contag se ativesse ao artigo 186 da Constituição Federal conforme aqui exposto e, através de seus meios, pressionasse o INCRA para que este órgão cumprisse com os ditames constitucionais, não haveria qualquer necessidade de debates políticos desgastantes quanto a atualização dos índices de produtividade.

            Ou seja, cumprindo-se a lei (artigo 186 da CF), haverá terras suficientes em nosso país para desapropriação para fins da reforma agrária, restando aos proprietários de aludidas terras o direito dever de cumprir, de forma integral e simultânea, com a função social da propriedade rural.

7. – Conclusão

                        A função social da propriedade rural é uma garantia a toda a sociedade, garantia essa adquirida com a evolução do pensamento social, conforme acima visto. Passados anos de sua idealização acabou por assumir status de garantia constitucional em nosso país. Porém, talvez por razões de conveniência, nunca foi posta em prática nos termos como definida.

            Passados mais de 18 (dezoito) anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, não há efeitos práticos da total utilização prática e aplicação integral do texto constitucional existente no artigo 186. Até hoje, a sociedade insiste em discutir, com o pensamento focado no século passado, índices de produtividade da terra, deixando-se de lado aspectos mais relevantes como, respeito ao meio ambiente, as relações do trabalho, dignidade da pessoa humana, entre outros.

            Como visto pelas partes envolvidas, se uma porção de terra é produtiva esta é inviolável, mesmo que empregue em sua produtividade mão de obra em condições análogas à escravidão. Aqui, se realmente isso acontecer, no máximo haverá aplicação de multas trabalhistas, indenizações por danos morais coletivo, e abertura de inquérito policial.

            Pior, em um país que se acostumou a fabricar leis que não são aplicadas, estuda-se a possibilidade de editar lei para que, nesses casos (trabalhos em condições análogas à escravidão), haja a expropriação da terra. Esquecem os envolvidos, que já há lei, inclusive constitucional, permitindo a desapropriação da terra em caso de trabalho escravo, haja vista que o fato em si (utilização de mão de obra em condições análogas a escravidão) ofende o inciso III do artigo 186. Ou seja, não necessidade de lei, mas sim de aplicação das leis já existentes.

            Através do exemplo posto se verifica que há necessidade imperiosa de revisão quanto à discussão prática acerca da função social da propriedade rural e seus efeitos, trazendo à baila os aspectos trabalhistas, ambientais, tributários e sociais propriamente ditos que norteiam a função social.

            No momento, não há razão de ser discutida, na esfera política, possíveis alterações dos índices de produtividades, deve-se sim, discutir formas de se cumprir o disposto no artigo 186 da Constituição Federal em sua inteireza, o que certamente trará benefícios para toda a sociedade brasileira.

            Se todas as partes cumprirem com o ordenamento Constitucional, no que tange a propriedade rural, haverá maior respeito à legislação trabalhista, tributária, ambiental e a dignidade da pessoa humana, o que de certo beneficiará a todos.

            E, caso não haja respeito, por parte dos proprietários rurais, ao artigo 186 da Constituição Federal, mais terras restarão passiveis de desapropriação para fins da reforma agrária, o que também beneficiará toda uma coletividade, inclusive contribuindo para amenizar a desigualdade social no campo.

REFERENCIAS:

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FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Função Ética da Empresa. ARGUMENTUM Revista de Direito. Universidade de Marília. Vol. 04. Marília: UNIMAR, 2004. 36 p.

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MATTOS NETO, Antonio de. Função ética da propriedade imobiliária no novo código civil: Direito Agrário Contemporâneo. Coordenação de Lucas de Abreu Barros e Cristiane Lisita Passos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.   78 p.

PASSOS, Cristiane Lisita. A função social do imóvel rural. Direito Agrário Contemporâneo. Coordenação de Lucas Abreu Barroso e Cristiane Lisita Passos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

PINTO JUNIOR, Joaquim Modesto e FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília: Núcleo de estudos agrários e desenvolvimento rural, 2005. 17 p.

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VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos sociais. São Paulo: LED, 1998. 251 p.

 


 

NOTAS:

 

[1] Thomas Hobbes (1588-1679)

[2] HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2002. 101 p.

[3] Ib Idem

[4] Ib Idem

[5] John Locke (1632-1704)

[6] HOBBES, Thomas. Os grandes filósofos do direito. Organizador Clarence Morris. Tradução de Reinaldo Guarany. São Paulo: Martins fontes, 2002. 138 p.

[7] Ib idem. 141 p.

[8] Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

[9] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2003. 35 p.

[10] Ib idem.

