Derecho y Cambio Social

 
 

 

JUSTIÇA TERAPÊUTICA: IMPLICAÇÕES E ALTERNATIVAS DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Katherine Lages Contasti Bandeira  (*)

 


   

Introdução

O presente trabalho tende a explanar sobre um programa sócio-educativo em resposta a uma política e porque não dizer, uma mentalidade despenalizadora, tendo como escopo a garantia da efetivação dos direitos consagrados como fundamentais. Para tanto, torna-se necessário mencionar quais sejam esses direitos, o sistema penal hodierno e porque se faz necessária esta garantia.

Os principais marcos da evolução histórica[1] dos direitos humano-fundamentais, positivamente falando, foram: Magna Charta Libertatum, a Magna Carta, na Inglaterra, pacto firmado em 1215, pelo Rei João Sem-Terra e pelos bispos e barões ingleses. Definitivo para evolução dos direitos fundamentais, foi a Reforma Protestante, pois foi reivindicado e ao gradativo reconhecimento da liberdade de opção religiosa e de culto em muitos países da Europa, tomemos como exemplo os documentos firmados por ocasião de Paz de Augsburgor, em 1555 e da Paz da Westfália em 1648 que marcou o final da guerra dos Trinta Anos. Numa etapa seguinte, as declarações de direitos inglesas do século XVII, a Petition of Rights de 1628, firmada por Carlos I, o Habeas Corpus Act de 1679, subscrito por Carlos II e o Bill of Rights de 1689 que entrou em vigor como resultado da Revolução Gloriosa.

A Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia em 1776, é a primeira que marca a transição dos direitos de liberdades legais para o direito fundamental constitucional, tendo o status de primeira declaração de direitos humanos; a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, adotada pela Assembléia Constituinte Francesa em 1789 tem igual importância, fruto de uma revolução que provocou a queda do antigo regime e a instauração da ordem burguesa na França. Tanto a declaração Francesa como a Americana tinha em comum sua profunda inspiração jusnaturalista, reconhecendo ao ser humano, direitos naturais inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos os homens.

E então a Declaração Universal dos Direitos do Homem, editada pela ONU em 1948, nasce como símbolo da ruptura com o legado da barbárie totalitária, bem como efetiva reconstrução da concepção de humanidade.

Tal definição pode ser explicada de maneira clara e precisa na conjugação das palavras de Silva e Araújo, donde se extrai que: Direitos fundamentais são prerrogativas e instituições concretizadas, pelo ordenamento jurídico, em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. Situação jurídica sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive. Ou seja, são os direitos indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual; onde estão reunidos os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado, os direitos políticos, os relativos à nacionalidade e os direitos sociais, dentre outros que possam ser considerados como tais.[2]

A história do Direito, em particular do Direito Penal, é marcada pela luta contra a vingança. Nos primórdios da humanidade até 1750, era utilizado como meio de punição contra atos danosos a vingança, fosse ela particular, divina ou pública. Desde então, passamos pelo período humanitário (fase de preparação filosófica e fase jurídica) e pelo período científico que desde 1850 até nossos dias (fase da criminologia e fase da ciência penal) onde se busca, através do aprofundamento científico, descobrir a “cura” para o comportamento desviado, transtornado.

No Brasil a primeira legislação a vigir foram as Ordenações Filipinas, datada de 1603. E em 1830 surgiu o Código Criminal do Império do Brasil e no ano de 1890 surge o Código Penal, em 1932 a Consolidação das Leis Penais e finalmente em 1940 o atual Código Penal. Apesar das grandes transformações que ocorreram na Parte Geral do Código em 1984, do impacto da Constituição Federal de 1988, foi necessário que em 1998 a Parte Especial também fosse modificada.

A medida da evolução da humanidade, da transformação virtual da realidade e efetiva dos paradigmas sociais, tem também reflexo na criminalidade. Estas novas modalidades levam a máquina legislativa a uma maximização de leis no intuito de ter qualquer deslize tipificado. No tocante à maximização, existe para dar explicação à sociedade, a imprensa, é o advento de tipificações que se amontoam, está estagnada no papel, onde na prática não é viável, quando ultrapassadas, das lacunas do sistema e da mentalidade dos “operadores” do direito.

