Revista Jurídica Cajamarca |
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MEDICINA LEGALO vínculo genético da filiação pelo DNA: sua aplicação nos tribunaisFuente Bibliográfica:"Medicina Legal"Genival Veloso de Franca (*)Editora Guanabara Koogan S/A.5ª edição, Rio, 1998 |
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RESUMO:
O autor ressalta a importância do estudo do perfil genético do DNA, na
investigação do vínculo de paternidade e maternidade, mas interroga
se os seus resultados apresentam a condição de certeza absoluta e de
fato inquestionável. Enfatiza que mesmo sendo a análise do
polimorfismo do DNA uma prova de grande futuro na sua essência, seus métodos
e técnicas não podem ser considerados, sob o prisma cientifico, uma
prova infalível e de conclusões absolutas, capazes de transformar o
magistrado em prisioneiro de seus resultados, “sacralizando” este
exame em detrimento de outros meios usuais e processuais de prova. UNITERMOS:
Paternidade. Vínculo genético. Teste em DNA.
1.
Introdução
Os estudos preliminares da genética molecular no campo da
investigação da identidade tiveram início em 1953, quando os
cientistas James Watson e Francis Crick descobriram a estrutura em dupla
hélice do DNA (ácido desoxirribonucléico), componente responsável
pelo patrimônio genético dos seres vivos.
Somente em 1980, porém,
começaram a surgir técnicas capazes de caracterizar no DNA as
particularidades de cada pessoa. Em 1985, Alec Jeffreys criou sondas
moleculares radioativas com a propriedade de reconhecer regiões
altamente sensíveis do DNA, e assim levantar os padrões específicos
de cada indivíduo, que ele chamou de "impressão digital" genética
do DNA.
As aplicações médico-legais
da “impressão digital” genética do DNA (DNA Fingerprints) podem contribuir para a investigação da
paternidade e da maternidade, mesmo após a morte dos envolvidos, desde
que essa “impressão” venha ser reconstituída através de amostras
de sangue dos parentes próximos. A amostra de sangue dos avós, de tios
ou de irmãos legítimos pode possibilitar uma vinculação genética
com a mesma precisão do que aquela obtida se os pais fossem vivos.
Outro fato: pode-se também determinar se existe relação de parentesco
entre duas pessoas.
Outrossim, dentro de
uma criteriosa análise, levando em conta a avaliação do risco-benefício,
pode-se utilizar estas técnicas de vinculação genética da
paternidade intra-útero, por meio do estudo de tecidos fetais obtidos
pela aminiocentese e pela
amostra de vilo corial.
Nesta última – a mais usada, utiliza-se o componente fetal da
placenta, a partir da 9ª semana de gestação. Este método só deve
ser usado em situações muito especiais da determinação de
paternidade de interesse judicial, pois, do contrário, deve ser feito
com todas as vantagens após o nascimento da criança.
Outra maneira de
utilização da “impressão genética” do DNA é na identificação
de suspeitos, numa investigação criminal, através de amostras de
material biológico encontradas em locais examinados, contribuindo assim
para apontar autores ou excluir falsas imputações.
Finalmente, esse método
por ser usado com certa utilidade nos casos de identificação de vítimas
onde os outros métodos mostraram-se ineficazes, como nas grandes mutilações
ou nos carbonizados parcial ou quase totalmente, ou ainda nas exumações
adotando-se o uso de microssatélites pela técnica de PCR (Polymerase Chain Reaction), que permite o estudo do DNA degradado, a
partir de pequenas quantidades de material obtido dos dentes, dos ossos,
do bulbo dos cabelos e de outros tecidos remanescentes.
A investigação da
paternidade e da maternidade, antes do advento desta técnica do perfil
de DNA, tinha como ajuda os marcadores sangüíneos simples. Não se
pode negar que hoje, com esses novos recursos, não se venha ter
respostas a situações, antes impossíveis como nos casos de pais
falecidos, a partir de familiares diretos. Mas isso não quer dizer que
a análise do polimorfismo do DNA tenha respostas para todas as indagações
no campo da identificação do vínculo genético de paternidade, nem
que todos os resultados dessa prova sejam imperiosamente verdadeiros.
Os equívocos do
caso Castro nos Estados Unidos é um exemplo de que há muita coisa
ainda para se aprender. Entre elas a de que não se pode acreditar
demasiadamente rápido numa técnica que ainda se consolida e já se
rotula com a falsa expectativa de infalibilidade. Não foi por outra razão
que naquele país criou-se o TWGDAM (Technical work group for DNA
analysis and methods) e na Europa o EDNAP (European DNA profiling
group), com a finalidade de examinar cuidadosamente os diversos
problemas na aplicação forense da tipagem do DNA, inclusive criando-se
mecanismos seguros para um controle de qualidade.