[11] MARX, Karl. ENGELS, Friedrich.  Manifesto do Partido Comunista. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002.

[12] MARX, Karl. Manuscritos Econômicos Filosóficos. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2002. 138 p.

[13] LOPES, Ana Frazão de Azevedo Lopes. Empresa e propriedade: Função social e abuso de poder econômico. São Paulo: Quartier Latin, 2006. 91 p.

[14] COMTE, Auguste. Coleção Grandes Cientistas Sociais. Organizador José Albertino Rodrigues. São Paulo: Ática, 1989.

[15] Op. Cit.

[16] DUGUIT, Leon. Fundamentos de direito. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN, 2003.

[17] TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. Questões Agrárias: Julgados comentados e pareceres. Organizador Juvelino José Strozake.  São Paulo: Método, 2002. 120 p.

[18] Op. Cit. 22 p.

[19] 1916-1992

[20] FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Função Ética da Empresa. ARGUMENTUM Revista de Direito. Universidade de Marília. Vol. 04. Marília: UNIMAR, 2004. 36 p.

[21] Op. Cit. 118 p.

[22] GOULART, Marcelo Pedroso. Questões Agrárias: Julgados comentados e pareceres. Organizador Juvelino José Strozake. São Paulo: Método, 2002. 139 p.

[23] PASSOS, Cristiane Lisita. A função social do imóvel rural. Direito Agrário Contemporâneo. Coordenação de Lucas Abreu Barroso e Cristiane Lisita Passos.

[24] Op. Cit. 44 p.

[25] DERANI, Cristiane. A propriedade na constituição de 1988 e o conteúdo da função social. Revista de Direito Ambiental. 27 volume. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 59 p.

[26] TANAJURA, Grace Virgínia Ribeiro de Magalhães. Função social da propriedade rural: com destaque para a terra no Brasil contemporâneo. São Paulo: LTr, 2000. 24 p.

[27] MATTOS NETO, Antonio de. Função ética da propriedade imobiliária no novo código civil. Direito Agrário Contemporâneo. Coordenação de Lucas de Abreu Barros e Cristiane Lisita Passos. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.   78 p.

[28] GODOY, Luciano de Souza. Direito Agrário Constitucional. O regime de propriedade. São Paulo: Atlas, 1998

[29] Op. Cit. 45 p.

[30] Op. Cit. 120 p.

[31] DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2005. 19 p.

[32] PINTO JUNIOR, Joaquim Modesto e FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília: Núcleo de estudos agrários e desenvolvimento rural, 2005. 17 p.

[33] TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. Questões Agrárias: Julgados comentados e pareceres. Organizador Juvelino José Strozake.  São Paulo: Método, 2002. 125 p.

[34] VARELLA, Marcelo Dias. Introdução ao direito à reforma agrária: o direito face aos novos conflitos sociais. São Paulo: LED, 1998. 251 p.

[35] PINTO JUNIOR, Joaquim Modesto e FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília: Núcleo de estudos agrários e desenvolvimento rural, 2005. 18 p.

 

[36] Op Cit. 126 p.

[37]Jornal Folha de São Paulo. Banco de Notícias. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u89680.shtml>. Acessado em 22 fev. 2007.

[38] Rádio Mundo Real. Banco de Entrevistas. Disponível em<http://www.radiomundoreal.fm/rmr/?q=pt/node/10476>. Acessado em 22 fev. 2007.

[39] União Democrática Ruralista. Banco de Notícias. Disponível em <http:// http://www.udr.org.br/invasao5.htm>. Acessado em 22 fev. 2007.

[40] Jornal Folha de São Paulo. Banco de Notícias. Disponível em <http:// http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u68585.shtml>. Acessado em 22 fev. 2007.

 

[41] PINTO JUNIOR, Joaquim Modesto e FARIAS, Valdez Adriani. Função social da propriedade: dimensões ambiental e trabalhista. Brasília: Núcleo de estudos agrários e desenvolvimento rural, 2005. 46 p.

[42]AgênciadeNotíciasBrasil.BancodeNotícias.Disponívelem
<http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/
2007/01/30/materia.2007-01-30.3570568294/view
>. Acessado em 22 fev. 2007.

 

 


 

*  Advogado com escritório constituído na cidade de Marília, militante nos Estados do Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná e São Paulo. Especialista pela Universidade de Londrina/PR. Mestrando em Direito pela Universidade de Marília/Sp.

** Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC-SP). Docente do Programa de Mestrado da Unimar; Docente da Universidade Estadual de Londrina; Docente da Universidade Norte do Paraná; Docente da Faculdade Paranaense.

 


 

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