Na década de 80, através do movimento reformista dentro do Poder Judiciário Norte Americano, mais precisamente na cidade de Miami, na Flórida surgiu a Drug Courts[3] que promovia através de uma nova filosofia a prevenção do uso de drogas e com o tratamento do ser humano e não apenas com sua punição enquanto autor de infrações penais.

Desde o início (no âmbito internacional e nacional) a proposta sofre uma severa resistência, por que os mais conservadores acham que se trata de um paliativo, na verdade um meio de proporcionar a impunidade. À medida que a proposta amadurece, com a aplicação e resultados, as resistências têm-se amenizado. Hoje são mais de 1.000 Cortes de Drogas só nos Estados Unidos.

Os ventos dos movimentos modernistas percorreram o mundo e países como Inglaterra, Suécia, Holanda, Reino Unido, Armênia, Uzbekistan, Polônia, Kazakhstan, Canadá, Austrália, tomaram parte neste fenômeno que acabou por se tornar a Drug Courts.

Do despertar e da refração.

No Brasil, ao final dos anos 90, em Porto Alegre/RS, por intermédio da atuação dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público Ricardo de Oliveira Silva e Luiz Achylles Petiz Bardou, Procuradores de Justiça do Ministério Público; Carmen Có Freitas, médica psiquiatra que faz parte do Ministério Público, Gilda Pulcherio Fensterseifer, médica psiquiatra, colaboradora do Ministério Público[4] e Simone Santos Neves, Assistente Social, que faz parte do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Além da implantação tomaram como legado a impulsão/propagação pelo Brasil deste programa, em especial para os Estados de Pernambuco e do Rio de Janeiro, bem como o Distrito Federal e no Estado de São Paulo.

O termo Justiça Terapêutica aplicada aqui no Brasil é bastante adequado, para Trindade:

É uma expressão que conjuga os aspectos legais e sociais próprios do direito (Justiça) com a relação de cuidados característica das intervenções de orientação e reabilitação de uma situação (Tratamento) [...] Reflete uma visão conjunta do direto com a psicologia e traduz-se como um novo enfoque para o enfrentamento do problema de sujeitos em conflito com a lei. [5]

Este programa vincula-se aos direitos fundamentais, pois deles deriva, já que é um programa que visa amenizar dois graves males sociais: o uso indevido de drogas e a incidência criminosa.

Os direitos fundamentais estão situados nos arts. 5º a 17 da Constituição de 1988 e neles estão garantidos: a igualdade de todos perante a Lei, sem qualquer distinção e estando garantido tanto aos brasileiros como aos estrangeiros residentes no Brasil, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade em todas as suas facetas (a exemplo das liberdades de expressão, de ir e vir, de culto, religiosa, de pensamento, etc.), à igualdade, à segurança e à propriedade. Também assegura os direitos sociais como a educação, saúde, lazer, trabalho, moradia, previdência social, proteção à infância e à maternidade, bem como a assistência aos desamparados. O direito à nacionalidade aos direitos políticos, ou seja, soberania popular exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, bem como a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção dos partidos políticos.

O direito à vida é o direito que o ser humano tem de existir. Direito este que, “Consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital, senão pela morte espontânea e inevitável”. [6]

Como o nosso foco é o ser humano dependente químico, que em função do estado toxicológico e ainda para sustentação desse vício, segue o cometimento de infração, iremos restringir a explanação ao direito à vida, sendo deste decorrente: à saúde, a dignidade de pessoa humana, à integridade física, psíquica e social.

Viver de maneira digna é viver sem que os seus direitos sejam desrespeitados, é ter garantido as suas necessidades vitais básicas, como alimentação, moradia, higiene e saúde. Assim, o Estado deve atuar efetivamente para garantir que cada cidadão viva com dignidade.

No tocante ao programa, a sua ideologia está impregnada inclusive na significância do termo. A palavra "terapêutica" traduz a idéia de atenção à saúde ou o tratamento necessário para a correção de uma disfunção orgânica ou mental ou uma enfermidade. Logo, a expressão Justiça Terapêutica representa o trabalho dos operadores do direito e dos profissionais de saúde que, de forma integrada, trabalham para oferecer uma perspectiva de vida e de cidadania, mais humana e justa aos infratores que estejam envolvidos com drogas.