Sempre vamos repetir
que na prova em DNA há uma esperança muito grande de contribuição à
homogenética médico-legal, a
partir do momento que esta esteja firmada cientificamente, tenha
respostas para um número razoável de dúvidas que ainda restam,
disponha de uma rotina de previsão de erros e venha livrar-se das pressões
das empresas comerciais e dos meios de comunicação que forçam, de um
certo modo, o uso precipitado de um determinado critério, difundindo
uma idéia de infalibilidade da prova. E mais: que os laboratórios
sejam submetidos a controle de qualidade, que conte com banco de dados
de freqüência populacionais, que em casos de exclusão confira com
outros dois tipos de exames genéticos diferentes e que em casos de
inclusão conste no relatório o ´+índice de paternidade individual
para cada sistema, o índice de paternidade combinado de todos os
marcadores, a probabilidade de paternidade em porcentagem e a maneira
utilizada para calcular a probabilidade de paternidade
2.
A Prova em DNA nos Tribunais
Além das implicações de ordem ética e legal que se verificam
na prática, há outros problemas que acreditamos ser de muita importância
na prova em DNA pelos Tribunais.
O primeiro deles,
com o máximo respeito, é a dificuldade que os magistrados e advogados
têm de adentrar nesse mundo insondável da perícia especializada, de métodos
e técnicas tão complicados, tanto no que se refere ao aspecto analítico
dos resultados, quanto a procedimentos mais particularizados.
Acreditamos que tal
fato se verifique não pelos intricados caminhos da prova em DNA, nos
seus detalhes técnicos e metodológicos, mas pela correria de como
estes testes foram impostos e, quando na formação do jurisconsulto,
faltam-Ihe os ensinamentos que seus cursos básicos de Direito não
conheciam. Diga-se ainda que esta restrição não é apenas dirigida
aos estudiosos desta área, mas também aos próprios peritos que
funcionam junto a Tribunais e que não tiveram oportunidade de entender,
em profundidade, o alcance e os fundamentos da prova do perfil de DNA em
questões de investigação do vínculo genético.
Acrescente-se ainda
o fato de que a prova do DNA está em acelerada evolução, e muita
coisa que foi publicada, mesmo em periódicos sérios hoje não tem mais
valor. Por outro lado, muitas das empresas que fabricam o material dos
testes do DNA não deixam de insinuar serem os resultados de identificação
de paternidade e de maternidade infalíveis e inquestionáveis, o que
certamente vem subvertendo o entendimento dos analistas dessa prova.
Entendemos também
que a análise do polimorfismo do DNA é a prova de maior futuro no
momento e que, em muitas ocasiões, ela mostrou-se importante. Outra
coisa, no entanto, é considera-la infalível e absoluta, tornando assim
o julgador prisioneiro de seus resultados.
É perigoso substituir seu juízo de valor por uma única prova,
cujo resultado permite uma certa margem de erro.
Será que os
Tribunais estão percebendo corretamente o significado da prova em DNA?
Tem sido fácil avaliar sua técnica tão complicada e seus fundamentos
tão complexos? Existe, na realidade, o entendimento de que não se pode
excluir a possibilidade de um resultado não ser condizente com a
verdade que se apura? Seja como for, esperamos que o julgador, na sua
sofrida solidão, entenda que a interpretação correta desses valores não
é algo intuitivo, e que se exige pelo menos o conhecimento da valorização
probabilística do resultado do teste
em DNA e da sofrível adequação das estruturas médico-legais em nosso
país.
Desta forma, nada
mais justo que, ao avaliar estes testes, os Tribunais mostrem-se
cautelosos, não desprezem o conjunto dos outros elementos probantes e
usem tais resultados como um referencial probatório a mais.
3.
A Questão de fundo
O resultado da prova da tipagem em DNA, na investigação de vínculo
genético, tem valor probante absoluto e inquestionável? Mesmo que a
euforia de muitos tenha transformado as técnicas de investigação da
paternidade e da maternidade pelo perfil do DNA numa prova incontestável,
ou que se propale uma cifra cada vez mais elevada de segurança na
comprovação dos resultados desses exames, é imperioso, por razão de
princípios científicos, que eles possam sempre ser analisados,
principalmente quando se vai tomar uma decisão tão grave. A recomendação
mais prudente tem sido que os Tribunais acreditem com reserva no
resultado do polimorfismo do DNA em questões de vinculação genética
de filiação, pelo fato de não se ter ainda uma convicção segura de
seus recursos metodológicos.