Antes de adentrar no tema restritivamente, não podemos deixar de mencionar a avaliação que se faz do direito penal por ele mesmo, por todos os equívocos que terminam por acontecer, quando tinha por finalidade algo bastante contrário ao fato.

 Ao tempo que “sana” as conseqüências de um desarranjo social, não pode em seus efeitos neutralizar as causas geradoras, nem sua repetição, levando em consideração que isso é reflexo de limitações de sua própria estrutura, atuando de forma superficial e tardiamente. Vejamos a posição de Funes:

Apaguemos a escravidão de entre os nossos castigos; apoiemo-nos mais na influência e menos na força; erijamos mais estímulos e menos muralhas e poderemos curar, como hoje sabemos piorar [...] o tratamento deveria ser preventivo mais que curativo, olhar para o futuro, não para o passado.[7]

O estabelecimento de programas sociais, como o da Justiça Terapêutica que se preocupa com a reabilitação de infratores envolvidos com as drogas, consiste num instrumento apto a minimizar uma mazela social e sistemática em função da falência e do equívoco que se perpetua por intermédio do direito penal, permitindo que muitas pessoas restabeleçam uma vida digna. Este é um exemplo de intervenção efetiva em que o Estado age em prol do interesse público e do princípio da dignidade da pessoa humana e em beneficio da mantença da vida, já que a dependência química é uma doença séria e que acarreta prejuízos que atinge o indivíduo, a família e toda a sociedade. Isto ocorre primeiro, porque há toda uma estrutura criminosa que envolve o tráfico de drogas; segundo, porque muitos usuários cometem crimes sob o efeito dos tóxicos.

A Constituição Federal dispõe em seu art. 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

A saúde, ao longo da História, já foi conceituada de diversas maneiras, variando, a sua definição entre teorias “curativas”, que têm por objeto a cura das doenças e teorias “preventivas”, justificadas na existência de serviços básicos de atividade sanitária. [8]

Contudo, o conceito mais importante de saúde é o estabelecido no preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS), dispondo que saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças.

A dependência química é uma doença, passível de tratamento, tendo em vista os seus efeitos maléficos e a incapacidade que o dependente tem de largar o vício. Este é o posicionamento de Delton Croce:

Dependência a uma droga é o condicionamento do indivíduo a ela. Quando o dependente escravizado à droga, por qualquer motivo, sofre supressão da substância tóxica, desencadeia-se nele a síndrome ou reação de abstinência. Esta, desatada pela supressão brusca da droga tóxica leva o usuário a tomar nova dose, cada vez mais freqüentemente e em maior quantidade, instalando a total e irremediável dependência da qual sairá submetendo-se a rigoroso tratamento médico especializado, sem, contudo, propiciar que as conseqüências orgânicas já estabelecidas regridam. [9]

Assim, entendendo-se o consumo de drogas, também denominado toxicomania, como uma doença, por ser prejudicial ao indivíduo, tem-se que o Estado, agindo efetivamente em garantia do direito à saúde, deve instituir programas sociais de tratamento aos toxicômanos. A própria legislação já prevê este tratamento, como ocorre nas Leis de Tóxicos.

Tomaremos como exemplo a cocaína (metil-benzoil-ecgonina) que funciona como um estimulante do sistema nervoso central, gerando uma sensação de prazer e euforia, além de desencadear ausência de fadiga, alucinações auditivas, aumento da atividade motora, etc.[10] Contudo, os efeitos do uso crônico da cocaína provocam a destruição da mucosa nasal, a degradação dos dentes, queda dos cabelos, impotência sexual, problemas pulmonares, hepáticos e sério comprometimento do aparelho cardiovascular.[11] Devido à dependência, alguns tipos penais terminam por se agregar ao dependente, desde a ilegalidade natural, que é o tráfico, como a venda de armas, o roubo e o furto em decorrência desta sustentabilidade viciada.

As leis relativas aos tóxicos, têm por objetivos, de acordo com o que se extrai das suas estruturas: o controle do uso de substâncias entorpecentes, a erradicação do tráfico, a mobilização da sociedade na prevenção e repressão ao tráfico e ao uso de entorpecentes bem como a possibilidade de tratamento dos dependentes.

Todavia, considerando-se os efeitos lesivos das drogas e a dependência química como uma doença, além de ter a saúde pública por objeto jurídico. A Lei 6.368/76, ao tipificar a conduta de porte de entorpecentes para uso próprio e estabelecer pena privativa de liberdade cumulada com multa, não demonstra a utilidade prática da sanção, visto que tal pena não vai recuperar o usuário de drogas que, em muitos casos, é um doente.

 

[...] A concretização do programa normativo do princípio da dignidade da pessoa humana incube aos órgãos estatais, especialmente, contudo, ao legislador, encarregado de edificar uma ordem jurídica que atenda às exigências do princípio. Em outras palavras- aqui considerando a dignidade como tarefa-, o princípio da dignidade da pessoa humana impõe ao Estado, além do dever de respeito e proteção, a obrigação de promover as condições que viabilizem e removam toda sorte de obstáculos que estejam a impedir às pessoas que viverem com dignidade.[12]

Em primeiro lugar, vamos esclarecer que poderão se utilizar desse benefício quem praticar delito de menor potencial ofensivo e sem emprego de violência ou grave ameaça, sob a influência de drogas ou que o faça em função da sustentação do vício.

Da concretização

O julgamento é da competência quando adolescentes, as Varas da Infância e da Juventude, no tocante aos adultos, será dos Juizados Especiais Criminais.

A aplicação das medidas protetivas e sócio-educativas, com previsão legal no Estatuto da Criança e do Adolescente nos Arts. 101 e 112 respectivamente, na suspensão condicional do processo e na transação penal, segundo os princípios do Juizado Especial Criminal, na suspensão condicional da pena e penas restritivas de direito.

À vista do Termo Circunstanciado, nos crimes com pena restritiva de liberdade prevista de até dois anos, o Promotor de Justiça, de comum acordo com o Juiz e o Defensor, pode desde logo propor a aplicação de penas restritivas de direito, como a prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.

Já no tocante a suspensão condicional do processo nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Promotor de Justiça pode oferecer a denúncia e propor a suspensão do processo por um período de dois a quatro anos. Nesse momento, o Juiz pode acrescentar a condição de intervenção terapêutica, como orientação, freqüência a cursos e tratamento, em caso de dependência química (suspensão condicional do processo/sursis processual – Art. 89, da Lei nº. 9.099/95);

Para a obtenção da efetividade desejada, as medidas são acompanhadas de avaliação por equipe de saúde interdisciplinar, que propõe a intervenção terapêutica adequada (Transação Penal - Art. 76 da Lei nº. 9.099/95).  O que é dito ao acusado no momento da proposta é que está disponível uma opção de atenção à saúde em substituição ao processo criminal.

A proposta é eletiva, podendo ser recusada sem qualquer juízo de valor, mas, aceita pelo acusado-dependente, a proposta de transação, esta é homologada pelo Juízo e deverá ser cumprida, e na suspensão o processo é arquivado, ambas excluem o registro de antecedentes criminais fazendo com que o dependente não seja marginalizado, taxado, etiquetado e quando da suspensão. Agora, se a proposta for descumprida o Promotor de Justiça pode oferecer denúncia, instaurando o processo crime e no caso da suspensão, pode ser retomado o processo crime.

Dentre outros crimes em que é possível a aplicação da proposta, podemos mencionar as contravenções penais (Decreto Lei nº. 3.688/41): via de fato, provocação de tumulto, perturbação do trabalho ou sossego alheio, importunação ofensiva ao pudor, embriaguez e perturbação da tranqüilidade; os crimes contra a assistência familiar: abandono material e abandono intelectual; os crimes da Lei 9.437/97: porte ilegal de arma de fogo e dispara de arma de fogo em local habitado, nos crimes da Lei 9.503/97: lesão corporal culposa, condução de veículos sob a influência de álcool ou de efeitos análogos e participação de corrida ou competição na via pública.

No Programa da Justiça Terapêutica, o tempo de tratamento está vinculado ao período de suspensão do processo, mas sugere-se que este seja por, no máximo, um ano. A equipe de saúde composta por médicos, psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais, tem papel fundamental. Além de eleger o melhor tratamento, levando em consideração o ser em sua totalidade, um ente global (bio-psíquico) e os aspectos constitutivos de personalidade do agente, sua dinâmica familiar e a rede social de apoio. A decisão acerca da realização de testes para a verificação do uso de drogas é uma decisão terapêutica a ser adotada pela equipe de saúde responsável pelo atendimento e não pelo Promotor de Justiça ou pelo Juiz de Direito.