Qualquer que seja a
avaliação mais exagerada de um ou outro analista, a prova em DNA, como
é conhecida, não está ainda cientificamente firmada e aceita como de
valor probante irrefutável, restando, por isso, à sua justa aplicação,
a necessidade de consolidar a credibilidade dos laboratórios e a
contribuição de uma técnica padronizada.
Assim, é aconselhável
não esquecer que os resultados dos laboratórios e dos serviços
encarregados das provas em DNA devem ser sempre avaliados com muito
rigor. Esse controle de qualidade tem de ser periodicamente exigido,
para que não se venha a acreditar em todo e qualquer resultado de uma
prova tão delicada, principalmente levando em conta a pouca experiência
nacional neste setor e a precariedade dos serviços que,
infortunadamente, nos leva a conjeturar sua vulnerabilidade. Basta notar
o número elevado de exames discordantes em casos dessa ordem, mesmo
quando feitos por laboratórios os mais qualificados. Temos certeza de
que a principal causa de erros em exames da vinculação genética da
paternidade tem por motivos as dificuldades de controlar a técnica.
Outros mais seriam a falsa identificação dos examinados, a troca de
amostras, o uso de marcadores genéticos inadequados ou insuficientes,
os produtos com prazos vencidos e as falhas na leitura, na interpretação
e na transcrição dos resultados, levando tais equívocos a uma exclusão
ou a uma inclusão indevida.
Não se deve
esquecer de que a prova em DNA, pelo fato de ser aclamada pelos mais
entusiastas, não pode confundir os que lidam com o processo judicial no
momento da valorização dos resultados, principalmente quando se sabe
da rapidez com que se opera sua metodologia. Podemos até admitir que
o polimorfismo do DNA será, sem dúvida, de muita valia e, por isso,
uma prova muito importante no campo da identificação. Mas isso não
quer dizer que a coincidência de um padrão de uma "tira",
encontrada no material biológico de um indivíduo, seja um fato
inquestionável na vinculação dele com outra pessoa. É preciso também
saber se os analistas desse método estão administrando com cuidado o
resultado da prova. Enquanto as técnicas atuais não tiverem caráter
de certeza absoluta, ou seja, cem por cento de veracidade, elas
continuarão a ser um meio de exclusão e não de identificação. Ou
seja: a exclusão é categórica
e a inclusão probabilística.
A expressão “paternidade praticamente provada” não nos dá uma
convicção segura para uma tomada de posição tão grave, passível de
sérias conseqüências. Outro fato que não pode deixar de ser salientado é o da pressão de certas empresas interessadas nas vendas dos "kits", as quais não se cansam de exaltar a excelência dessa técnica como propostas infalíveis e precisamente exatas. Isso vem criando, entre muitos, a falsa expectativa de alcance quase infinito dessas provas.
É necessário que,
por enquanto, não se venha usar o resultado da prova do DNA de forma açodada,
mas com o devido cuidado que merece tudo aquilo que é atual e
inusitado, e que as provas tradicionais não sejam de todo excluídas
pelo simples fato de serem de prática mais antiga, principalmente
quando estas provas podem excluir a paternidade de forma categórica,
como por exemplo os sistemas ABO, Rh, HLA, etc, afastando assim a
necessidade da utilização de técnicas tão sofisticadas como as de
DNA.
Vivemos em nosso país
ainda um momento experimental no que concerne aos exames do DNA. Poucos
são os serviços que contam com recursos e experiência mais apurados.
O que se tem visto, malgrado um ou outro esforço, é a amostra do
material ser enviada a laboratórios estrangeiros ou aos nossos centros
mais desenvolvidos. Assim, o que se observa é o endosso de um resultado
recebido à distância e a verdade depender da correta identificação
do material e da idoneidade que possa merecer aquela técnica. E o pior:
o perito que recebe tal resultado não tem como contestar, pois dispõe
em suas mãos apenas da transcrição de um exame, sem qualquer tipo de
informação que possa ele questionar.
Aqui não se está
colocando em dúvida a idoneidade do profissional que realizou o exame.
O que se discute é a oportunidade que o perito relator do laudo
conclusivo não tem de discutir ou recusar um resultado que pode ser
duvidoso, por um erro acidental ou involuntário, por uma troca de
material, por transcrição indevida ou
pela dificuldade de controlar a técnica.