Encerrado o processo, a indicação de continuidade ou não do tratamento, será realizado pela equipe de saúde. Via de regra, a avaliação inicial compreende: estudo do expediente para conhecimento prévio, entrevista com o adolescente e seus responsáveis com o propósito de avaliação, orientação e se necessário encaminhamento, aplicação de instrumentos psicológicos, se houver indicação, levantamento e análise de testagem, realização de visita domiciliar, elaboração de parecer técnico, encaminhamento para as instituições de atendimento envolvidas.[13]

O acompanhamento, que tem por objetivo o monitoramento articulado da adesão ao tratamento e a avaliação dos resultados da medida, com a possibilidade de intervenção em dificuldades do processo. Suas etapas são entrevistas periódicas com o adolescente e familiares, visitas domiciliares eventuais, contatos com instituições ou pessoas significativas na vida do adolescente, contato periódico com a instituição responsável pelo tratamento, discussão em equipe e com instituições ou profissionais do programa, relatórios periódicos com visitas a subsidiar ações da Justiça, tais como adequação, prorrogação ou extinção da medida.

Essas etapas geram muitas críticas, tais como a de Reghelin:

As Drugs Courts atuam na contramão das políticas descriminalizantes. O programa coopera com a criminalização exigindo testagem de abstinência obrigatórias, exigências de comparecimento regular às terapias, colaboração dos testes de drogas, ´comparecer e demonstrar desempenho na escola`, estágios profissionalizantes e laborativos. Enfim, todos num ritual de medidas autoritárias descartadas em quaisquer pesquisas envolvendo resultados positivos em relação à dependência química: dos Vigilantes do Peso aos Narcóticos Anônimos. Não há um só programa sério que não indique como primeiro passo o desejo do sujeito dependente [...] como se punir e curar, voltassem os braços um do outro, como no perigosismo curativo do positivismo.[14]

Não há uma eliminação, bem como não substituem os programas privados e públicos, as campanhas e trabalhos das Ong´s e de movimentos sociais que promovam o tratamento de dependentes de substâncias entorpecentes, na verdade se somam. Atualmente em São Paulo, os grandes parceiros da Justiça Terapêutica é a Secretaria Estadual de Saúde, através do Centro de tratamento de Tabaco, Álcool e outras drogas.[15]

Conclusão

Quanto à crítica supra citada, não se pode perder de vista que, a sociedade é envolta por um sistema que engloba muitos outros, desde aquele regimento familiar à comunidade local, regional etc. Daí, as lacunas oriundas dos sistemas reguladores afetam, gera e regenera a realidade fática, logo, os mecanismos na aplicação deste programa podem ter muitas interpretações e desvirtuações, mas o escopo imutável, a razão de ser deste programa é a ressocialização, despenalização em favor do dependente.

Tendo em vista, que seu comportamento deriva de uma necessidade que está além do seu senso crítico e de sua consciência de preservação, bem como, mesmo que indiretamente, há também uma atuação contra o tráfico ilícito de entorpecentes, diminuindo a demanda e enfraquecendo o tráfico.

Não se trata de uma ordem mundial, até mesmo no berço das Drug Courts há variações de um Estado para outro, de modo que as necessidades peculiares das situações locais sejam permitidas, havendo uma sintonia com o quadro social local.

É preciso, [...] que o juiz conscientize-se de que a função judicante deve ser utilizada como mecanismo de proteção efetiva dos direitos do homem, individual e coletivamente considerado, buscando a realização substancial e não apenas formal, dos valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito. [16]

Aplicado de maneira séria e adequada, haverá então uma mudança de paradigmas, dos parâmetros humanos, éticos e constitucionais. Atingido de maneira avassaladora os operadores do direito, os membros do Ministério Público, e os integrantes do Poder Judiciário. O Promotor de Justiça e o Defensor passam a ter uma postura cooperativa, visando à pessoa do atendido, com anuência judicial. Ocorre uma inovadora situação de trabalho integrado entre os operadores do direito e os profissionais da saúde.

É uma proposta inovadora e revolucionária, a sua consagração se dá pelas vias do acesso a um tratamento sério, com equipe multidisciplinar que propõe aos que, no momento de experimentação adentram em um mundo de solo de medo, pisando em falso, de paredes de ilusão e firmamento de solidão e no decorrer embriagado e tragado por esta realidade rompe com qualquer limite, tabu, conceito, comprometendo sua integridade física, psicológica e social.

A Justiça Terapêutica não tem como curar, o seu compromisso é de possibilitar ao infrator-usuário de drogas a compreensão de que possui dois problemas: um legal, por ter cometido uma infração e outro de saúde, relacionado com o seu uso de drogas. E o mais importante: o Programa possibilita a resolução de ambos. Não há um ônus adicional para o Estado, pois diminui o número de pessoas encaminhadas ao sistema carcerário, em seguida, porque usa como referência a rede pública de saúde.

Quando evita a prisão, proporciona ao infrator a possibilidade de receber atendimento profissional adequado, possibilitando a quebra da união droga-crime, reduzindo a chance de repetição do comportamento infracional e recorrente do uso de drogas, resulta na diminuição do ônus social e financeiro, e quando do arquivamento do processo, evita o etiquetamento e a não ressocialização.

                        Uma das maiores motivações dessa integralização multidisciplinar e o então marco zero, é que permita a transformação do sonho criminoso no fator gerador de transformação e regeneração de forma constitucional preceituando os direitos fundamentais, tendo sempre como meta a justiça (jurisdicional, social e sistemática) e a ética.

  

Referências

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NOTAS:

 

[1] A construção histórica é resultado de pesquisa, expressa de forma sucinta, tomando por base SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001 e SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 185 a 188. e ARAUJO, Luis Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 5. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 79.

[3] Para o português, Cortes de Drogas.

[4] Inclusive também comprometidos com a proposta de tratamento desde a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, representando um “divisor de águas” entre a proposta moderna e até então, o sistema tradicional.

 [5] TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p.145.

[6] Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 197.

[7]  Cf. FUNES, Mariano Ruiz apud SÁ, Geraldo Ribeiro de. Internos do presídio Santa Terezinha. Juiz de Fora: UFJF, 1996. p. 33.

[8] SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 35.

[9] CROCE, Delton; CROCE JÚNIOR, Delton. Manual de medicina legal. 4. ed.rev. e ampl. São Paulo: Saraiva 1998.

[10] Numa fase posterior, cessado o efeito, ocorrem tristeza, melancolia, apatia, inapetência, cefaléia, diminuição do interesse pelo trabalho, falta de ambição, negligência na higiene pessoal, distúrbios cardíacos e respiratórios.Concomitantemente uma intensa depressão cortical caracterizada por indisposição mental, exaustão física e dificuldade de concentração que pode, em alguns casos, levar ao suicídio, desenvolvida paulatinamente na mesma ordem em que se instalou, a manifestação do estado de exaltação; e, de permeio, comportamento estereotipado, ilusões paranóides, insanidade cocaínica e tendência à violência.

[11] POSTERLI, Renato. Tóxicos e comportamento delituoso. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.  p. 79 a 83.

[12] Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.p.109.

[13] Refere-se aos: A.A. (Alcoólicos Anônimos), N.A. (Narcóticos Anônimos) etc.

[14] REGHELIN, Elisangela Melo. A justiça terapêutica: novo modelo de defesa social?. Disponível em: em:<http:/www.ibccrim.org.br>Acesso em: 29/10/2005.

[15] OLIVEIRA, Carlos Alberto Correia de Almeida. A justiça terapêutica e seus objetivos. Disponível em:<http:/www.ibccrim.org.br> Acesso em :29/10/2005.

[16] Cf. RUIZ, Urbano. A questão do judiciário e a justiça no Brasil. In: Ética, justiça e direito: reflexões sobre a reforma do judiciário. SOUZA JUNIOR, José Geraldo de. et. al. (org.) Petrópolis: Vozes, 1996. p. 145-162.

 

 


 

(*) Bacharelanda do curso de Direito. Teresina -Piauí. Brasil.

E-mail: katherinelcb@oi.com.br

 


 

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