Mesmo que se afirme
ser a metodologia empregada menos sensível
ao erro na inclusão da
paternidade, é preciso ter muito cuidado quanto aos marcadores genéticos
usados. Não é raro que numa investigação de paternidade os locos
utilizados sejam insuficientemente discriminatórios para consignar uma exclusão, induzindo desse modo a se firmar uma falsa inclusão.
Isso pode ocorrer, por exemplo, quando o pai biológico é parente muito
próximo do alegado pai. É claro que, quanto menor for o número de
locos analisados, menor é a probabilidade da inclusão
da paternidade.
Por estas e outras
razões, a Sociedade Internacional
de Hemogenética Forense recomenda o exame em dois laboratórios
diferentes ou conferir com dois tipos de exames genéticos
diferentes.
Ainda assim, é de bom alvitre que esses laudos sejam
acompanhados de fotografias das fichas de suporte, sobre o qual, por
eletroforese foi realizada a distribuição dos fragmentos de DNA, a fim
de possibilitar que outro analista confira o diagnóstico. E que se
disponha de estocagem de DNA para possível contraprova em outro laboratório.
Desde algum tempo atrás, insistimos na tese de que mesmo sendo o
perfil ou tipagem do DNA um método de grandes expectativas futuras no
campo da hemogenética médico legal, em questões de interesse criminal
ou cível, os seus resultados nos dias que correm,
principalmente nas localidades onde a experiência dessas técnicas
é incipiente, ainda merecem uma credibilidade com reservas.
Mesmo tendo tal metodologia os aplausos incansáveis de seus
defensores e os encantos que
a mídia propaga, alguns daqueles resultados contribuíram, mesmo sem má
fé, para transformar a sentença numa tragédia, fazendo de um inocente, culpado; ou atribuindo-Ihe um filho
que não é seu.
Hoje, os técnicos
mais prudentes não se cansam de afirmar que é muito importante a
utilização das sondas multilocais (MLP), pela possibilidade de
trazer à lide subsídios mais completos e mais convincentes a cada situação analisada.
Para muitos, e nos colocamos entre
eles, constitui uma temeridade sua omissão, na confirmação da
prova. O uso dos sistemas unilocais deve ter sua indicação mais
apropriada às questões
criminais, quando a quantidade de material coletado é irrisória. Em
casos de investigação da paternidade ou da maternidade, onde se
necessita não apenas de identificação, mas estabelecer a vinculação
genética com outras pessoas, sua utilização é temerária face às
muitas diversidades genéticas da população nos loci cromossomiais em questão.
Em nosso país, além
de não existir nenhum trabalho mais detalhado sobre o assunto, deve-se
considerar que a população é miscigenada de forma contínua e dinâmica,
e que tem uma composição étnica muito complexa, tornando difícil sua
equiparação com os resultados e as observações de outros povos.
Por outro lado, a
literatura mundial especializada nesta matéria não se furta de alertar
para a possibilidade de identificações incorretas ou duvidosas,
concorrendo para resultados desastrosos, ainda que não tão freqüentes,
mas que não se pode dizer que eles inexistem. Não convence a afirmação
de que os resultados ambíguos ou atípicos sejam numa proporção
insignificante. O certo é que eles existem, qualquer que seja a incidência
admitida, e por isso deve-se considerar que, mesmo como fato isolado,
alguém pode ser vítima de tal equívoco.
Outro ponto a
salientar é que alguns laboratórios brasileiros passaram a desenvolver
suas próprias técnicas de diagnóstico, não só para fugir das
patentes devidas ao inventor do método, mas também como manobra ousada
de simplificar e baratear o exame.
Além do mais,
sente-se que há uma motivação em se criar um conceito de "prova
absoluta". Isso tem levado muitos cientistas dessa área do
conhecimento a rever a metodologia utilizada, sem, com isso, negar a
contribuição que o seu bom uso pode trazer, desde que se analise com a
devida cautela os resultados encontrados. É claro que essa batalha não
será fácil. Basta levar em conta o número assustador de interesses
comerciais que existe em torno dessa tecnologia, aduzida como de
resultados irrepreensíveis e irrefutáveis.
Não foi por outra
razão que o Conselho Nacional de
Pesquisas da Academia Americana de Ciências, já em 1992, chamava a
atenção, num criterioso relatório, sobre a importância do DNA na
investigação do vínculo genético de filiação, recomendando um padrão
para a execução dos testes e o aperfeiçoamento de seus métodos.
Entre outros aspectos, dizia que as partes envolvidas devem concordar
quanto ao exame; a metodologia de coleta e a análise das amostras devem
ser avaliadas em cada caso; a defesa tem o direito de acesso a todos os
dados e registros laboratoriais decorrentes dos exames; e os laboratórios
privados não podem ocultar informações sobre os resultados obtidos e
métodos empregados, alegando segredo industrial.
O interessante é
que, depois disso, os Tribunais americanos passaram a considerar os
testes de DNA como elemento probatório adicional e não como prova
definitiva, inclusive permitindo o contraditório. É preciso os
analistas desses resultados entenderem que, mesmo sendo o alvo da
proposta a identificação de características genéticas de um
individuo ou de seu grupo familiar, há probabilidade de enganos, e que
isso pode se traduzir em prejuízos irreparáveis. Qualquer que seja o
tipo de ação judicial, o que interessa ao julgador é a serenidade na
sua decisão, a partir de provas concretas e sem probabilidades de equívocos,
e lembrando que diante da dúvida, o réu deve ser beneficiado.
Por outro lado, não
se pode esquecer que essas provas do DNA dependem de técnicas muito
requintadas e complexas, as quais obrigam o especialista a treinamentos
constantes e posturas cautelosas. Entre nós, por exemplo, não existe
nenhum organismo público ou privado que exerça fiscalização
constante como controle de qualidade, e por isso não se tem como
padronizar métodos e técnicas, nem muito menos como avaliar as condições
operacionais dos laboratórios e a capacidade de seus técnicos. Se não
houver tal cuidado, haverá muito em breve uma proliferação irresponsável
e nociva de laboratórios de baixo padrão, de cujos resultados muitos
malefícios vão surgir. Não tem sido raro encontrar laboratórios com
reagentes imprestáveis, produtos com prazos vencidos, equipamentos com
defeito, placas de gelatina desnaturadas, evidências de descuido na
coleta de amostras e comprovados erros na organização dos arquivos e
na transcrição dos laudos, fatos esses que vêm sendo advertidos há
muito tempo. E mais, aquilo que tanto preocupa: cada laboratório
"inventando" sua própria metodologia ou “criando” padrões
de coincidências de bandas. Isso nos permite pensar que peritos que
trabalham em serviços diferentes podem discordar dessas coincidências.
Não podemos perder
de vista ainda que, em muitas de nossas localidades, há uma predominância
muito acentuada de casamentos consangüíneos e, tal fato,
inexoravelmente, repercutirá numa margem de erro maior. A única forma
de se vencer essas dificuldades será com a utilização de um método
conhecido por "ceiling frequency" (freqüência teto), onde será considerado
o limite máximo de ocorrências de um alelo, qualquer que seja a origem
étnica de uma pessoa. Para que isso funcione, é necessário que os
alelos sejam independentes entre si, dentro de cada loco e entre os vários
locos.
Por fim, a questão:
qual a chance de que apenas o indivíduo investigado seja a fonte do DNA
transmitido ao suposto filho? Para responder a isso já se criou um
"índice de paternidade", que aponta a probabilidade de
qualquer indivíduo ser o genitor e a probabilidade de apenas o
examinado seja. Assim, por exemplo, se esse índice for de um para
2.000, diz-se que somente um indivíduo em 2.001 pessoas poderia ser o
pai do filho questionado. Em João Pessoa, cuja população é de 600
mil habitantes, ocorreria uma probabilidade de 300 indivíduos serem o
pai. Os defensores da técnica do perfil do DNA admitem que esses números
chegam a uma probabilidade de um em 1 milhão, ou seja, de 99,9999% de
certeza. No entanto, para que isso ocorresse, seria necessário que o
teste tivesse uma sensibilidade de 99,9999%, o que nos parece impossível.
Qual seria, afinal, a probabilidade de um indivíduo ser acusado
improcedentemente de uma paternidade quando seu perfil apresentar-se
coincidente com o de um suposto filho? Pode-se afirmar que a
probabilidade de incidência numa cidade como João Pessoa, por exemplo,
é de 1 para 3, se não se levar em conta a influência dos
sucessivos casamentos consangüíneos na comunidade.
4.
Conclusão
Independente da idoneidade de quem subscreve um resultado sobre o
perfil ou tipagem de DNA, e até mesmo da qualidade do laboratório que
recebeu as amostras para exame, aconselhamos, em favor da verdade que se
persegue, a realização do exame por outro laboratório credenciado e
habilitado, que utilize as sondas MLP adequadamente, sem os recursos da
improvisação e com a devida remessa dos registros gráficos,
possibilitando a análise por outros especialistas. Os motivos teóricos
que se inclinam em favor dos microssatélites são: a não ocorrência
de digestão do DNA e a não migração anormal das bandas, a facilidade
de ampliar e analisar vários locos
pelo PCR; a possibilidade de determinar o tamanho dos alelos; a
possibilidade de fazer a análise com amostras reduzidas de DNA; a menor
taxa de mutação dos marcadores; o tempo de resultado menor; a maior
precisão no controle de qualidade; e a possibilidade de se ter múltiplas
ampliações simultâneas em pequenos fragmentos.
Qualquer resultado
onde se reconheça apenas a probabilidade de certeza, ainda que remota
seja a possibilidade de o indivíduo ser o pai, por exemplo, é, no
nosso entender, um exame de exclusão. Essa prova, diante de tal
resultado, será sempre uma prova de defesa quando se puder excluir, e
nunca uma prova de acusação. Isso, pela possibilidade, ainda que rara,
de não se confirmar em termos absolutos a identidade paterna.
É também muito
importante, na avaliação qualitativa do resultado, a utilização de
sondas multilocais. O próprio inventor do método, Alec Jeffreys,
indicava sondas 33.15 e 33.6. Sobre qualquer outra inovação que se
venha introduzir na técnica da tipagem de DNA, é imprescindível que
se avalie criteriosamente os resultados alcançados. Fora de tais
recomendações, tem-se o direito de discutir o valor do resultado
confirmado na prova.
Duvidoso também é
o resultado verificado pelo uso dos sistemas unilocais (SLP), pois como
já se disse, são mais indicados em exames locais de crime, não se
aconselhando quando se quer investigar uma paternidade, face ao
desconhecimento em nossa realidade de freqüências genéticas e
populacionais dos "loci" cromossomiais em disputa. É preciso ainda ter muito cuidado com o resultado obtido em uma investigação com locos insuficientes para excluir uma paternidade e, com isso, não se venha atribuir uma falsa inclusão. Em
suma, o estudo do perfil de DNA, mesmo sendo um exame importante na
questão mais delicada da hemogenética médico-legal, pode-se afirmar
com certeza que, diante da metodologia utilizada e da falta de tabelas
de freqüências alélicas em amostras representativas da nossa população,
não se alcançou ainda um nível de certeza que lhe empreste um valor
probante absoluto e inquestionável. Primeiro, porque não se pode
admitir como certeza aquilo que se tem como probabilidade. Depois,
porque existe entre os laboratórios o uso de técnicas e métodos
diversos, dando margem, vez por outra, a resultados diferentes, mesmo
que os procedimentos e o cuidado do material colhido tenham sido de
forma adequada. Se sob o ponto de vista científico pode-se admitir um nível
de incerteza insignificante como tolerável, face à necessidade de
atender uma grande demanda (como por exemplo, o baixíssimo índice de
reação a um tipo de vacina), nas questões da Justiça, se a dúvida
ocorrer, por menor que ela seja, deve beneficiar o réu. Além do mais,
não se pode omitir que as afirmações estatísticas baseadas em
determinados dados são temerárias, porque elas são montadas em
sofismas matemáticos. Há necessidade, por isso mesmo, que se avalie
criteriosamente caso a caso. Que a hora é de repensar a “absolutização”
do exame em DNA, elevado agora como a suprema das provas e como maneira
única e definitiva de resolução de todos os casos de avaliação do vínculo
genético de paternidade e maternidade. Que o exame em DNA, como meio de
determinar a vinculação genética da filiação, seja tão só um
elemento probatório adicional. Que o julgador por comodismo não se
entregue a um resultado nem por desprezo deixe de considerar outras
provas por desdém ou descrença - colocando como irrelevantes ou
suspeitas outros meios idôneos de prova, dando ao teste em DNA o caráter
de “sacralidade”. E que, finalmente, nesta hora da “divinização”
e da aceitação cega deste aludido exame não se perca de vista o
devido equilíbrio e a justa distribuição do conjunto de todo material
probatório do processo. 5.
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genética e a lei. Aplicação à medicina legal e à biologia social. São
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(**) Professor Convidado dos Cursos de Graduação e Pós-graduação do Instituto de Medicina Legal de Coimbra (Portugal). Membro Titular da Academia Internacional de Medicina Legal e Medicina Social. |
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